TEXTOS TEMPORÁRIOS


  • Textos Temporários

O HOMEM QUE INVENTOU A INTERNET

  • Autor não informado
  • Setembro/2019

Enquanto o Brasil, um quê envergonhado, parou na última semana para lembrar o Ato Institucional de número 5, imposto pela Ditadura Militar, o Vale do Silício celebrava outro aniversário. Na mesma semana do AI-5, em 9 de dezembro de 1968, um cientista de 43 anos chamado Douglas Engelbart apresentou ao mundo, de uma só tacada, o mouse e a internet.

Aquela apresentação, apelidada de "a mãe de todas as apresentações", foi realizada na Universidade de Stanford para uma platéia de engenheiros da computação estupefatos. A ArpaNet, que viria a se transformar na internet, só seria inaugurada alguns meses depois e cientistas de todos os EUA estavam empolgados com a novidade. Aproveitando-se desta animação, Engelbart se propôs a demonstrar os possíveis usos de uma rede de computadores como aquela.

O trabalho que ele apresentou não foi organizado de uma hora para outra. Ele e sua equipe de Stanford vinham pesquisando, com verbas da NASA e do Pentágono, desde 1963. O mouse é apenas uma das ferramentas que eles criaram e demonstraram em 68. ("Como esse instrumento lembra um ratinho", disse Engelbart naquele palco, "alguns de nós começamos a chamá-lo de mouse; talvez o nome cole")

A festa destes 40 anos se deu em Stanford, no mesmo palco em que a revolução teve início. Durante 4 horas, na tarde do último dia 9, a platéia pôde assistir ao vídeo da apresentação, a um debate com os sobreviventes da equipe de Engelbart, e a palestras.

O filme é qualquer coisa de espetacular. O velho cientista tinha um telão às suas costas de maneira que o público podia ver o que ele fazia na tela. 

Alguns risos de fascínio podem ser entreouvidos quando ele apresenta o mouse. Seu monitor estava ligado em rede a um computador no outro lado da cidade. (Não custa lembrar: computadores contavam-se às dezenas no mundo. Vários monitores podiam ser ligados a um só computador, mil vezes menos poderoso do que um iPhone.)

Após apresentar o mouse, como uma versão mais antiga de Steve Jobs apresentando seus novos produtos, o velho cientista pôs-se a navegar na tela clicando em links. Que ele chamou de links. E, a cada link, uma nova página era aberta com novos textos e novos links. A web foi criada apenas em 1989, mas já estava esboçada.

Dotado de um rádio transmissor, enquanto apresentava as possibilidades daquela rede que estava para nascer, o cientista conversava com sua equipe, no laboratório, que a tudo acompanhava. Em um momento, ele faz mágica: faz aparecer uma janela no monitor e lá está o rosto, em movimento, de um de seus engenheiros. Eles começam a conversar: videoconferência. Skype em preto e branco no ano de 1968.

Aquilo foi trapaça: embora o vídeo estivesse realmente no monitor de Engelbart, a transmissão não foi feita pela rede computacional mas sim pelo ar. Uma transmissão comum de TV. As duas novidades, ali, eram a possibilidade de digitalizar a transmissão de vídeo para que ele aparecesse no computador, e a demonstração de que, com mais banda e algum poder maior nos computadores, conversas por vídeo seriam possíveis.

A tecnologia de digitalização que eles desenvolveram foi aproveitada alguns meses depois, pela NASA, para transmitir ao vivo, pelo mundo, a chegada do homem à Lua.

O mais impressionante da mãe de todas as apresentações, não é isso. Naquela platéia, na festa de 40 anos, acompanhando o vídeo, depois os debates e palestras, estavam jovens cientistas da computação fascinados. Engelbart não possibilitou apenas uma transmissão ao vivo da Lua ou apresentou o mouse ao mundo. Fez muito mais do que isso: imaginou a internet e, ao imaginar, guiou por décadas o seu desenvolvimento.

O velhinho se levantou, a um dado momento. Está com 83 anos. O auditório inteiro se pôs de pé para aplaudi-lo por alguns minutos. Uma ovação de reconhecimento que encheu-lhe os olhos de lágrimas. Muito pouca gente ouviu falar do nome de Doug Engelbart. Nestes 40 anos de sua cria, é hora de mudar isso.

(Publicado originalmente no Infohome em 08/01/2009)

 

Fonte: O Estado de S. Paulo. Data: 15/12/2008

   308 Leituras


author image
Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.