VIVÊNCIAS (DES)LATTES-LIANAS


CONVIDADA ALESSANDRA OLIVEIRA - MULHER NA CIÊNCIA: AFETAÇÃO E SOLIDARIEDADE COM A PANDEMIA

A proposta da coluna "Experiências (Des)Lattes-lianas" é o diálogo e a participação diversa na vida da Pós-Graduação. Portanto, a agenda marcada pelas narrativas sobre as mulheres na vida acadêmica é muito frutífera para nós. Porquanto, saber proceder em reciprocidade e solidariedade com o outro é ampliar os debates que circulam no mundo da vida e precisam ser reiterados.

Ampliando horizontes, o filósofo Jurgen Habermas considera o princípio da solidariedade a relação das experiências intersubjetivas do cuidado com o outro, além de que é na experiência de um tornar-se responsável pelo outro que se exemplifica esses traços à felicidade pelas quais emanam pelo conjunto de intersubjetividades compartilhadas, pela qual reiteramos aqui, nessa narrativa, o lugar da mulher na ciência, seus direitos legitimados e reconhecidos garantindo um espaço comum no espaço público.

A partir dessa relação, o texto do mês de outubro tem a participação da doutoranda do PPGCI-Unesp, Alessandra Oliveira, que realiza um diálogo, ou seja, uma síntese, um pouco sobre as relações, dificuldades e solidariedade das cientistas durante a pandemia.

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Durante a pandemia, a luta das mulheres ficou entre a ciência e as necessidades do “lar” e isso abalou profundamente os ânimos nos quais buscava-se construir melhor as produções acadêmicas e o bem-estar familiar.

Como cientista, esposa e mãe, percebo o quanto é muito satisfatório dedicar-se aos estudos e pesquisas, pois nessa prática deixamos a nossa importância na contribuição científica e na missão de poder contribuir socialmente por meio das nossas pesquisas e, consequentemente, isso reverbera como autorrealização como mulher cientista.

Embora tenha a rede de apoio de um companheiro que entende as minhas necessidades como pesquisadora e compartilha dos mesmos objetivos, sei que essa é uma realidade distante de muitas mulheres que fazem ciência e que, em meio às práticas científicas, equilibram-se na “corda bamba” para realização das demandas.

A realidade de muitas mulheres cientistas resultaou em muitas lutas internas durante a pandemia, conforme um relatório divulgado pela ONU: resposta ao (COVID-19): os impactos e implicações diferem para mulheres e homens. Deixa claro que as mulheres foram as mais afetadas durante a pandemia “as tarefas de cuidado recaem principalmente sobre as mulheres, que, em geral, têm a responsabilidade de cuidar de familiares doentes, pessoas idosas e crianças” (ONU, 2020, online). Esse relatório descreve que as mulheres com vulnerabilidade econômica foram as mais afetadas durante a pandemia e, neste caso, traço um exemplo das mulheres bolsistas de graduação e pós – graduação que por vezes precisam ser produtivas para com as responsabilidades que lhe foram concedidas, pois a bolsa é, muitas vezes, o seu único sustento. Dessa forma, as mulheres de instabilidade econômica foram as mais afetadas, sendo condicionadas ao esgotamento físico, emocional e ao enfrentamento da Covid-19.

A pandemia resultou para mim em uma preocupação familiar em relação à contaminação do coronavírus. Mesmo tendo uma rede de apoio fortalecida, onde ocorra a divisão de tarefas, as mães cientistas não podem deixar em segundo plano um lado materno que só a natureza pode explicar e que não há como ser substituído por outrem.

Cada mãe percebe no seu cotidiano as determinadas coisas no ambiente familiar que só ela conduz da melhor forma e não há como mensurar sua capacidade para detalhes que surgem no dia a dia, que, muitas vezes, só ela sabe lidar.

Ainda assim, esses detalhes carinhosos e maternais não foram condizentes com relatos que observei durante a pandemia em grupos de bolsistas que circulam em redes sociais, de mulheres que se encontram sozinhas, preocupadas ou desestimuladas a continuar seus estudos devido à alta demanda de fazeres que estão sendo colocados durante a pandemia.

