PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: SELECIONAR O CONTEÚDO DA COLEÇÃO COM O LEITOR

Ao trazer para a discussão o leitor, quero enxergá-lo como indivíduo inserido em seu mundo de relações, isto é, em uma sociedade. O leitor como uma pessoa que vive sua cotidianidade e se embaralha com a totalidade e com a intensidade dos fenômenos com que se defronta. Esse leitor é, portanto, um universo subjetivo, que interage com a objetividade que se apresenta a sua frente, como fenômenos e exterioridades naturais e sociais, dependendo sua assimilação de tudo isso da qualidade dos seus sentidos natos. Essa assimilação mobiliza sua subjetividade para que ele possa mais adiante exteriorizar ou objetivar sua própria compreensão e valoração das coisas que se lhe revelaram.

 

O que tem tudo isso a ver com a discussão sobre a ética profissional? É que na essência do leitor, está tanto a pessoa capaz de sentir e subjetivar quanto o indivíduo capaz de construir o mundo das interações ou objetivar. Isto é, está tanto o mundo psicológico quanto o mundo sociológico que integram a totalidade do sujeito.

 

Façamos uma reflexão. Tomemos em consideração o ambiente público de informação e nele olhemos, particularmente, para a biblioteca pública (que não significa necessariamente estatal). Atribuamos a ela a noção dada pelo Manifesto da UNESCO/IFLA de que constitui o PORTAL DE CONHECIMENTO da sociedade. Teremos, então, no horizonte da ação do bibliotecário que lá atua todos os leitores, a demandar documentos sobre todos os assuntos e carregando todas as expectativas em relação ao tratamento filosófico, político, literário, histórico, etc. dados a esses assuntos.

 

É um contexto com essa configuração que instala a mais evidente necessidade de boas práticas profissionais, cercada pelos melhores fundamentos éticos visando assegurar o acesso, uso, assimilação e transformação da informação pelo leitor. É nessa configuração que o bibliotecário é um sujeito que cuida do leitor, desfazendo-se de quaisquer pretensões de dirigir o leitor, posto que na constituição da coleção esse leitor foi determinante, através de bem executados estudos de comunidade, sobre o que seria bom para ele: leitor. Assim, o cuidar do leitor dá validade ao que há de mais significativo no papel esperado do bibliotecário como executor de um processo de mediação, coordenando o envolvimento e a manifestação do leitor e assegurando o adequado encaminhamento do dissenso para solução.

 

Nesse sentido, um código de conduta profissional deveria ter o perfil de um instrumento procedimental, declaratório, colocando bibliotecário e leitor como construtores de um bom ambiente de leitura. Isso não é simples de fazer, mas se revela um caminho em construção permanente, no qual nem sempre os instrumentos criados somente pela corporação bibliotecária darão conta de antecipar as possibilidades de solução de eventuais conflitos que se instalem. Experiências advindas de outros contextos socioculturais revelam que também, em vários momentos, há a necessidade da intervenção da justiça comum para se chegar a solução das questões.

 

Para conhecermos um pouco de questões que surgem no cotidiano das bibliotecas, é interessante navegar no documento  “Tracking Challenges in Canadian Libraries: 2007 Results”, da Canadian Library Association, disponível em: http://www.freedomtoread.ca/docs/2008/cla_survey_results_2007.pdf. Trata-se de uma mostra de iniciativa do Comitê Consultivo para a Liberdade Intelectual, da Canadian Library Association, em parceria com a Comissão de Livros e Periódicos do Conselho para a Liberdade de Expressão. Esse trabalho vem sendo desenvolvido como pesquisa anual para investigar as queixas que são apresentadas quanto aos conteúdos de livros, revistas e DVDs nas bibliotecas canadenses. Esse documento arrola 43 casos ou queixas sobre o teor do texto (em livro, periódicos, DVD, etc.) e sua eventual inadequação ao acesso livre. A quase totalidade das queixas foi registrada em Bibliotecas Públicas. O documento informa: sobre a data em que foi apresentada a queixa; os dados referentes ao texto questionado; o teor da queixa; a origem ou relação parental da pessoa que fez a queixa; a resposta inicial dada ao queixoso; o procedimento administrativo adotado para o encaminhamento da resposta e a resposta definitiva, se ocorreu recurso à resposta inicial.

 

Documento com essa configuração mostra um ambiente de atuação profissional do bibliotecário, no qual leitores e bibliotecários enxergam-se como sujeitos de discurso que se compreendem como construtores de uma realidade. A realidade da leitura, em que pessoas, vivem como indivíduos em uma sociedade e agem como sujeitos que objetivam desejos, interesses e necessidades e são respeitados por isso. Em tal contexto, selecionar o conteúdo da coleção é um processo de permanente diálogo com os leitores.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB