LEITURAS E LEITORES


ÔNIBUS-BIBLIOTECA

A defasagem de bibliotecas no Brasil não é novidade para ninguém. A busca paulatina de soluções para esse abismo cultural e informacional ainda está engatinhando aqui. Mas como uma criança que começa a engatinhar, a gente acredita que quando os passos se fortalecerem, chegarão firmes e eficientes em direção a um sistema nacional de disseminação da leitura e da biblioteca.

 

Muitas são as alternativas para amenizar a falta de biblioteca nos quase 1300 municípios brasileiros. Isso significa que 1/5 dos municípios do Brasil não oferece ao cidadão, quer seja da cidade pequena ou da periferia dos grandes centros, o mesmo acesso à biblioteca que têm os que moram em municípios maiores e nas regiões centrais. Quer dizer: uma parte de nossa população sequer tem em seu imaginário ou vivência, o acesso à biblioteca. 

 

Nesse contexto, talvez pensar no ônibus-biblioteca possa ser uma solução mais econômica para o poder público, mais direta e adequada para atender a municípios com população pequena e, principalmente, os bairros situados nas regiões periféricas das grandes cidades, que também estão à margem desse serviço social.

 

Na verdade o investimento não seria tão grande, se levarmos em conta que um veículo equipado poderia atingir a vários pontos da periferia de  uma cidade grande ou atender a duas cidades de que tenham uma população pequena. Os custos poderiam ser divididos e não encareceria. Por exemplo, a compra de um ônibus, um acervo mínimo de 2000 a 3000 livros, um computador, uma TV com DVD, rádio - CD, já seria um bom começo. Tudo isso não é muito complicado de se realizar por um município que queira a biblioteca, saiba da importância dela na formação de cidadãos.

 

É bom lembrar também que nos municípios menores não é difícil encontrar uma sala disponível para iniciar uma biblioteca, mas isso é outra história, voltemos ao ônibus – biblioteca. Onde estão nossos administradores que não vêem isso?

 

Não se deve esquecer que nossos administradores, em muitos casos, freqüentaram escolas sem bibliotecas, muitos provêm de municípios onde inexiste biblioteca, outros ainda de famílias que não tinham a leitura como uma de suas práticas culturais. E assim, sucessivamente, seriam incontáveis os exemplos que poderíamos enumerar para, mais uma vez, reafirmar que se a criança nunca encontrou biblioteca na sua escola, nem na sua cidade, provavelmente será um adulto que valorizará menos essa instituição. Por conseqüência disso, a leitura também será desvalorizada.

 

E os ônibus que servem de biblioteca, poderiam contribuir para diminuir a defasagem bibliotecária do nosso país? Sim e não. Poderia se os ônibus-biblioteca fossem criados e mantidos em pleno funcionamento. Se as propostas e a implantação de veículos como esses não apresentassem, quase sempre, um viés eleitoreiro que depois do evento aparecer na imprensa aliado ao nome do político, ao deixar de ser “novidade” vai, gradativamente, caindo no esquecimento. Ou ainda, um procedimento que é bastante comum em políticas (ou falta de políticas) públicas no Brasil é o de fazer e não prever a manutenção, a continuidade a médio e longo prazos do projeto. Assim, depois de um período de funcionamento, o projeto acaba, porque os recursos não foram constantemente investidos, não se investiu no acervo (um perde um livro, outro estraga e não se repõe outro no lugar) e assim sucessivamente. Se algo deixa de funcionar, não se arruma em seguida. A demora, nesses casos, desmobiliza o projeto, arrefece a empolgação. Enfim, a manutenção do ônibus e da biblioteca, como um todo, deixa a desejar, porque se pensa apenas em lançar o projeto, mas não se prevêem recursos para assegurar a manutenção e continuidade do mesmo.

 

Não bastassem os aspectos anteriormente expostos, há outro mais ou tão nefasto quanto os já apresentados: a “lei” de “acabar com os projetos da administração anterior”. Se o próximo administrador público não gostar do projeto, desmonta-o e cria outro no lugar, gasta-se mais e, com isso, não se fixa nem em um e nem em outro projeto. É como se fosse o mito de Sísifo, aquele ser mitológico, condenado a rolar uma imensa pedra até o cume de uma montanha e depois dela estar lá, soltá-la abaixo e recomeçar o trajeto novamente, por toda eternidade. No caso da biblioteca e da leitura, significa entre outros aspectos alijar cada brasileiro de sua cidadania.        

   

Mas há sociedades que já perceberam a importância da leitura e da biblioteca na construção da cidadania, do valor que essa prática tem para humanizar o ser humano. E então houve a busca constante de alternativas para levar a biblioteca às partes mais remotas do país e assim as opções podem variar de um edifício público a um veículo, como o ônibus.

