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DE VOLTA À BIBLIOTECONOMIA

Muito se fala sobre a Biblioteconomia - eu inclusive, reconheço – porém, poucos estudos se mostram  sérios e oriundos de pesquisa, como por exemplo (a lista não se apresenta completa e posso cometer injustiças, pelas quais me desculpo antecipadamente): os estudos do grupo de Santa Catarina, os estudos e teses realizados na UnB e os da ABECIN de alguns anos atrás, ainda válidos, assim como coletâneas organizadas por docentes da UNESP/Marília.

 

Até hoje profundamente mergulhados no complexo de vira-lata, em dependência cultural modelada nos Estados Unidos da América do Norte, vemo-nos debatendo questões, hoje lá presentes, sobre o fechamento de bibliotecas, o fechamento de cursos de Biblioteconomia, a redução de verbas para bibliotecas e para pesquisas.

 

Lembro-me de um professor da UnB, Valnir Chagas, que acompanhou a educação brasileira dos anos 1930 em diante, a dizer em aula que, enquanto os universitários combatiam o Acordo MEC-USAID na porta da frente, este entrava pela porta dos fundos, ao levar incontáveis jovens para estudos nos Estados Unidos e, acrescento, conseqüente deslumbramento e formação de valores. Os economistas brasileiros formaram-se todos nas Escolas americanas, durante uma geração inteira, o que acarretou a praga da Economia brasileira, até o rompimento com tais escolas.

 

O mesmo se vê na Biblioteconomia e na Educação de modo geral. Durante décadas, a Biblioteconomia e os sistemas educacionais americanos nos serviram de paradigma e nos forneceram instrumentos e metodologias de trabalho.

 

Hoje, no entanto, com a desmitificação do mercado e da economia capitalista selvagem (assim como da economia soviética), há outros caminhos para avaliar a educação e o papel da Biblioteconomia. Rápidas considerações neste texto encaminham uma proposta ao final.

 

A partir de 2000, os países da OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento) realizaram a primeira avaliação do PISA, ou seja, Programme for International Student Assessment, [Programa de Avaliação Internacional do Estudante], do qual o Brasil tem participado, sem medo de descobrir suas falhas educacionais. O Programa reflete seriedade de propósitos, honestidade e eqüidade na formulação de questões; 57 países, dentre aqueles da própria OCDE e outros voluntários, participam do estudo. Maiores informações e relatório resumido de 2006 (1) encontram-se no endereço: <http://www.pisa.oecd.org>. Paralelamente, a Comunidade Européia elaborou a Declaração de Bolonha (1999)  (2), que busca um certo grau de qualidade e padrões na formação universitária européia.

 

Ora, o que se mostra deveras interessante, nesta altura, reside no fato de que os europeus buscam melhorar sua educação. Enquanto isso, o PISA comprova dados muito instigantes sobre a capacidade dos alunos, em diferentes países e continentes, quanto a: Ciências, Leitura (leitura e compreensão) e Matemática.

 

Exibem-se alguns resultados, nesta tabela bastante simplificada, na qual incluiu-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para uma visualização entre resultados educacionais e esse índice das Nações Unidas:

 

 

 

 

1

 

2

3

4

5

6

 

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

 

17

18

19

20

21

22

23

24

25

CIÊNCIAS *

 

Finlândia

 

Canadá

Japão

Nova Zelândia

Hong-Kong

Taipei (Taiwan/Formosa)

Estônia

Austrália

Holanda

Coréia

Alemanha

Reino Unido

República Tcheca

Suíça

Áustria

Bélgica

 

Irlanda

Liechtenstein

Eslovênia

Macau (China)

LEITURA **

 

Coréia

 

Finlândia

Hong-Kong

Canadá

Nova Zelândia

Irlanda

 

Austrália

Liechtenstein

Polônia

Suécia

Holanda

Bélgica

Estônia

Suíça

Japão

Taipei (Taiwan/Formosa)

Reino Unido

Alemanha

Dinamarca

Eslovênia

Macau (China)

Áustria

França

MATEMÁTICA ***

 Taipei (Taiwan/Formosa)

Finlândia

Hong-Kong

Coréia

Holanda

Suíça

 

Canadá

Macau (China)

Liechtenstein

Japão

Nova Zelândia

Bélgica

Austrália

Estônia

Dinamarca

República Tcheca

 

Islândia

Áustria

Eslovênia

Alemanha

Suécia

Irlanda

França

Reino Unido

Polônia

IDH

 

-----

 

0,952

0,937

0,921

0,953

0,955

 

0,962

-----

0,946

0,953

0,943

0,946

0,962

0,860

0,949

0,891

 

0,968

0,948

0,917

0,935

0,956

0,959

0,952

0,946

0,870

 

* Média aceitável: acima de 500 pontos

** Média aceitável: acima de 488 pontos

*** Média aceitável: acima de 495 pontos

Obs: Países não reconhecidos pelas Nações Unidas não possuem IDH.

 

Interessante reparar que os países da esfera de influência da ex-União Soviética, embora não alcancem IDH tão elevado como os países ocidentais, ainda preservam bases educacionais sólidas. Em termos simples: educação não é apenas uma questão de dinheiro, mas de mentalidade, de perspectiva.

 

E onde foram parar os Estados Unidos? Elementar: como um todo, não alcançaram a média mínima aceitável pelo PISA, embora haja destaque em certos alunos, de certas escolas, que atingiram o nível maior. Para os que gostam de dados exatos: em Matemática, obtiveram 474 pontos, estando entre o 32º e o 36º lugares no período de 2000 a 2006. Em Ciências, obtiveram 489 pontos, entre as colocações 24º e 35º no mesmo período. O país não consta da tabela relativa a Leitura; seu IDH é 0,951.

