A MORTE DO ALCE
Umberto Eco, na introdução da sua obra “Quase a mesma coisa: experiências de tradução” tenta desvendar o que é “dizer a mesma coisa”, e põe em dúvida “até mesmo o que quer dizer dizer”. Sirvo-me de tão intricada introdução para refletir sobre aquilo que ainda não entendi: o que quis dizer o Oscar 2008? Ao assistir a alguns filmes indicados e a alguns vencedores do prêmio, tive a sensação de que o cinema nada tinha a dizer, ou melhor, o resultado da premiação não quis dizer nada, embora dissesse algo, mas o que o resultado quis dizer?
O filme vencedor, “Onde os fracos não têm vez” (EUA, 2007) de Joel e Ethan Coen, é um misto de Oeste selvagem, sem os índios, então já dizimados, e a modernidade das gangues mafiosas chafurdando em uma valise cheia de dólares resultante do narcotráfico. O que quis dizer o filme com o título esboçado acima? Quem eram os fracos: todos aqueles barbaramente assassinados? Então só tivemos um forte: o personagem andróide travestido de louco a destilar sua verve assassina; um psicótico aclamado como a melhor coisa do filme. E a despeito do prêmio de melhor ator coadjuvante, neste caso deste filme, pergunto: quem foi o ator principal, senão o personagem de Javier Bardem? E Bardem foi coadjuvante de quem?
Vencedor de quatro estatuetas (filme, diretor, ator coadjuvante e roteiro adaptado) e indicado para mais quatro categorias (fotografia, edição, som e edição de som) não representa, em minha opinião, o melhor filme do ano.
E quanto aos outros filmes indicados? Se a questão foi o sangue jorrado, e o assassino psicótico, melhor então teria sido dar o prêmio ao “Sweeney Todd: o barbeiro demoníaco da Rua Fleet” (EUA, Inglaterra, 2007), dirigido por Tim Burton, um musical, também com um assassino psicótico, mas com motivação para tal: a vingança. Com Johnny Depp em mais uma interpretação convincente, como ator principal, e o sempre competente Alan Rickman como coadjuvante. A demonstração explícita de uma relação convencional ator principal e ator coadjuvante.
E o que dizer de “Sangue negro” (EUA, 2007), ao relatar a aventura do descobrimento do lençol petrolífero americano? Merecia melhor sorte. Ambientado no final do século XIX e início do século XX mostra o jogo de interesses entre o capital e a Igreja protestante ao deparar-se com a possibilidade de riqueza e poder em uma pequena cidade no oeste americano rica
Outro filme a ser revisto nesta edição de premiação não convincente é “Senhores do crime” (EUA, Canadá, Inglaterra, 2007). Dirigido por David Cronenberg, expõe o tráfico de sexo em Londres numa ramificação da máfia russa. Violência e mistério são os ingredientes desse bom suspense que foi indicado para concorrer a apenas um Oscar: o de melhor ator com Viggo Mortensen. Como entender então a indiferença hollywoodiana a um filme que recebeu três indicações de melhor filme: no Globo de Ouro, uma prévia mundial ao festival de Hollywood, no BAFTA (conhecido como o Oscar inglês), e no César. Para ficar mais difícil ainda qualquer entendimento do que quer dizer premiação, “Senhores do Crime” levou o Prêmio do Público, no Festival de Toronto.
Outro injustiçado foi “Na natureza selvagem” (EUA, 2007), dirigido por Sean Penn. Recebeu duas indicações ao Oscar: melhor ator coadjuvante (Hal Holbrook) e melhor edição. Relata um drama real vivido por uma família norte-americana no início dos anos 1990, quando um jovem recém-formado decide abandonar a vida de luxo que tem, doar suas economias, e partir em busca de liberdade. Na verdade, a busca de tal liberdade, é revelada, no transcurso do drama, como a depuração pessoal de conflitos familiares. Dois anos depois de começada a aventura o final não é o esperado, nem pelo protagonista da história, nem pelo público.
Um filme que, contrariamente a todo o sangue jorrado resultado de tantas mortes em seus concorrentes, toca pela sensibilidade do contato com a natureza selvagem, e a única morte registrada é a de um alce para servir como alimento. Um crime (a morte do alce) que leva a comiseração do seu autor, o jovem andarilho. “Na natureza selvagem” ganhou o prêmio do público de melhor filme estrangeiro, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
É bem verdade que no entorno desses filmes indicados ao Oscar outros circulavam livremente, nos horários comerciais e em salas ao lado. Não me reporto à sala de filmes de artes, falo simplesmente de filmes tão comerciais quanto os oscarianos, e que por motivos variados não foram indicados. Uma boa questão a ser discutida: como são indicados tão filmes? Quais os fatores motivadores?
O que quer dizer, então ser vencedor de um Oscar, o prêmio cinematográfico mais cobiçado internacionalmente? Na verdade, a pergunta é: o que quer dizer votar em tal filme para vencedor do prêmio máximo da categoria cinematográfica? O que quer dizer do ponto de vista de quem faz a análise para depositar o voto e determinar o vencedor? Então, o processo não passa de uma eleição, em que o que tiver mais cédulas na urna leva o título. Embora nem sempre venha a ser o melhor filme, tal qual na política, quando nem sempre o eleito é o melhor (muito embora, com a ascensão da outrora esquerda ao poder, já não existem parâmetros para análise do que é melhor). E é isto que procuro entender: o que quer dizer ser o melhor filme do mundo do ano. Então, o que quer dizer esperar anualmente pela premiação do Oscar, pensando em assistir aos melhores filmes? Melhor será se debruçar sobre a lista dos vencedores e indicados dos festivais paralelos, alguns famosos outros nem tanto.