INFORMAÇÃO E SAÚDE


O PROFISSIONAL DA INFORMAÇÃO E O PACIENTE: A EXPERIÊNCIA DE FRANCESCA FRATI

Em 28 de outubro de 2011, entrevistei a profissional da informação Francesca Frati que participou da idealização do projeto piloto do Serviço de Informação em Saúde para o Paciente (SISP), desenvolvido durante o período de 2007 a 2010, no Hospital Geral Judaico, da Universidade McGill, em Montréal no Canadá. A entrevista ocorreu no próprio Hospital.

 

Cristiane: Francesca, o seu texto [(Frati, 2011)] referente à experiência do SISP é muito interessante. Quantas pessoas participaram do projeto piloto do SISP?

 

Francesca: Todos os profissionais de saúde da clínica de atenção primária e saúde da família estiveram envolvidos no projeto, mas participaram da idealização e da elaboração do projeto três pessoas: dois médicos de família e eu.

 

Cristiane: Quanto custou o desenvolvimento do projeto do SISP?

 

Francesca: Não foi gasto muito dinheiro diretamente. Não houve uma quantidade de recursos diretamente ligada ao projeto. O único gasto direto relacionado ao projeto foi meu salário. Foi necessário a disponibilidade de um computador com acesso à internet para que eu fizesse as buscas por informação ou, em alguns casos, mostrasse aos pacientes como fazê-las. Algumas impressoras foram compradas para imprimir textos, nos casos nos quais os pacientes não tinham acesso ao computador em suas casas. Além disso, precisamos de alguns móveis, como cadeiras, pois, muitas vezes, os pacientes vêm acompanhados de suas famílias. Há situações também nas quais atendemos somente a família do paciente, já que nem sempre o paciente está presente. Então, ter um espaço para receber e acolher as pessoas é importante. Em alguns momentos, utilizamos também a sala de treinamento dos médicos residentes para algumas atividades de treinamento da equipe de saúde. Mas esta sala teria que existir de qualquer jeito. Alguns pequenos recursos foram utilizados para a impressão de folhetos para divulgação do SISP e alguns materiais de escritório foram adquiridos para uso cotidiano.

 

Cristiane: Em sua opinião, quanto custaria um projeto semelhante a este em outro contexto?

 

Francesca: Depende muito dos recursos que já estejam disponíveis, mas basicamente, os recursos envolvem o salário do profissional da informação, um espaço privado para atender o paciente ou a família do paciente, um computador com acesso à internet e a disponibilidade de impressoras. Se todos estes recursos já existem, basicamente o custo é o salário do profissional de informação. Em relação ao espaço, pode-se reutilizar espaços já existentes para treinamentos dos médicos-residentes, por exemplo. Inclusive é interessante que o profissional da informação tenha livre trânsito nos múltiplos espaços de treinamento da equipe de saúde a fim de que haja uma melhor integração entre todos e para que o trabalho do profissional da informação esteja bem integrado ao trabalho clínico. Eu não recomendo que o bibliotecário trabalhe de forma isolada, pois ele pode ser simplesmente esquecido por todos.

 

Cristiane: No caso do SISP, quais recursos informacionais foram utilizados? Vocês compraram fontes de informação?

 

Francesca: Não houve compra de recursos informacionais. Todos os recursos informacionais que foram utilizados no projeto estavam livremente disponíveis na Internet. Além disso, utilizamos materiais que já haviam sido elaborados pelo próprio Hospital e pelos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros). Mas a maioria dos recursos tinham acesso livre desenvolvidos por várias organizações governamentais, por exemplo. Assim, não houve custos envolvidos na compra de recursos informacionais.

 

Cristiane: Qual o perfil social, educacional e econômico dos pacientes atendidos pelo SISP?

 

Francesca: Não houve um típico paciente atendido no projeto piloto do SISP. Os perfis foram os mais variados. Alguns, por exemplo, não falavam inglês ou francês muito bem, e, então eu os ajudava a encontrar informação em outras línguas. Muitos tinham um nível educacional muito elevado, muito conhecimento e queriam informação muito sofisticada. Assim, o perfil dos pacientes é um perfil multicultural, incluindo adolescentes, jovens, idosos, pobres, ricos, com pouco nível educacional, com alto nível educacional, muitos sem conhecimento no uso do computador, outros com grande conhecimento no uso do computador, para muitos eu tinha que imprimir material, mas com outros eu trabalhava apenas mostrando como realizar uma boa busca por informação, muitos eu nunca vi ou conheci, pois atendi unicamente pelo computador, muitos eram mães com pequenos bebês com dúvidas sobre vacinas, e muitas famílias de pacientes. Muitos precisavam apenas de uma pequena ajuda ou algum direcionamento sobre onde encontrar a boa informação. A única diferença entre os pacientes era qual tipo de informação e quanta informação precisavam. Antes de cada atendimento prestado, eu realizava uma entrevista de referência para descobrir: Quem é esta pessoa? Por que ela procura informação? Como ela vive? Qual e quanta informação é necessária para o caso? Qual a preferência de leitura desta pessoa? A partir da entrevista de referência, eu delineava a melhor abordagem.

 

Cristiane: Como você sabe na literatura encontramos os termos informacionista, bibliotecário médico, bibliotecário clínico. Neste caso, um termo possível para representar as atividades desenvolvidas no SISP seria um novo termo: bibliotecário do paciente? O que você acha?