 

Nas últimas décadas, os investimentos governamentais norte-americanos deslocaram-se, do ensino e das políticas sociais, para a guerra. Bibliotecas e escolas de Biblioteconomia foram fechadas, suspenderam-se assinaturas de periódicos e cortaram-se gastos com pessoal e acervos. Como os resultados das ações educacionais medem-se a médio e longo prazos, constata-se que a cultura da guerra levou a um decréscimo no ensino norte-americano, refletido nas diversas etapas do PISA (2000, 2003, 2006, porque ainda não há resultados para o exame de 2009). A cultura da guerra também obriga a uma alienação da sociedade como um todo, que se faz especialmente por meio dos filmes, vídeos, imagens e da filtragem de notícias e, mesmo, do patrulhamento e da censura das eras Bush (pai e filho). Se não há anestesia mental, ninguém em sã consciência irá a uma guerra em um país estranho, de idioma e hábitos desconhecidos, com desculpas esfarrapadas e para lutar por empresas petrolíferas. Precisamos lembrar que as bibliotecas são instituições libertárias e libertadoras, desalienantes, quando funcionam adequadamente. (Não foi à toa que a era Bush-filho implantou esquemas de vigilância de assuntos buscados nas bibliotecas norte-americanas.)

 

O Google é o exemplo perfeito e acabado da limitação intelectual. Não que se mostre inútil, muito pelo contrário. Quando bem empregado, auxilia nas pesquisas e nas informações rápidas. Porém, isto não significa que deva ser a única fonte de referência, ou de difusão do conhecimento, mesmo porque já se inicia com o viés de uma cultura determinada, de uma única visão de mundo. E esta visão de mundo comprova-se quotidianamente como, no mínimo, falha, para não dizer duvidosa e falaciosa.

 

A rede mundial e as novas tecnologias de comunicação e informação mudaram o mundo da Biblioteconomia, não para acabar com ela, mas para aperfeiçoá-la. A leitura (não obrigatoriamente o livro) continua a ser o meio por excelência de reflexão e capacidade crítica, de pensamento autônomo. A Finlândia, sempre entre os dois primeiros lugares no PISA, tem o maior índice europeu de leitura e uso de bibliotecas. Cada um de seus habitantes freqüenta bibliotecas, em média, 11 (onze) vezes ao ano; 80% da população lêem (3).

 

Se, no entanto, habitantes de outras nações preferem ver vídeos no “youtube” e declarar inúteis as bibliotecas, lógico que os resultados no PISA lhes serão correspondentes (e nem por isso o cinema como arte morrerá).

 

Ah, sim, aqui vão os resultados do Brasil: o IDH brasileiro chegou a 0,800 (Ufa! Logo depois da Albânia e da Macedônia! Mas melhoramos nos anos 2000, em relação ao período anterior...). Situamo-nos depois do 50o lugar no PISA (e não esqueçamos que são 57 os países participantes).

 

O conjunto dessas breves reflexões leva o convite a interessados em responder à seguinte questão de pesquisa: Os altos níveis de IDH e graus elevados no PISA correspondem a uma política forte de bibliotecas, valorização da Biblioteconomia e dos bibliotecários? Um diagnóstico da Biblioteconomia e da profissão de bibliotecário em países mais destacados no PISA ofereceria dados compatíveis com os resultados obtidos no Programa?

 

Convém ler, inicialmente, o documento Euroguide LIS (4), do European Council of Information Associations (ECIA), que apresenta a classificação das profissões da Informação, aqui evidentemente incluídas a Biblioteconomia, a Arquivologia e a Documentação, assim como diretrizes para seu ensino e empregabilidade, entre outros aspectos.

 

Antes de embalsamarmos, mumificarmos e enterrarmos a Biblioteconomia em tumba real (ou mesmo cremá-la), como lembrança de sua grandeza passada, convém estudar melhor para que lado devemos volver nossos olhares: para o sempre poderoso Norte e sua cultura de guerra, ou para outros pontos cardeais e outros ângulos, onde despontam novas perspectivas?

 

NOTAS

1 - The Programme 
for International Student Assessment (PISA): [executive summary]. [Paris]: OECD, 2006. Disponível  em: <http://www.pisa.oecd.org/dataoecd/15/13/39725224.pdf>. Último acesso em: nov. 2009.

2 - Declaração de Bolonha. [S.l: s. ed., 1999?]. Disponível em: <http://www.ispa.pt/NR/rdonlyres/7AECBFAD -6B1A-4153-B61E-5BA122E02D42/0/DeclaracãodeBolonha1.pdf >. Último acesso em: nov. 2009.

3 - Finlândia. Ministry of Education. Libraries in Finland. [2009]. Disponível em: . Acesso em: nov. 2009.

4 - European Council of Information Associations. Euroguide LIS. Paris: ADBS Éditions, 2004. 2 v. Disponíveis em: <http://www.certidoc.net/en/euref1-english.pdf > e <http://www.certidoc.net/en/euref2-english.pdf>. Acesso em: nov. 2009.

Obs: encontrei todas as publicações acima no Google, a partir de referências pertinentes a sítios nacionais e internacionais sobre Biblioteconomia, oriundas de artigos publicados em periódicos e trabalhos apresentados em congressos. O Google sempre tem sua utilidade!

 

 

Revisão: Marília Motta Ludgero da Silva

Autor: Eliane Serrão Alves Mey

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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.