ENTRE A VENDA DE ILUSÕES E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA BARBÁRIE
Retorno às atividades nesta coluna com um atraso de um mês, pois que deveria já ter escrito no início do mês de março. Afastei-me em setembro, por questões acadêmicas, após comunicar ao mantenedor da página, com o compromisso de retornar
Nesse período, recebi algumas mensagens falando sobre alguns filmes analisados. Outras mensagens contiveram sugestões para filmes a serem analisados. Esse feedback é algo que permite ao colunista uma auto-avaliação. Três contatos feitos diretamente pela página merecem destaque. Resguardando a identidade dos remetentes como é norma na questão da Internet, revelo aqui três mensagens recebidas, justamente pelos fatos que passo a narrar:
- o primeiro, em algum lugar do Brasil, sem biblioteca pública, sem acesso público a rede mundial de computadores, um leitor valeu-se de um computador pessoal para dizer-me das suas dificuldades de encontrar algo sobre um filme que precisava para fazer um trabalho para a escola. Tratava-se de Diário das motocicletas (O show de Thurman e a moribunda la poderosa, maio/2004) e apresentou uma série de questões do seu interesse para resolução. Identificou-se como um estudante;
- o segundo, desancou para cima do articulista, achando-o preconceituoso e de ser, provavelmente, um carioca, ou um alemão. Não gostou da minha análise de Cinema, aspirinas e urubus (No meio do nada, agosto/2006). Como não se identificou profissionalmente, pode ser que se trate, no terreno das hipóteses, de um intelectual de esquerda, ainda considerando a existência do Muro de Berlim;
- o terceiro, a partir da leitura sobre o filme Hotel Ruanda, dividiu com o articulista suas preocupações com a insustentável indiferença de algumas pessoas com a barbárie institucionalizada no mundo, e das quais não se pode esperar muito (Hóspedes da despedida, outubro/2005). Reclama de colegas de profissão. Uma profissão que tem no mérito da sua existência a discussão de valores da cidadania. Identificou-se como professora.
Nesse sentido, talvez o segundo leitor, ao não aceitar a análise do filme e deixar implícito a sua negação ao filme, queira que o cinema tenha um discurso que ao invés de mostrar a realidade, venda ilusões e facilidades, pura diversão. Talvez o meu interlocutor, que na verdade foi agressivo e deselegante, prefira um discurso que venda ilusões e, por conseguinte, esconda os urubus que planam sobre o nordeste, ou os facões besuntados de sangue que cortam o ar
No caso da professora resta o seu pedido de socorro por não mais enxergar uma saída. Tem consciência, segundo o seu texto, de que faz o possível trabalhando o conceito de ética junto aos seus alunos. Mas convive com pessoas que não assumem a mesma postura, pois estão além da compreensão de que muito do que é vinculado no cinema é parte de uma realidade absoluta, embora absurda. Não creditam ao meio cinematográfico a possibilidade do processo de comunicação da informação de fatos verídicos. Entendem, ou preferem entender que o cinema é puro entretenimento, um vendedor de ilusões.
E é a palavra ética que pode represar o caos social. Quem vende facilidades, faz marketing de oportunidades concretizadas. Em alguns casos, os fins justificam os meios, e celebra-se acordo com Deus comemorando-se com o diabo. Só a memória, seja ela preservada na escrita ou na imagem, tem a dimensão exata da compreensão histórica. E, assim, o cinema assume um lugar de destaque, quando possível de ser visto, propondo aos interessados, o entendimento e a continuidade do conhecimento acessando outros suportes possíveis.
Quanto ao colunista apresenta uma visão pessoal, um recorte social de um dado momento histórico, é a sua interpretação para os fatos narrados no filme analisado. Ele transforma dados em informação, deixando ao leitor a perspectiva de completar o processo do conhecimento com a busca de mais informações. Além disso, a interpretação, independente de quem a faça, é subjetiva. Registra-se tanto a verdade da mensagem tornada pública, quanto o fato de que uma vez publicada a mensagem, o autor de forma democrática expôs o seu pensamento e, portanto, expõe-se para contestações.
E nesse clima da venda de ilusões ou da institucionalização da barbárie, no meio de tantos filmes em cartaz, resultado da safra oscariana, a Coluna recomenda assistir ao O último rei da Escócia. Com exibição de cenas fortes que Cinema, aspirinas e urubus e Hotel Ruanda não mostraram. No Nordeste, da década de 1940, o diretor
O último rei da Escócia foi injustiçado ao não ser indicado para a categoria de melhor filme. Prêmio que ganhou na Inglaterra, além de roteiro. Já a magistral atuação de Forest Whitaker, como o ditador ugandense Idi Amin, ganhou os prêmios como melhor ator no Oscar, Globo de Ouro e o BAFTA (Inglaterra).
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