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BIBLIOTECARIO SÍ, PERO DESEMPLEADO NO

Ocorre na Espanha uma diminuição no interesse dos jovens pelo curso de Biblioteconomia e Documentação. Algumas universidades se recentem desta queda na procura por vagas. Um dos fatores que parece contribuir para a situação é a pouca divulgação da atividade, e dos próprios cursos. Em realidade, o ensino da Biblioteconomia como de nível superior é algo recente, até então a formação decorria de cursos ministrados por alguma Associação, ou especialização ministrados em algumas poucas universidades. Com o surgimento de cursos superiores na década de 1990, o cenário começou a alterar com aparecimento de bibliotecários titulados em Biblioteconomia.

 

Mas a crise de interessados é significativa no atual momento. Algumas universidades buscam no ensino à distância forma de minimizar a baixa procura. Em Leon, o curso de Biblioteconomia prevê crescimento deste modelo de formação em relação ao curso presencial, e a tendência deve crescer em outras instituições.

 

Porém, fica a impressão de que a Biblioteconomia parece ser até mais divulgada no Brasil do que aqui. Isto, apesar de existirem várias associações de bibliotecários, bibliotecários e arquivistas, ou com outras denominações e combinações profissionais, não há uma divulgação articulada nacionalmente, assim como não há legislação que regulamente a atividade como há para advogados, engenheiros etc. As ações de divulgação ocorrem mais isoladas, limitadas a determinados procedimentos de promoção local. Entretanto, o mercado de trabalho existe, é um mercado onde atua graduado, especialista, e pós-graduado na área, ou de outra área profissional.

 

Nos dias 22 e 23 de outubro de 2008, visitei uma feira de empregos realizada anualmente (já é a 13ª edição) em uma das maiores universidades espanholas. Nesta edição havia 130 empresas e instituições de distintos setores oferecendo oportunidades de carreira profissional em suas organizações. O interessante era a frase de promoção do evento: “busco titulados para mi empresa; busco empresa para mis titulados”, sugestão da parceria empresa-universidade, e de conceitos que marcam a formação profissional por aqui, baseada em competências e orientada ao mercado laboral.

 

Ao folhear o catálogo de apresentação das empresas participantes, e os perfis profissionais buscados, a frase deveria ser mais restrita, tipo: “busco engenheiros, advogados e economistas para minha empresa”. Até escritórios jurídicos presentes buscavam engenheiros. Poucas solicitações para jornalistas, químicos e matemáticos, menos ainda para outras áreas, e nenhuma para bibliotecários ou correlatos. Consultei alguns dos expositores sobre as oportunidades para jovens bibliotecários. As respostas foram desde a conhecida: “Biblio o que?” (pronunciado em espanhol soa como português – que passa hombre?); ao “não sei se há um serviço de informação ou biblioteca na empresa”; ou ainda: “temos biblioteca sim, porém na matriz da Inglaterra”. Até achei que fosse meu espanhol (muy castizo) afetando as indagações feitas, mas em certas respostas senti os efeitos da globalização do mercado de trabalho na Europa. Por outro lado quando digo da ausência de uma ação de divulgação, não é só a divulgação da profissão pela profissão em si, mas sua divulgação sobre uma base de conteúdo a ser oferecido para empresas e outros tipos de organizações. Afinal, bibliotecário é útil para quê, ou para quem? Há que se conhecer as tendências do mercado.

 

Creio que a situação que conheci ainda que parcialmente, na Espanha, não seja muito diferente do que encontro no Brasil. Mas a responsabilidade da inserção bibliotecária no mundo laboral requer cada vez mais um trabalho conjunto e coordenado de esforços institucionais da área; do estudo sistemático do mercado, do perfil e competências profissionais; e também requer um comportamento colaborativo do próprio bibliotecário na divulgação de sua profissão, e com uma atitude mais pró-ativa na busca por novas oportunidades profissionais. Saber em que somos úteis às pessoas e para instituições.

 

A Espanha passa por uma crise econômica séria (não só ela), o desemprego é um problema social grave atualmente. Imigrantes são indesejáveis por não haver espaços de oportunidades para todos, até as atividades menos valorizadas estão sendo orientadas para os locais. Os jornais constantemente apresentam matérias abordando a situação e até recomendando procedimentos para se mudar de atividade ou estratégias para buscar oportunidades de trabalho em um momento de recessão.