 

Em novembro de 2005, na Feira de Livros de Barcelona, pude conhecer o bibliobús, como são chamados os ônibus-biblioteca lá. Quando se entra num daqueles ônibus, novo, arquitetonicamente bem dividido, bem equipado, mas sem exagero, nada que ostente, apenas simples e eficiente, tem-se um impacto, pois é tão bem organizado, com livros e recursos multimeios que lança nossa concepção de biblioteca móvel a outros parâmetros. Ali, a gente tem certeza de que aquilo funciona, que é eficaz ao que se propõe e, principalmente, que faz parte de uma política pública contínua de leitura. 

 

Desde 1993, na região da Catalunha, cuja capital é Barcelona, foi instituída uma lei estabelecendo que os municípios com mais de 5000 habitantes devem oferecer serviço bibliotecário à população. No entanto, existem nessa região  172 municípios* (3,4% da população) que têm menos de 3000 mil habitantes, aí é que entram em ação os bibliobuses ou bibliotecas móviles, como são chamados.

 

Esse modelo itinerante de biblioteca móvel “é um serviço bibliotecário que atende a populações que não podem manter uma biblioteca estável com os requisitos que atualmente se exigem de uma biblioteca”*. Essa biblioteca móvel está equipada com todos os aparatos possíveis de uma biblioteca atual e sua população alvo são os municípios rurais, como são chamados os que têm a população abaixo de 3000 habitantes. Os ônibus atendem, no mínimo, duas dessas populações, o que barateia o custo por município.    

 

Embora faça apenas dez anos que o Serviço de Biblioteca da região de Barcelona elaborou o Plano para Ônibus-Biblioteca para os municípios menos populosos, a origem desse serviço na região remonta ao final da década de 30 do século passado, durante a Guerra Civil espanhola. Naquela época (1938-1939) o ônibus-biblioteca servia aos soldados republicanos que lutavam no conflito, além de colaborar com os hospitais para soldados. Inclusive, uma das bibliotecas mais importantes hoje da Catalunha está situada num antigo prédio de um hospital de Barcelona, chama-se Biblioteca de Catalunya.

 

Em 1939, em sua última viagem, esse ônibus serviu para levar intelectuais  catalães para o exílio. Só em 1957, entrou em serviço um ônibus-biblioteca na periferia de Barcelona e de lá para cá o número de bibliotecas móveis só tem aumentado, até se estender aos municípios da zona metropolitana barcelonesa.

 

A gestão dos ônibus-biblioteca da região de Barcelona é uma parceria entre o governo da região metropolitana (chamado de Diputació) e as prefeituras dos municípios beneficiados pelo serviço. Cabe ao governo da região manter economicamente essas bibliotecas que são interligadas à rede de bibliotecas da Catalunha.

 

O serviço de bibliotecas de Barcelona, na central de suporte, compra e cataloga os livros, discos e vídeos que são enviados periodicamente aos ônibus-biblioteca. Também mantém o sistema de informática que permite o acesso do usuário aos catálogos dos outros bibliobuses da região e internet gratuita. É responsabilidade, ainda da central do serviço bibliotecário, a formação permanente do pessoal bibliotecário e do motorista do veículo. 

 

Por outro lado, as prefeituras dos municípios atendidos, assinam um acordo comprometendo-se facilitar a infra-estrutura na cidade para que as bibliotecas funcionem. Por exemplo, cabe à prefeitura ter o bibliobús como parte integrante da política cultural e educativa do município, além de prover o local onde será instalado o veículo, sinalizando-o. Ainda deve facilitar a eletricidade e o telefone.

 

“Os bibliobuses estão integrados em sua zona geográfica, dependem de uma biblioteca central que lhes dêem suporte e dispõem de empréstimos interbibliotecário. Também contam com o assessoramento técnico do Serviço de Bibliotecas”*.          

 

As informações a respeito desse sistema de biblioteca móvel estão disponíveis ao público em geral. É um modelo perfeito de como deve ser um sistema de biblioteca, uma política pública de leitura, sem entraves burocráticos. Nos catálogos de divulgação do sistema é possível encontrar informações das mais variadas: desde planta de como o ônibus está equipado, passando pelas leis que regem o projeto, municípios atendidos, até quanto custa um ônibus-biblioteca. Tudo claro, direto, sem mascarar o processo.  

 

A rede de bibliotecas municipais da região de Barcelona (em catalão: Xarxa de Biblioteques Municipals) possui 171 bibliotecas, 09 ônibus-bibliotecas, 4.370.000 (milhões mesmo!) de livros e mais de 1.300.000 de usurários com carteirinha. Outro aspecto é que carteirinha da biblioteca vale descontos em eventos culturais, cinemas e lojas.  Enfim, conhecer o Sistema de Bibliotecas Públicas da Catalunha, mais especificamente o de Barcelona, dá-nos a dimensão do quanto há para se fazer no Brasil nessa área.

 

*informações podem ser encontradas no sítio eletrônico

www.diba.es/biblioteques/inic.asp - texto de Cristina Montserrat e Núria Ventura


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.