INFORMAÇÃO E SAÚDE


O PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO E O PACIENTE

Por que o paciente?

 

Vários estudos presentes na literatura focam o bibliotecário médico, o bibliotecário hospitalar, o bibliotecário clínico, e o informacionista (GALVAO, LEITE, 2007). As denominações empregadas, mais que modismos aparentes, indicam a complexidade e os múltiplos caminhos para a atuação do profissional bibliotecário tendo em vista a criação, a organização e a otimização de fluxos informacionais no contexto da saúde. Para inaugurar esta coluna, discutirei a atuação do profissional da informação com foco no paciente cujas atividades são essenciais para o empoderamento, a segurança e o bem-estar do paciente. Inegavelmente, muitos colegas bibliotecários já estão inseridos no contexto da saúde, pois a saúde enquanto campo científico não sobrevive sem informação. A abordagem deste artigo, no entanto, se fixa no contexto clínico, no contexto da assistência em saúde, onde ainda temos muitos passos a dar individual e coletivamente.

 

Muitas vezes, os pacientes recebem do profissional da saúde informação complexa sobre o seu estado de saúde e carecem de informações adicionais que lhe tragam uma melhor compreensão de sua enfermidade, das características desta enfermidade, das opções de tratamentos disponíveis, dos custos envolvidos neste tratamento, de casos de sucesso no tratamento e/ou de instituições especializadas na enfermidade. Dito de outra forma, os pacientes precisam de informações que apoiem melhor suas escolhas e decisões acerca do tratamento ao qual serão expostos ou dos possíveis tratamentos que são adequados para o seu caso. Nessas situações, os pacientes precisam localizar informações de saúde, avaliar a credibilidade e a qualidade dessas informações, analisar riscos relativos e benefícios de tratamentos, procedimentos e terapêuticas, interpretar resultados de exames, compreender informações sobre medicamentos, como, por exemplo, o cálculo de doses (GLASSMAN, 2011).

 

A este conjunto de atividades dá-se o nome de competência em saúde, que por sua vez relaciona-se à competência linguística (capacidade de expressar e de compreender mensagens verbais), à competência visual (capacidade para interpretar gráficos e outras informações visuais), à competência tecnológica (capacidade para operar computadores e outros dispositivos tecnológicos), à competência informacional (capacidade para localizar, avaliar, analisar e usar informação), e à competência matemática (capacidade para compreender e realizar cálculos). A competência linguística é importante, na medida em que os pacientes precisam expressar seu estado de saúde e descrever seus sintomas de forma acurada. Eles também precisam saber questionar e entender manuais e recomendações para uso de medicamentos ou aparatos de saúde. Logo, para ter garantido o seu direito à saúde, precisam ser educados para a tomada de decisões (GLASSMAN, 2011).

 

Com o advento da Internet e das inúmeras fontes de informações em suporte digital, tanto a competência informacional quanto a competência tecnológica também passam a ser requeridas ao paciente. Faz-se notar que a competência informacional não está necessariamente associada à competência tecnológica, já que um ser humano pode saber como usar tecnologias da informação e comunicação, mas pode apresentar desconhecimento em como localizar, avaliar, analisar e usar a informação, sendo o inverso também verdadeiro, ou seja, pode saber como avaliar uma informação, mas não saber como usar um computador – situação recorrente em sociedades de cultura oral ou com recursos econômicos escassos onde o acesso às tecnologias é limitado (CATTS, LAU, 2008).

 

Argumentos favoráveis à aproximação do profissional da informação e o paciente não faltam. No que se refere à competência informacional, estudos evidenciam que médicos, mesmo tendo recebido treinamento específico durante sua formação na graduação, possuem dificuldade para acessar, selecionar e usar informação em saúde (CULLEN, 2011). Cenário que também se repete no campo da enfermagem (SCOTT, 2008, MAJID, 2011). Motivo, pelo qual, o profissional da informação é um aliado importante para o provimento de informações adequadas à equipe de saúde e ao paciente.

 

De forma geral, os profissionais da saúde possuem pouco tempo para a busca por informação em saúde (DAVIES, 2011, MAJID, 2011) e suas habilidades na busca por informação parecem bem menores do que supõem ter. Em pesquisa realizada com 400 alunos das ciências da saúde de uma universidade americana, verificou-se que a maioria dos alunos (84%) considerava suas competências em busca por informações boas ou excelentes. No entanto, muitos deles (89%), ao longo do estudo, foram incapazes de realizar estratégias avançadas de busca por informação, bem como apresentaram dificuldades para julgar a confiabilidade de fontes de informação em saúde (IVANITSKAYA et al, 2006).