 

Assim, percebe-se que buscar oportunidade de trabalho é em realidade buscar informações. Requer saber o que se quer buscar, conhecer as fontes de consulta, saber definir uma boa estratégia de pesquisa, avaliar os resultados relevantes e deles extrair os pertinentes com as intenções profissionais.

 

Nestas crises econômicas, tais situações como o do desemprego ou da necessidade de emprego é colocado a todo trabalhador: buscar informações para se colocar. Mas será que sabemos o que queremos buscar. Sabemos ler as tendências do mercado? Temos certeza do que queremos ser ou fazer?  Somos capazes de realizá-lo? Nós nos mantemos comercializáveis? Talvez algumas perguntas-chave a fazer, deveriam ser:

 

  • Que atividade na área gostaria de realizar? – A reflexão deve combinar a formação e atitudes com as circunstâncias reais do mercado de trabalho que nos circunda. É importante estar sempre bem informado sobre o mercado laboral; sobre a profissão e suas facetas ou possibilidades de atuação. Analisar se as opções escolhidas ou pensadas são viáveis para os momentos de incertezas. Porém, é fato, se durante a vida acadêmica os estágios realizados foram planejados para acrescentar vivências à formação profissional, na hora de definir caminhos, o processo será menos doloroso e sujeito a equívocos.

 

  • Busca algo por causas alheia a vontade ou por conta própria? – Eis uma pergunta delicada a se fazer. Tenho a formação e o impulso necessário para definir meu itinerário profissional, usar de meu espírito empreendedor para investir em novos campos, novas arenas profissionais. Trabalhar em grande empresa com serviços complexos de informação e gestão; ou quero iniciar ou tocar a carreira em uma instituição sem grandes perspectivas profissionais.

 

  • Deseja um emprego público ou privado? – O setor público para área da Biblioteconomia ainda é um importante empregador. Pode ser uma boa opção se nos mantivermos preparados para os melhores concursos. Atualização sempre continua, não há segredo. Porém, o setor privado oferece maior desafio e cobrança de competências. É um segmento a ser conquistado, pois muitos setores de recursos humanos desconhecem o capital de recursos de bibliotecário para o negócio da empresa, e não é para etiquetar livros – é fazer gestão competente de conhecimento.

 

  • Mudaria de cidade ou região? – Há bibliotecários que buscam esta possibilidade desde o banco universitário. Até trabalhar fora do país, outros não têm esta possibilidade em suas intenções. Mas uma experiência profissional fora é um valor que realça qualquer currículo. Além do idioma, profissionais com esta vivência são permeáveis as mudanças e mais polivalentes no seu desempenho. 

 

  • Que tipo de empresa busca; ou que tipo de serviço de informação quer trabalhar? – A forma de trabalhar em uma ou outra empresa (em um ou outro tipo de biblioteca) difere em alguns aspectos. Existem prós e contras em cada caso. Há organizações da área privada ou pública que pelo seu porte apresentam poucas perspectivas de desenvolvimento profissional. Há outras, porém, que investem e facilitam a identificação do profissional com ela. É fato, também, que todo cargo almejado tem um preço, se desejamos acender a níveis maiores, este preço será cobrado em termos de responsabilidade, habilidades, desgastes emocionais, por exemplo, independente de nossas competências em ocupá-lo. É necessário ter consciência dos desafios com todos os bônus e prejuízos; ou se deseja mesma uma zona de conforto, ainda que o fardo seja a rotina, a mesmice, porém sem sobressaltos.

 

Outros fatores que influem na busca da informação laboral, e na decisão de escolha por uma oportunidade referem-se ao: salário, horários, ambiente de trabalho, e plano de carreira.  Tomar uma decisão despregada de uma reflexão conjunta destes valores pode resultar em uma escolha infeliz. Basear-se apenas pelo salário é como tomar um elevador no piso mais alto do prédio, e se descobrir algum tempo depois no subsolo. Não valorar a existência de um plano de carreira é seguir sempre como vagão de trem, sem poder sair do trilho. Já, não espiar o ambiente do trabalho, é correr risco de fazer companhia ao capeta.

 

Na busca por oportunidades, além de saber o que se deseja, conhecer as fontes de informações é essencial. Algumas alternativas neste sentido podem ser:

 

  • Mural de emprego e/ou de estágio nas universidades – muitas empresas por desconhecimento ou intenção em novos talentos, afixam oportunidades de vagas (não só de estágio) nos murais dos departamentos universitários. Além de colher estes dados no mural dos cursos de Biblioteconomia, um bibliotecário esperto olha também o mural dos outros cursos. Afinal, segundo o bibliotecário grego (e pensador) MODESTIKUS, “o petróleo não está na superfície, tem que cavar e lamber o sal”. Para saber onde está sua oportunidade tem que pesquisar em outros terrenos.