Esses relatos foram compartilhados com outras mães cientistas que se encontram na mesma situação frente aos desafios pandêmicos e acadêmicos. A falta de rede de apoio se intensificou nesta crise sanitária e muitas se viram entre escolher uma parte e negligenciar outra, e as atividades acadêmicas eram a grande preocupação.

Pesquisas realizadas por Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista (SOF) trouxeram números bem preocupantes de mulheres em que tiveram trabalho redobrado durante a pandemia. Conforme os levantamentos, indicou-se que 41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena.

Esse dado pode resultar na compreensão das mulheres cientistas, que mesmo tendo que pensar na elaboração das suas pesquisas, que necessitam de um amplo esforço mental, ainda tinham que encontrar outros esforços físicos e mentais para sobreviver durante a quarentena, fazendo disso uma rotina sobre o futuro indeterminado que a pandemia proporcionou, aumentando assim, a angústia, o cansaço mental, a ansiedade e até mesmo a depressão.

Reconhecendo esse caos em que as mulheres foram condicionadas, durante a pandemia surgiram muitos coletivos de mulheres que visavam ser um apoio para as mulheres que se encontravam em redução produtiva devido às altas demandas condicionadas, como o “Coletivo de Mães Cientistas”, que conduziu um trabalho solidário excepcional em compilar artigos de mães que, através dos seus olhares com os desafios da ciência em meio a pandemia, conseguiram encontrar parcerias para publicar sobre esse “novo normal” no livro: Mulheres cientistas e os desafios pandêmicos da maternidade. Livro com a cooperação da UNESCO no Brasil.

Essa foi apenas a ponta do ideal que seria o ponto de apoio frente às mulheres em que a sororidade e a solidariedade fizeram-se presentes entre as muitas mulheres cientistas, pois para assumir o protagonismo na pesquisa não bastava apenas ter os equipamentos necessários de um home office. A carga emocional é o ponto crucial que reverbera no cansaço físico, resultando em baixa produtividade e até mesmo na baixa estima social.

Por exemplo, lembrei que em meio ao pico da pandemia, em 2020, a ansiedade era resultado do medo que assolava as notícias telejornalísticas, e com as mortes acontecendo entre pessoas próximas e vizinhos, os esforços mentais para a realização dos estudos ficaram praticamente parados, pois de um lado existia o instinto maternal de proteger de todas as formas aqueles que amamos, e do outro havia uma preocupação sobre a produção do campo científico, mesmo com as constantes lives acontecendo no circuito acadêmico, durante o pico da pandemia, para aproximar o saber do público. Esses foram os gatilhos para o aumento da preocupação e ansiedade, pois questiona-me se realmente estava sendo produtiva, uma vez que não estava fazendo algum conteúdo científico.

Esse questionamento acabou quando li uma frase aleatoriamente em uma rede social, que dizia “pandemia/home office não é disputa para mostrar quem é mais produtivo” e isso foi suficiente para eu não me cobrar tanto, fazer o que estava ao meu alcance e buscar observar e participar mais do meu círculo familiar sem cobrar tanto a produtividade.

Para finalizar, se considerarmos que a relação entre mulheres e ciência é julgada em uma representação por uma recusa de reconhecimento, e que, nesse sentido, ela precisa de legitimação, em primeiro lugar, onde é o lugar das mulheres? As lutas por reconhecimento, ou seja, relações que vinculam a uma autorrealização em que há uma força de vontade política de resistência que contrapõe à dominação prevalecente de ciência.

Em consequência, por trás de uma cientista há o papel de filha, esposa e mãe com suas várias tarefas, e lutas objetivas e simbólicas que somente a mulher pode enumerar. Em meio à grandes demandas que existem na vida, a identidade das mulheres na ciência legitima-se em meio a toda complexidade de lutas diárias em que se encontram.

REFERÊNCIAS

HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDA. Gênero e covid-19 na américa latina e no caribe: dimensões de gênero na resposta. 2020. Disponível: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf. Acesso em: 16 out. 2021.

SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA. Sem parar o trabalho e a vida das mulheres na pandemia. https://mulheresnapandemia.sof.org.br/. Acesso em: 16 out. 2021.


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JETUR LIMA

Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGCI-UNESP). Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCOM/UFPA). Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Pará.