 

Considerando o contexto apresentado, o profissional da informação focado no paciente possui múltiplos papéis que perpassam a referência, a organização, a disponibilização e a disseminação de informação em saúde.

 

Construindo o foco no paciente

 

A título de exemplo observa-se o projeto do Serviço de Informação em Saúde para o Paciente (SISP) do Hospital Geral Judaico, da Universidade McGill, situado em Montréal no Canadá. A proposta do SISP é descrita no texto The Herzl Patient Health Information Service: an innovative solution to the problem of informing patients in primary care (Frati, 2011) sintetizado a seguir.

 

A criação do SISP derivou de um projeto piloto dividido em três fases: 1 identificação das necessidades informacionais do paciente; 2 estudo sobre o espaço para a inserção de um serviço de informação para o paciente; e 3 inserção do profissional da informação no fluxo de assistência ao paciente.

 

Na fase 1, foram criados dois questionários, sendo um voltado para pacientes e suas famílias, perfazendo um total de 81 respondentes, e outro voltado para os profissionais de saúde, perfazendo um total de 8 respondentes. Nesta fase, percebeu-se que efetivamente os profissionais da saúde não tinham familiaridade com as fontes de informação para pacientes. Situação que evidenciou que a existência de um profissional da informação em saúde para auxiliar o paciente, no contexto da assistência, se fazia necessária.

 

Nas fases 2 e 3 do projeto, foi criada uma sala específica para que o profissional da informação atendesse aos pacientes no contexto da assistência. Assim, pode-se observar mais de perto as necessidades informacionais do paciente e dos profissionais de saúde, sobretudo, permitindo que o profissional da informação estabelecesse uma melhor estratégia de fluxo de informação para o contexto. Foi criado um formulário denominado Raio-X da informação por meio do qual o profissional de saúde encaminhava o paciente para o bibliotecário indicando os tipos de informações necessárias ao paciente, dentre as quais informações sobre exercícios físicos, estilo de vida, nutrição, medicação, vacinação, tratamentos, saúde mental, saúde da mulher, saúde do homem, saúde do adolescente, doença coronariana, gerenciamento da dor etc. Nesta fase, também foi estabelecida a sistemática de atendimento pelo bibliotecário, incluindo uma rápida avaliação das competências informacionais do paciente, as preferências do paciente em relação à aprendizagem, forma de contato mais adequada para o atendimento informacional do paciente (telefone, e-mail, face-a-face) e as fontes de informações mais recomendadas para o caso (sites, panfletos, vídeos).

 

Em sua versão piloto, o SISP acompanhou, durante 39 meses, 277 pacientes, 87 médicos, 10 enfermeiros e mais 4 profissionais da saúde. Como resultado do projeto piloto, observou-se a importância de ter pacientes informados para o sucesso da assistência e o incremento da quantidade e qualidade das informações recebidas pelo paciente. Em estudo realizado durante 2009 e 2010, observou-se que os pacientes estavam mais satisfeitos com a assistência recebida e mais engajados na recuperação.

 

Todavia, Frati (2011) alerta que a implantação desta modalidade de atuação para o profissional da informação requer treinamento sistemático da equipe de saúde, inserção do profissional da informação para que compreenda todas as sistemáticas e fluxos de assistência do paciente, bem como o apoio logístico e indispensável da administração central da unidade de saúde a fim de que haja aceitação da proposta.

 

Brasil: perspectivas possíveis

 

No caso brasileiro, dada a dimensão geográfica do país e o tamanho de sua população, estratégias de larga escala para atender pacientes são necessárias.

 

Como ponto de partida, alguns dados devem ser considerados, quais sejam: a cobertura de bibliotecas públicas atinge cerca de 89% dos 5564 municípios brasileiros (INSTITUTO, 2006); o Sistema Único de Saúde (SUS), preconizado na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988),  integra estabelecimentos de saúde municipais, estaduais e federais, abarcando cerca de 45 mil unidades de atenção primária, 30 mil equipes de saúde da família e 6 mil hospitais (BRASIL, 2009);  a atenção primária, a qual se associa a estratégia de saúde da família, é basicamente de responsabilidade dos municípios.