 

  • Feiras profissionais e de emprego – eventos de prospecção de oportunidades, estabelecimento de contato, coletar informações, observação das tendências de mercado. Servem também para mapear conhecimentos ou competências que se deve buscar pessoalmente para se instrumentalizar.

 

  • Associações, Sindicatos e Conselhos Regionais – saber fazer uso das entidades para divulgar sua disponibilidade. Normalmente as instituições mantêm bolsas de emprego tanto para divulgação do profissional, quanto para as empresas postarem suas vagas. Além deste serviço, oferecem cursos, palestras, e organizam eventos que servem para manutenção da atualização profissional, como também contribuem para a expansão de nossa rede de contatos.

 

  • As empresas – publicidade institucional, catálogos, revistas, sites são algumas fontes que permitem identificar empresas que podem ser contatadas para encaminhamento de propostas de trabalho ou oferecimentos de projetos.

 

  • Agências de emprego – fontes tradicionais de consultas que oferecem além de ofertas de emprego integral, também temporários. Tem que estar atento à idoneidade da empresa para não cair em arapuca.

 

  • Serviços públicos de empregos – o setor público (municipal, estadual ou federal) também oferece assistência para recolocação profissional. Normalmente para funções mais operacionais.

 

  • Câmara de comércio e associações empresariais – fontes para divulgar-se profissionalmente, muitas oferecem publicações aos seus associados (pessoas físicas e jurídicas) onde anúncios podem ser feitos. Além de ser uma fonte estratégica de leitura quando se busca definir focos de atuação. É, também, um canal onde escolas e entidades bibliotecárias poderiam fazer promoção da profissão para esclarecer melhor as próprias empresas sobre a profissão.

 

  • Supermercado – sabe aquele (super ou hiper) mercado onde realiza suas compras de abastecimento, mesmo o mercadinho da esquina pode ser uma excelente fonte de prospecção de emprego. Já imaginou quantas oportunidades de trabalho você literalmente joga no lixo. Naquele enlatado pode estar uma “vagatum” interessante. No pacote de sabão-em-pó pode estar o clareamento do seu caminho de dificuldades. No pote de creme uma facilidade de adentrar por novas oportunidades. As embalagens trazem informações sobre empresas, cruze com dados colhidos na Internet, e outras fontes empresariais, some com sua pró-atividade, e ofereça projetos, proposta, encaminhe seu currículo, ao menos promova sua profissão divulgando-se.

 

  • Internet – atualmente uma ferramenta fundamental para buscar emprego. Neste sentido, o profissional deve ter em suas competências saber usar este recurso, não só como recebedor de informações via listas de distribuição, e-mail ou cadastro nos portais de emprego. Mas ser pró-ativo na busca, prospecção e avaliação das ofertas disponibilizadas na Rede. Construir o seu próprio site acompanhando as tendências da área de recrutamento empresarial de busca de talentos. E neste aspecto conhecer os conceitos de redes sociais que podem ajudar ao bibliotecário que segue pelo caminho dos espaços digitais. Pode-se começar cadastrando-se no LinkedIn, um site de busca de profissionais e de trabalho em todo o mundo. Como um diretório onde se preenche um formulário detalhando o perfil pessoal com o qual o sistema cria enlaces com outros perfis semelhantes ou de interesses comuns. A funcionalidade deste sistema está focada na oferta e demanda de trabalho. O recurso permite busca de emprego, até a possibilidade de oferecer vagas mundiais de trabalho, passando pela possibilidade de obter conselho de especialistas em temas como colocação profissional. Desenvolver um blog também é um procedimento que agrega valor ao profissional, desde que evidencie suas competências e conhecimentos profissionais. Outra fonte interessante para se conhecer e explorar Graigslist.org, uma web de anúncios classificados – em sua maior parte gratuitos. Nascida no começo de 1995, nos Estados Unidos, rapidamente se expandiu pelo resto do mundo. Uma primeira visita pode nos levar a pensar que se está em uma página web antiga, porém é um dos serviços mais práticos e inovadores do ambiente digital em termos de anúncios classificados. Como a Internet não para de apresentar inovações, há o VisualCV, uma forma totalmente eletrônica para produzir-se um currículo baseado no conceito da Web 2.0. Pode-se adicionar vídeo sobre o histórico do trabalho, ou elaborar um currículo contendo fotos, áudio, gráficos, carta de recomendação, e acrescentando certificados, artigos, textos, além de outras peças de um portfólio profissional. O recurso simplifica o compartilhamento de diferentes versões do currículo com diferentes empregadores, evitando assim o chamado “peça única de desesperados por emprego”. Como todo recurso Web, tem uma finalidade comercial, mas as funções básicas (incluindo a criação e compartilhamento dos currículos) são gratuitas. Agora, se for usar cuidado com os excessos de criatividade, de resto boa sorte.