 

Francesca: Bem, eu não estou certa de que seja um bom termo porque o bibliotecário não pode trabalhar só com o paciente. Para ser mais efetivo, o bibliotecário precisa trabalhar com os médicos, com os clínicos. O bibliotecário precisa entender como os médicos trabalham, qual informação é necessária. Então, o melhor modelo para melhor atender aos pacientes é ter o bibliotecário trabalhando junto à equipe de saúde. Se o bibliotecário trabalha separado, longe da equipe de saúde, fica muito dificil para ele dimensionar qual é a informação necessária. Eu já trabalhei longe da equipe de saúde, atendendo pacientes. E acho que este modelo não é bom porque eu não tinha muita compreensão sobre qual era a informação necessária.

 

Cristiane: No caso do Brasil, temos uma população muito grande, constituída por muitos milhões de pessoas. Além disso, a maioria dos bibliotecários brasileiros possuem uma formação genérica. Neste contexto de grandes proporções, grande população, você acredita que as bibliotecas públicas e os bibliotecários destas bibliotecas poderiam oferecer algum tipo de suporte aos pacientes?

 

Francesca: Eu não vejo nenhuma razão para que as bibliotecas públicas e os bibliotecários não ofereçam este tipo de auxílio. Recentemente, eu fiz uma apresentação em uma biblioteca pública em Montréal voltada aos bibliotecários para que conhecessem os recursos informacionais em saúde. Este treinamento também foi oferecido para o público. Esta biblioteca tem uma pequena coleção de livros em saúde com foco para o público leigo, mas pode usar muitos recursos on-line. O bibliotecário precisa de alguns conhecimentos, mas lendo sobre o assunto, é possível adquirir conhecimento necessário. Especialmente, na língua inglesa, um dos principais recursos de informação para o paciente é o MedlinePlus, que também oferece informações em espanhol. Acho que este é um ponto importante, já que o idioma pode ser uma limitação. É necessário ter acesso aos recursos informacionais, ter acesso a livros para leigos. Em inglês, temos muita coisa. Mas o mais importante de tudo é encorajar as pessoas para usar informação. Os pacientes precisam querer informação em saúde. É muito fundamental que todos reconheçam que os pacientes precisam estar informados. Se você não tem esta cultura informacional, é difícil para que haja uma integração entre os profissionais da informação e os profissionais da saúde. No caso de pacientes com câncer, por exemplo, todos reconhecem que se o paciente estiver bem informado, os resultados serão melhores. Então, faz parte da cultura do tratamento do câncer, informar o paciente. O melhor caminho é começar pela criação da cultura informacional voltada para o paciente.

 

Cristiane: Hoje, temos o Youtube com muitas informações em saúde, muitos vídeos com relatos de pacientes. Você já usou o Youtube como fonte de informação para pacientes?

 

Francesca: Ainda não. Recentemente, participei de uma discussão sobre o assunto e acho que esta é uma tendência possível. É lógico que nem tudo que está no Youtube serve, mas o bibliotecário pode fazer uma triagem e criar uma coleção específica com informação confiável para o paciente. Esta triagem é necessária, mas isto demanda muito tempo porque o vídeo precisa ser visto e analisado do começo ao fim.

 

Cristiane: Quais competências o bibliotecário necessita para trabalhar junto aos pacientes?

 

Francesca: De forma geral, como sempre, o profissional da informação precisa saber realizar uma boa entrevista de referência. Precisa conhecer questões culturais que estão envolvidas no acesso à informação. Em relação aos pacientes, adicionalmente, você precisa ter compaixão, precisa, ao mesmo tempo, saber estabelecer algum distanciamento, pois em algumas situações o paciente está muito frágil e com doenças muito complexas. Muitas vezes, o paciente está chorando ou desesperado. Assim, você não pode passar a informação de forma imediata. Você precisa esperar que o paciente se acalme, que se sinta um pouco melhor. É preciso ter paciência. Muitas vezes, o paciente possui problemas muito privados. Então, você precisa ter um lugar para atendê-lo a fim de não o colocar em situação de constrangimento. É importante que o paciente saiba que você é um profissional da informação e isto precisa estar claro para ele, pois ele pode confundir os papéis do profissional da saúde com os papéis do profissional da informação. As diferenças precisam estar claras.

 

Cristiane: O bibliotecário necessita de um treinamento para estas atividades?

 

Francesca: O bibliotecário precisa ler muito sobre o assunto. Precisa de conhecimentos adicionais além daqueles obtidos na graduação. Precisa emergir no contexto da saúde para entender o paciente. Mas, sim, um treinamento seria muito bom.

 

Cristiane: Estágios durante e após a graduação no contexto da saúde resolveriam este ponto?

 

Francesca: Sim, o bibliotecário precisa conhecer o contexto da saúde. Precisa ter contato com pacientes. Estágios no contexto da saúde poderiam ser úteis. Este contato direto com pacientes é necessário.

 

Cristiane: Francesca, muito obrigada pela entrevista.

 


 

Referências

Frati, Francesca. The Herzl Patient Health Information Service: an innovative solution to the problem of informing patients in primary care. Journal of the Canadian Health Libraries Association, v.32, p.115-121, 2011. Disponível em: http://pubs.chla-absc.ca/doi/abs/10.5596/c11-034 Acesso em: 18 de outubro de 2011.

 

Como citar este texto

Galvao, M.C.B. O profissional da informação e o paciente: a experiência de Francesca Frati. 8 de dezembro de 2011. In: Almeida Junior, O.F. Infohome [Internet]. Londrina: OFAJ, 2011. Disponível em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=647


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MARIA CRISTIANE BARBOSA GALVÃO

Professora na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Sua experiência inclui estudos na Université de Montréal (Canadá), atuação na Universidad de Malaga (Espanha) e McGill University (Canadá). Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília, mestre em Ciência da Comunicação e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade de São Paulo.