AÇÃO CULTURAL, ETC. E TAL
Estou em Ubatuba-SP, em missão de pesquisa ligada a um livro que devo publicar ainda neste ano de 2011. Desta vez, trata-se de história de família e não de um livro considerado de ordem técnica, como os demais escritos por mim ou em parceria com colegas da área.
O título deste artigo já avisa ao leitor que o assunto está ligado à coluna mensal de Infohome; mas, quase plagiando Maria das Graças Targino, vai além da Ação Cultural, propriamente dita.
Estou aqui por poucos dias e nem penso em aproveitar a praia, o sol e o mar, já que o tempo é curto e considero que estou a trabalho.
Apesar da aposentadoria, minha cabeça continua sendo a da professora que quer orientar, alertar, apontar caminhos ligados ao conhecimento ou entraves que levam ao desconhecimento ou à desinformação. Na posição de profissional veterana, sinto-me na condição de aconselhar os mais novos e os iniciantes a não “fazerem isto ou aquilo” e a não trilharem “caminhos tortuosos” em situações cotidianas de serviço, dentro da carreira.
Digo isto porque, com relação à pesquisa para o livro, venho me deparando com algumas circunstâncias difíceis, até mesmo desagradáveis, que poderiam ser tranquilamente evitadas em benefício do usuário, em cuja posição agora me encontro.
A pesquisa a que me refiro já dura aproximadamente quatro anos e abrangeu Portugal e Brasil, no período compreendido entre o finalzinho do século XVIII até o final do século XIX. Tendo como base testamentos, inventários e partilhas de uma determinada família – a minha – envolveu o casal ancestral (ele português, ela brasileira). A partir de uma cópia dos mencionados documentos, compactados em CD, fui em busca de certidões e registros originais que comprovassem os fatos lá aludidos.
Em Portugal, estive duas vezes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, uma vez no Arquivo Distrital de Évora e outra vez no Arquivo Distrital do Porto; nesses lugares, fui aconselhada a prosseguir a busca no Brasil, já que lá não tive sucesso no resultado, embora contasse também com contatos de colegas acadêmicos portugueses, de muita gentileza e boa vontade. O nosso Arquivo Nacional, a partir de consulta à distância, conseguiu enviar-me material de importância para o tema pesquisado, pelo qual sinto-me bastante grata.
Como bibliotecária e, nas atuais circunstâncias, usuária de arquivos variados, sinto-me à vontade para fazer algumas observações, principalmente depois de consultar certos arquivos diocesanos, já que o período pesquisado abrange registros anteriores à República e tudo então era de alçada da Igreja Católica e suas paróquias, com autoridade delegada e reconhecida pelo rei ou pelo imperador, e responsáveis pelo assentamento de batismo, casamento, óbito, propriedades, etc. de brancos e escravos, embora de forma separada.
Provavelmente, o desconhecimento técnico dos encarregados e funcionários dos arquivos que consultei em Taubaté e Caraguatatuba, no estado de São Paulo, faz com que, mesmo procurando atender bem o público, o material com que lidam, isto é os livros antigos de assentamento, estejam em mau estado de conservação e de preservação, grande parte com infestação de mofo, fungos e insetos bibliófagos, que poderiam ter sido tratados de maneira adequada, com métodos razoavelmente acessíveis, até em termos financeiros. A falta de espaço físico suficiente, nesses locais, também é um fator que dificulta as ações do pesquisador. Contudo, é a história que corre o risco de se perder pela precariedade do estado das fontes primárias.
Em contrapartida, nessa minha experiência recente, desejo destacar a organização e o empenho oferecido pelo Arquivo do Estado de São Paulo, com instalações amplas e já em processo de remodelação, que cuida da preservação de seus fundos documentais, utiliza tecnologias eletrônicas atuais e as disponibiliza para os consulentes, oferece um serviço confiável de paleografia (indispensável para a leitura de documentos manuscritos antigos, tanto em português quanto em outros idiomas), além de divulgar constantemente a sua produção cultural, seja em termos de palestras, eventos, cursos e a publicação de obras variadas, que podem ser encontradas na livraria local.
(Eis aqui o “gancho” para a coluna e o título deste artigo).
Outro aspecto que desejo abordar é que, guardadas as devidas proporções, Ubatuba ostenta o Sobrado do Porto, construção peculiar do século XIX, da época áurea do café e da posição que ocupava como o porto mais movimentado da então província de São Paulo, à frente de todos os demais, tanto pela movimentação do comércio de escravos quanto pelo escoamento do café do Vale do Paraíba e das propriedades rurais locais.
O casarão do Porto é tombado há anos. Necessita urgentemente de recuperação e de restauro, sob pena de ruir e desaparecer como um exemplar magnífico e magnificente de uma época histórica e social de importância para o país.
Muito bem! A setenta quilômetros de distância, está localizada Paraty, já no estado do Rio de Janeiro, com todos os méritos e encantos para ser considerada como patrimônio do Rio, do Brasil e do mundo; até conta com um escritório local do IPHAN. O povo todo da cidade se envolve com a sua preservação, pintando, recuperando, arrumando; promove eventos e campanhas, no que é bem sucedido. Turistas e dollars chegam, com fartura, e a cidade reinveste o que consegue, melhorando o estado desse patrimônio cultural.
E Ubatuba? Não é uma cidade inteira, como no caso de Paraty. Mas, nada justifica a perda do seu passado, aviltado pela ausência dos sobradões que ruíram, dos túmulos que foram violados com a complacência de certas autoridades municipais, e da falta de reconstituição correta dos fatos, para que as novas gerações conheçam a sua origem e a sua história.
O que é que está faltando?
“O processo está em Brasília” não é a melhor desculpa.
Estou fazendo a minha parte, com tempo, energia e recursos próprios. Espero que outros o façam, também.
Pois, sem ter o que mostrar, o que informar e o que discutir, não há Ação Cultural a ser feita, por melhores que sejam os profissionais da área, em Ubatuba.