 

Um profissional com gana de conquistar sua oportunidade, não perde tempo reclamando da profissão, da economia, de empresas (que não contratariam bibliotecários), ou da vida.  Quem busca por oportunidade, e quer que a busca seja breve, faz uso de todas as possibilidades de recursos e pensa novas alternativas. Não espera que ofertas apareçam diante dos olhos, ou caia na caixa de e-mail.

 

Não há milagres sem um pouco de mobilização pessoal. Leia as revistas de sua área, e das áreas de seu interesse de trabalho. Adentre pela web (visível e profunda) e use os recursos para busca de emprego. Trabalhe a rede de contato de maneira cooperativa. Anote os passos realizados, cada contato feito, as entrevistas e provas de seleção realizadas. Elaborar uma agenda de busca de oportunidade é procedimento valioso.

 

Nunca perca a oportunidade de conhecer pessoas. Seja um profissional simpático com as pessoas que conheça ao longo de sua vida. Nunca sabemos que papel as pessoas conhecidas poderão ter em nossa vida pessoal ou profissional. Ademais, a vida é breve para se ser esnobe, uma dosagem de humildade sem servilismo, abre portas.

 

Na agenda de contato registre os amigos ou conhecidos, também os familiares e os amigos dos familiares. Lembre-se que os contatos podem trazer ou nos levar muito longe, pois de um contato se passa a outro com enorme facilidade. Todos nós estamos próximos uns dos outros, haverá sempre alguém que conhece alguém, que conhece alguém, que conhece alguém precisando de alguém com o nosso perfil.

 

O conselho é manter uma comunicação com os contatos. Pense em um jardim, que para florir tem que ser cuidado, regado, semeado. É recomendável lembrar-se de seus contatos (momentos alegres e tristes). Faça-se presente, passe um e-mail ou dê um telefonema; demonstre verdadeira emoção para com as pessoas que podem te ajudar.  Seja franco nas suas aspirações profissionais, e de demonstrações de trabalho.

 

Ao ter oportunidade de ser chamado para uma entrevista, ou apresentação profissional para execução de algum projeto, atenção ao detalhe:

 

  • Ser pontual. Afinal bibliotecário atrasado, não adianta.
  • Desligar o celular.
  • Se tiver que preencher algum formulário, o faça com uma boa letra (pratique ortografia, faça catalogação manual, pode ajudar).
  • Demonstre entusiasmo pela empresa sem servilismo (disfarce o desespero).
  • Mostre-se positivo sobre os motivos que te levam a mudar de emprego, por exemplo.
  • Seja tranqüilo e sincero nas suas respostas (como um bibliotecário de referência).
  • Tenha à mão uma cópia do currículo.
  • Não responda com sim ou não, nem fale demasiado.
  • Principalmente, não fale mal de ninguém, nem de suas instituições profissionais (ainda que o Conselho tenha lhe cobrado).

 

Comecei escrevendo sobre a falta de visibilidade do profissional aqui na Espanha, e segui pela questão da busca de emprego. Até por serem recomendações que se passam por aqui. Tudo para concluir que até em nossas ações de busca de emprego podemos colaborar ou agir para divulgação de nossa profissão. Uma profissão conhecida e bem conceituada é um patrimônio coletivo valiosíssimo. Sua construção é demorada, sua manutenção um esforço constante, sua perda a resistência de um vaso de cristal. Temos nossa parcela de responsabilidade neste esforço, ganhamos com isto, o que vai se refletir no nível de oportunidades profissionais ofertadas. O resto é um olé na crise!

 

Arriba! Venga  el toro!

 

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Nota:

Aos leitores da coluna comunico que a mesma começa a contar com a valiosa colaboração do Prof. Dr. Marcos Luiz Mucheroni (ECA/USP), até por me encontrar ausente do Brasil.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.