VIVÊNCIAS (DES)LATTES-LIANAS


DO ‘EU’ AO ‘NÓS’ ACADEMICUS: ADOTANDO O PONTO DE VISTA DO OUTRO

No último mês andei apreciando a leitura do livro “Reificação: um estudo da teoria do reconhecimento” de Axel Honneth, nele o filósofo esforça-se para repensar o conceito de reificação promulgado por Lukács sobretudo o problema entre as relações de reificação e o conceito de reconhecimento.

Tomo por reificação o que Honneth esclarece por alheamento, esquecimento do reconhecimento, ou até mesmo um sofrimento de amnésia, isto é, um conjunto de práticas que negam ou perdem de vista o reconhecimento como uma prática social. Formas de sumição que se diferenciam na relação com o outro e se torna indiferente a qualquer ação, posição e ao engajamento.

Em certo aspecto, Honneth estabelece a reificação como um comportamento de um ser humano tratar o outro como um objeto, isto é, um comportamento em que só se ver o outro de uma maneira instrumentalizada sob coação, a condição sujeitada ao outro, revela uma distorção por conforme ele de reconhecimento, por exemplo, numa troca de informação ou na estipulação de um conhecimento de poder considerar o outro na interação, mas a reificação não existe sem o reconhecimento.

 Já o reconhecimento na visão de Axel Honneth, são formas práticas de ação da afetividade, sendo elas, engajamento, envolvimento, preocupação, interrelação e cuidado, ele elenca isto como “práxis” genuína, ou primado do reconhecimento. Ao contrário dessas práticas está nas relações de reificação, a negação, o eu, a indiferença, essas são práticas que desviam o modo primário das relações na interação.

Por que começo essas pequenas linhas falando das relações entre reificação e reconhecimento? Assistindo uma vez o filme Advogado do Diabo, lembrei-me da narrativa desse filme, e me despertou uma reflexão com o mundo acadêmico. A frase do personagem John Milton, interpretado por Al Pacino, no filme quando relata com ar satisfatório “vaidade definitivamente meu pecado favorito” descreve o filme e abre discussão reflexiva entre a ficção e a realidade.

Entre o personagem principal Kevin (Keanu Reeves) que em busca do seu sucesso na carreira de advogado, abre mão das suas particularidades, sua família, de momentos de preocupação, interrelação e cuidado que requeriam sua maior atenção a assuntos delicados, e se ver tudo de uma realidade viciada em hábito de observação indiferente.

Em seu entorno sua relação é sempre circundante como os outros o tratam como objeto, em relação a ele mesmo, permanece estranhamente distanciado, age de maneira instrumental, ou seja, ele se perde nas ações de troca do mundo, das relações afetivas e cuidado dando a atenção desenfreada para alcançar o sucesso. As ações de troca do mundo, das relações afetivas, do cuidado.

Essa narrativa do filme por algumas vezes tombeia com as práticas do mundo dos acadêmicos, já se encena uma realidade que por assim podemos dizer é capaz ou não de ser vivida. A busca de alcançar um nome, uma visibilidade, acaba ocorrendo com os “erros” do Kevin na narrativa do filme, Honneth também fala desses erros apontando ao excesso de reificação.

Na busca pela visibilidade acadêmica, quantos não são os que atropelam a si mesmo, seus limites, através do super-produtivismo que cega a autorreflexão, isto é, citando anteriormente a narrativa do filme com os “erros”, podem se apontar também no que Honneth esclarece por falha moral, isto é, que privilegia as capacidades generativas ou produtivista do sujeito, relegando os objetos, os efeitos do campo da percepção de uma prática reificada acaba sendo o efeito da vontade humana.

As práticas acadêmicas do produtivismo que tomam por posição desenfreada, abrem espaço para o “pecado favorito” de John Milton no filme: A vaidade. Podemos supor a vaidade como uma argumentação moral de uma prática reificadora, desengajada e instrumentalizada, sem sentido, sem afeto, sem cuidado somente ao revés de uma possível “práxis” genuína humana: reconhecimento e afirmação da existência do outro?

Embora faça parte da natureza humana, a vaidade afoga aqueles que dela tornam-se objetos reificantes. No mundo acadêmico, essas relações não difeririam do mundo circundante que Honneth aponta, ela está presente na super-produtividade; narcisismo; e no esquecimento ou alheação de reconhecimento, implica também alterações nas disposições e atitude dos sujeitos. Na verdade, Honneth diz que falhamos ao adotar o outro numa interação, e interação aqui é criar vínculos, por ele só olhamos o outro com um olhar reificado, isto é, conhecemos apenas nossos objetivos e outro é um instrumento para a satisfação desses objetivos.

Ainda durante a pesquisa da dissertação, durante uma entrevista, a fala de uma mãe chamou minha atenção quando ela disse que só os filhos dos vizinhos que prestavam; entendi isso como apenas quando o outro se vê como instrumento de satisfação, sempre olhando o vínculo com um instrumental sem sentido.

Bom, para finalizar esse texto quero deixar aqui uma reflexão do Paulo Freire, ele nos atenta que o reconhecimento do outro e reconhecimento de si no outro é decisão e compromisso de colaborar na construção do mundo comum (FREIRE, 2011). O reconhecimento é favorável quando ele é a consequência de um construto de dedicação da carreira do pesquisador por meio das suas pesquisas, é um amadurecimento das práticas de reificação, transportadas por um valor que sustenta o autorrespeito, autoconfiança e autoestima, sempre é uma luta. 

No entanto, para meus colegas pós-graduandos do mestrado e doutorado, as práticas de reificação pulam etapas, é interessante para nosso amadurecimento, destaco que se deve ter cautela, pois como já citado no texto, as práticas da vaidade tornam-se reificantes, pois, elas são da paixão, secas, indiferentes e instrumentais, mas considero reconstruir uma prática genuína em que não haveria esquecimento do reconhecimento, mas ele se daria na força das relações, dos vínculos, na deliberação moral que procura não coagir, perdendo-se o ego é possível chegar aos nós, portanto, “o reconhecimento é uma precondição do conhecimento”, já diz Honneth.

REFERÊNCIAS

ADVOGADO DO DIABO; Direção: Taylor Hackford. Produção: Regency. Estados Unidos: Warner Bros, 1997. 1 DVD (145 min.).

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

HONNETH, Axel. Reificação: um estudo de teoria do reconhecimento. São Paulo: Editora Unesp, 2020.


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JETUR LIMA

Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGCI-UNESP). Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCOM/UFPA). Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará.