INFORMAÇÃO E SAÚDE


MULTIMORBIDADE E DEMANDAS INFORMACIONAIS COMPLEXAS

Entendendo o conceito

 

As demandas informacionais no contexto da saúde podem ser complexas. Situação que requer atenção do profissional da informação é quando, por exemplo, um mesmo paciente apresenta várias problemáticas de saúde.

 

Neste contexto, um conceito importante é o de multimorbidade, que consiste na presença de duas ou mais doenças crônicas de forma simultânea em um indivíduo. Entende-se por doença crônica aquela que persiste durante um período superior a três meses e permanece durante um longo período de vida da pessoa, tais como diabetes, hipertensão, asma, doenças respiratórias e câncer (TAYLOR et al., 2010; DIEDERICHS et al., 2011).

 

Pessoas em condição de multimorbidade tendem a passar por um maior número de hospitalizações, usam simultaneamente maior número de medicamentos, são suscetíveis a um número maior de efeitos adversos de medicamentos, usam um número maior de serviços de saúde, recebem um maior número de instruções sobre sua saúde provenientes de diferentes profissionais e tendem a enfrentar muitos conflitos sobre qual recomendação clínica seguir, já que muitas vezes cada uma de suas problemáticas de saúde é acompanhada de forma isolada (TAYLOR et al., 2010).

 

Acrescentam Diederichs et al. (2011) que há fortes evidências de que a presença de múltiplas condições crônicas em um mesmo indivíduo incrementa o risco de mortalidade, gera problemas de ordem física e mental, influencia negativamente a qualidade de vida, bem como é associada a um maior tempo de permanência em hospital, à presença de complicações pós-operatórias e a um maior uso do sistema de saúde.

 

Multimorbidade e informação para o paciente

 

A compreensão do conceito de multimorbidade é fundamental para o profissional da informação que, integrado às equipes de saúde ou não, atua junto aos pacientes, já que não cabe passar ao paciente informações sobre uma doença crônica específica sem antes conhecer as demais possíveis problemáticas de saúde que o afetam.

 

Por exemplo, uma recomendação clínica para uma doença crônica X pode ter implicações negativas para a doença crônica Y e vice-versa. Logo, as informações a serem passadas ao paciente devem ser completas, abarcando suas diferentes doenças crônicas. Em todos os casos, sem dúvida, é importante alertar o paciente de que o acesso à informação, embora o auxilie na compreensão de seu estado e o auxilie na tomada de decisão, não dispensa a consulta aos profissionais da saúde que o assistem.

 

Multimorbidade e informação para os profissionais da saúde

 

No que se refere à atuação dos profissionais da saúde, dada a complexidade da condição de multimorbidade, Taylor et al. (2010) ressaltam que a comunicação efetiva no contexto da assistência e no contexto da gestão é fundamental para bem atender o paciente, pois geralmente esta condição demanda uma revisão de diretrizes clínicas focadas em apenas uma morbidade e requer maior flexibilidade na decisão clínica.

 

De forma geral, as diretrizes clínicas são documentos sintéticos, resultantes de vários estudos científicos, que apresentam recomendações, indicações e contra-indicações, bem como benefícios esperados e riscos do uso de tecnologias em saúde (procedimentos, testes diagnósticos, medicamentos etc.) para grupos de pacientes definidos (FIELD, LOHR, 1990; PORTELA, 2004).

 

As diretrizes clínicas possuem por objetivo incrementar a qualidade da assistência dada ao paciente e promover melhores resultados da assistência; resumir os achados das pesquisas científicas e tornar as decisões clínicas mais transparentes; reduzir a variação inapropriada da assistência dada ao paciente; promover o uso eficiente de recursos; identificar lacunas de conhecimento e priorizar atividades de pesquisa para supri-las; fornecer orientações aos consumidores, informar e dar poder aos pacientes; estabelecer políticas públicas em saúde suportadas por evidências; dar suporte ao controle de qualidade, facilitando as auditorias das práticas de profissionais e instituições de saúde (DAVIS, JOANNE, PALDA, 2007).

 

Como relatam Taylor et al. (2010), as diretrizes clínicas adotadas, em uma instituição ou por um sistema de saúde, para o tratamento de uma doença crônica podem não ser adequadas para os pacientes que apresentam condição de multimorbidade. Em tal situação, o profissional da informação pode atuar na prospecção de outras ou novas diretrizes clínicas no contexto nacional e internacional, bem como na busca, seleção e avaliação de informações adicionais sobre o interrelacionamento de doenças e tecnologias em saúde fornecendo à equipe de saúde informações e evidências que possam melhor consubstanciar a decisão clínica.

 

Produzindo e gerindo informação sobre multimorbidade

 

Outra problemática informacional relacionada à assistência de pacientes em condição de multimorbidade é a necessidade de um compartilhamento de informações entre os diferentes profissionais de saúde. Tal compartilhamento não pode depender apenas da capacidade de memória e capacidade cognitiva individual (seja de profissionais, seja de pacientes), requerendo, portanto, sistemas compatíveis para o intercâmbio de dados e informações a fim de que a tomada de decisão acerca do paciente seja coordenada e integrada (BOWER et al., 2011).

 

Para solucionar esta problemática, um caminho sugerido por Fortin (2011) é se pensar no prontuário eletrônico do paciente enquanto um dos principais sistemas de informação sobre multimorbidade. Do prontuário devem derivar as informações para os profissionais da saúde prestarem a assistência, para os gestores da saúde desenvolverem políticas adequadas, e para os pesquisadores estudarem novas medidas e abordagens relacionadas à multimorbidade.

 

Cabe ressaltar que o prontuário eletrônico do paciente, embora com funções semelhantes ao prontuário do paciente em suporte papel, pode agregar muitas funcionalidades de conexão entre dados e informações que dificilmente seriam concretizadas em suporte papel (GALVAO, RICARTE, 2011).

 

Dada a linearidade da informação no prontuário do paciente em suporte papel, um profissional da saúde precisa folhear e ler o prontuário para ter acesso aos registros sobre o paciente realizados por outros profissionais. Isto pode demandar enorme tempo de leitura quando o paciente possui múltiplas doenças crônicas e o prontuário é formado por vários extensos e pesados volumes.

 

É fato que há prontuários do paciente em suporte papel de diferentes instituições que apresentam uma “lista de problemas”, ou seja, uma lista com os principais problemas de saúde do paciente. Todavia, tais listas são apenas enumerativas e não esclarecem necessariamente a presença de multimorbidade, nem tampouco relaciona as tecnologias envolvidas na assistência ao paciente a uma ou várias doenças crônicas.

 

No caso de um prontuário eletrônico do paciente que explore as facilidades do hipertexto, interfaces e redes semânticas podem ser estabelecidas para apresentar de forma sintética ao profissional da saúde a condição de multimorbidade e as principais tecnologias que foram e estão sendo empregadas na assistência do paciente. Redes semânticas adicionais agregadas ao prontuário eletrônico do paciente podem indicar, por exemplo, potencial conflito entre diretrizes clínicas associadas a um paciente, redundância de procedimentos e assim por diante.

 

A adequação do prontuário eletrônico do paciente à captura de dados e informações sobre morbidade demanda a aplicação de princípios de organização da informação, como o estabelecimento de conexões (relações semânticas) entre dados e informações bem como criação e a apresentação formal de redes semânticas compreensíveis para os usuários do prontuário do paciente - neste caso, pacientes, profissionais, gestores e pesquisadores da saúde legalmente habilitados.

 

Assim, considere que um paciente possui as doenças crônicas X, Y e Z, utiliza os medicamentos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 e foi submetido aos procedimentos α e β. Em seu prontuário eletrônico pode estar presente uma rede de relações entre tais conceitos de forma a sintetizar e apresentar rapidamente ao profissional da saúde a condição de multimorbidade do paciente.

 

O prontuário eletrônico do paciente melhor estruturado para considerar a condição de multimorbidade, certamente, também contribuirá para o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre este fenômeno, para o estabelecimento de políticas públicas mais condizentes com o paciente real e para o estabelecimento de diretrizes clínicas apropriadas ao perfil da população. Tal estruturação está plenamente associada às competências do profissional da informação.

 

Diederichs et al. (2011) ressaltam que, embora a multimorbidade venha crescendo, os diversos instrumentos e índices de multimorbidade consideram diferentes e heterogêneos parâmetros para sua mensuração o que acarreta em dados não passíveis de comparabilidade nos diversos países. Esclarecem que há índices de multimorbidade que consideram apenas quatro doenças enquanto há índices que consideram 102 diferentes tipos de doenças como parâmetro de mensuração de multimorbidade.

 

Outro aspecto relevante é que muitas vezes a condição de multimorbidade é associada à população mais idosa. No entanto, estudos recentes indicam que a multimorbidade perpassa todas as faixas etárias (TAYLOR et al., 2010).

 

Como sugerido por Fortin (2011), a chave para melhor compreensão da multimorbidade está no prontuário eletrônico do paciente. Nós acrescentamos que esta chave pode ser operacionalizada por equipes interdisciplinares formadas por profissionais da saúde, profissionais da informática e profissionais da informação. Para tanto o profissional da informação deve conhecer profundamente os processos de organização da informação, o estabelecimento de redes semânticas, metodologias para o desenvolvimento de produtos informacionais e conceitos da saúde, como o de multimorbidade.

 

Concluindo: multimorbidade e o profissional da informação

 

Informações relacionadas à multimorbidade são de grande importância para o contexto da saúde. No que se refere a esta temática, o profissional da informação que atua junto ao paciente deve realizar uma entrevista de referência para verificar se o paciente possui condição de multimorbidade e em havendo tal condição passar ao paciente informações completas acerca das doenças que o afetam. Trabalhando junto aos profissionais da saúde, o profissional da informação pode ser um aliado na prospecção de diretrizes clínicas e de evidências que apoiem as decisões clínicas em situações de multimorbidade. Na produção e gestão de informações, o profissional da informação, munido de referenciais teóricos sobre multimorbidade e sobre organização e representação da informação, pode aplicar seus conhecimentos para estabelecer conexões sobre dados e informações contidos no prontuário eletrônico do paciente gerando e apresentando representações sintéticas e compreensíveis sobre multimorbidade para os profissionais, gestores e pesquisadores da saúde.

 

Referências

 

Bower, P., et al. Multimorbidity, service organization and clinical decision making in primary care: a qualitative study. Family Practice, v.28, n.5, p.579-587, 2011.

 

Davis D.; Joanne, G.; Palda, V.A. Handbook on clinical practice guidelines. Ottawa : Canadian Medical Association, 2007.

 

Diederichs, C. et al. The measurement of multiple chronic diseases: a systematic review on existing multimorbidity indices. The Journals of Gerontology A Biological Sciences and Medical Sciences, v.66, n.3, p.301-311, 2011.

 

Field, M.J.; Lohr, K.N., ed. Clinical practice guidelines: directions for a new program. Washington: National Academy Press; 1990.

 

Fortin, M. Multimorbidity in primary care: let's recognize and deal with the elephant in the room! In: NORTH AMERICAN PRIMARY CARE RESEARCH GROUP ANNUAL MEETING, 2011, Banff. Proceedings. Banff : NAPCRG, 2011.

 

Galvao, M.C.B., Ricarte, I.L.M. O prontuário eletrônico do paciente no século XXI: contribuições necessárias da ciência da informação. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, v. 2, n. 2, p. 77-100, 2011. Disponível em: http://revistas.ffclrp.usp.br/incid/article/view/80.

 

Portela, M.C. Diretrizes clínicas como instrumento de melhoria da qualidade da assistência suplementar: o papel da Agência Nacional de Saúde Suplementar. In: ANS. Brasil. Ministério da Saúde, organização. Regulação & saúde: documentos técnicos de apoio ao Fórum de Saúde Suplementar de 2003. Rio de Janeiro: 2004. v.3, p.177-210.

 

Taylor, A. et al. Multimorbidity: not just an older person’s issue; results from an Australian biomedical study. BMC Public Health, v.10, n.1, p.718-728, 2010.

 

Como citar este texto

Galvao, M.C.B. Multimorbidade e demandas informacionais complexas. 12 de janeiro de 2012. In: Almeida Junior, O.F.  Infohome [Internet]. Londrina: OFAJ, 2012. Disponível em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=651


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MARIA CRISTIANE BARBOSA GALVÃO

Professora na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Sua experiência inclui estudos na Université de Montréal (Canadá), atuação na Universidad de Malaga (Espanha) e McGill University (Canadá). Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, mestre em Ciência da Comunicação e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade de São Paulo.