 

Imagina-se, assim, que em um plano nacional de empoderamento dos pacientes, por meio da informação em saúde, demandaria, por exemplo, uma parceria entre o SUS e as bibliotecas públicas. Igualmente, se faria necessário um projeto nacional de larga escala para treinamento de bibliotecários nas problemáticas da informação em saúde e da assistência em saúde. Para tanto, parcerias entre instituições de ensino superior, SUS, unidades de saúde, governos municipais e estaduais, também seriam bem-vindas.

 

Neste contexto, idealmente, o profissional da informação com foco no paciente poderia ser treinado para atuar em bibliotecas públicas (municipais, estaduais e federais); em unidades de saúde (unidades básicas e unidades de média e alta complexidade, como os hospitais); e em secretarias municipais e estaduais de saúde. As atividades a serem desenvolvidas pelo profissional da informação com foco no paciente abarcariam, por exemplo, o atendimento de referência ao paciente (incluindo identificação de suas necessidades informacionais em saúde e das fontes de informações confiáveis para atender tais necessidades), desenvolvimento de sites, materiais digitais ou impressos com informações adequadas para as problemáticas de saúde das diferentes comunidades existentes em um munícipio ou distrito, em parceria com os profissionais de saúde.

 

De forma complementar, ressalta-se que esta abordagem demandaria um esforço coletivo para formação do profissional da informação para trabalhar com as especificidades da assistência em saúde, incluindo estágios supervisionados em unidades de saúde para maior contato com o contexto clínico, com profissionais da saúde e com pacientes, bem como disciplinas específicas para a sensibilização e educação dos futuros profissionais de saúde e dos futuros profissionais da informação.

 

Pelo exposto, fica aberto o convite para pensarmos em soluções de larga escala que abarquem a atuação do profissional da informação com foco no paciente.

 

Referências

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

 

______. Ministério da Saúde. O que é SUS. Brasília: MS, 2009. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/sobre/saude/atendimento/o-que-e-sus Acesso em: setembro de 2011.

 

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de informações básicas municipais. São Paulo: IBGE, 2006.  

 

Catts, R.; Lau, J. Towards information literacy indicators. Paris: UNESCO, 2008.

 

Cullen, R. et al. Evidence-based information-seeking skills of junior doctors entering the workforce: an evaluation of the impact of information literacy training during pre-clinical years. Health Information & Libraries Journal, v.28, p. 119-129, 2011.

 

Davies, K. S. Physicians and their use of information: a survey comparison between the United States, Canada, and the United Kingdom. J. Med Libr Association, v.99, n.1, p.88-91, 2011.

 

Frati, Francesca. The Herlz Patient Health Information Service: an innovative solution to the problem of informing patients in primary care. Journal of the Canadian Health Libraries Association, 32:115-121, 2011. Disponível em: http://pubs.chla-absc.ca/doi/abs/10.5596/c11-034 Acesso em: 18 de outubro de 2011.

Glassman, P. Health literacy. Shrewsbury: National Network of Libraries of Medicine, 2011. Disponível em: http://nnlm.gov/outreach/consumer/hlthlit.htm Acesso em: 18 de outurbro de 2011.

  

Ivanitskaya, L. et al. Health information literacy and competencies of information age students: results from the interactive online Research Readiness Self-Assessment (RRSA). J Med Internet Res, v.8, n.2, e6, 2006.
 

Galvao, M.C.B.; Leite, R.A.F. Do bibliotecário médico ao informacionista: traços semânticos de seus perfis e competências. Transinformação, v. 20, p. 181-191, 2008. Disponível em: http://revistas.puc-campinas.edu.br/transinfo/viewarticle.pgp?ide=198 Acesso em: 18 de outubro de 2011. 
 

Majid, S. et al. A. Adopting evidence-based practice in clinical decision making: nurses’ perceptions, knowledge, and barriers. Journal of Medical Library Association, v.99, n.3, p.229-236, 2011.
 

Scott, S. D. et al. Nursing students and Internet health information. Nurse Education Today, v.28, n.8, p.993-1001, 2008.
 

Como citar este texto

 

Galvão, M.C.B. O profissional da informação e o paciente. 10 de novembro de 2011. In: Almeida Junior, O.F. Infohome [Internet]. Marília: OFAJ, 2011. Disponível em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=639


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MARIA CRISTIANE BARBOSA GALVÃO

Professora na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Sua experiência inclui estudos na Université de Montréal (Canadá), atuação na Universidad de Malaga (Espanha) e McGill University (Canadá). Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, mestre em Ciência da Comunicação e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade de São Paulo.