PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: BIBLIOTECÁRIOS E SUAS ATITUDES?

A postura cotidiana dos indivíduos participantes de uma profissão reflete-se nas atitudes que tomam ao tentarem responder a algumas questões básicas relacionadas à sua condição de ser humano, as quais antecedem ao perfil que têm como profissionais: Quem sou eu, como pessoa?  Como vejo as outras pessoas? Como espero ser visto pelas outras pessoas?  Que reflexos as respostas que poderei dar a essas questões produzem sobre minha atuação profissional?

 

Quem sou eu, como pessoa? Esta questão tem como característica levar a uma resposta final, isto é, ao respondê-la estou dizendo algo definitivo que me permita ser afirmativo. Dessa resposta resultará o juízo que faço de mim mesmo e autorizo o outro, meu interlocutor, a reconhecer nesta minha afirmação a minha identidade.  No caso de eu ser capaz de produzir somente afirmações indefinidas ou transitórias eu não terei uma identidade firme ou terei a identidade da não identidade. Estarei mais próximo de ser “não alguém”. Minha presença no mundo está mais à mercê dos acontecimentos produzidos pelos outros agentes da sociedade, que produzidos por mim próprio, a partir de deliberações seguras. Terei opinião, mas se trata de opinião unicamente reflexa dos interesses de outros e não da conciliação dos interesses daqueles outros com os meus próprios.

 

Atitude com essa forma, de um estar à mercê dos acontecimentos, é muito apropriada aos suicidas potenciais. Se eu não sou autor do meu estar no mundo, que direção estou dando ao mundo que não possa ser dada por outros indivíduos? Ou que falta faço aos outros se largar este mundo? Essa atitude filosoficamente niilista, me coloca num quadro de não produtor de sentido para um futuro em minha própria vida pessoal e, por isso, não me permitirá contribuir validamente para a vida dos outros, considerando que esses outros continuam desejosos de permanecer vivos, isto é, tendentes a não abreviar o ciclo normal de sua existência social e biológica.    

 

Como vejo as outras pessoas? Esta questão tem como característica levar à elaboração de uma resposta formal, pela qual posso designar distintos processos de exame, sob diferentes pontos de vista: políticos, teóricos, filosóficos, religiosos, etc. para, ao final, tomar posições ou definir estratégias sobre o desenvolvimento de nossas relações futuras (minhas com os outros) de caráter sempre incompleto. Aqui posso ter duas atitudes. Por uma delas, a minha atitude não ultrapassa, enquanto propósito da ação, à investigação ou averiguação que me leva a conhecer o outro, num nunca concluir. Esta é a atitude tomada ao pé da letra pela ideologia da ciência, que se contenta em tomar a verdade como seu fim, mas ao mesmo tempo considerar que a verdade do conhecimento científico reside num estado provisório. A outra atitude me coloca diante de humanos vistos como pessoas que agem a partir de valores ou desejos distintos, mas ancorados num conhecimento emocional, sentimental, etc., dito não científico ou de senso comum, em que não se foca a verdade como a medida do conhecimento buscado, mas se enfatiza o ver as outras pessoas pela crença, confiança, solidariedade que nelas e com eles se tem.  Portanto, em se tratando da produção de uma resposta formal, tenho como referência o domínio de uma metodologia de atribuição de valor moral às outras pessoas e, por isso, não estou interessado, fundamentalmente, pela pessoa, mesmo adotando a segunda atitude.

 

Como espero ser visto pelas outras pessoas? Esta questão tem como característica levar-me à elaboração de uma resposta que me oriente a desenvolver atitudes que pareçam corresponder ao que  eu desejo que os outros pensem de mim. Também, leva-me à elaboração de uma resposta formal, pela qual nem sempre sou totalmente sincero para comigo mesmo. Em geral, faz-me ter uma atitude de bipolar, ora correndo para uma direção, ora correndo para outra, conforme seja o perfil das pessoas que estarão como parte do contexto com o qual terei que me relacionar. Se em dada situação eu desejo ser visto como: honesto, racional, justo, digno etc., terei atitudes que me levam a expressar-me com cautela, a agir com modos a não promover choques negativos de imagem e identidade pessoal, ainda que isso possa ser dissimulação, pois estaria longe de meus valores mais imanentes. Esta atitude está muito evidente na autopromoção e propaganda pessoal, e muitas vezes, mas não exclusivamente, se manifesta em certos discursos de alguns líderes de organizações religiosas, quando “vendem a salvação” da alma, com o objetivo de promover o enriquecimento dos fundos econômicos das mesmas congregações. Mas, em outra situação, num outro contexto, poderei achar mais propício aos meus propósitos ser visto como moralmente rígido, intolerante à fraqueza dos outros, e, com isso, acima de qualquer contingência. Com essa atitude, adquiro a imagem de um indivíduo que promove temor. Essa atitude é menos humana que o desejável, pois desequilibra as nossas relações (minhas com os outros) e, também, por caracterizar uma postura que visa “infantilizar” o interlocutor.

 

Que reflexos as respostas que poderei dar a essas questões produzem sobre minha atuação profissional? Esta questão tem como característica levar-me à elaboração de uma resposta causal, se eu me colocar na condição de que devo aceitar a dependência da profissão que escolhi para assegurar meu sustento material e equilíbrio emocional e moral. Pode-se perguntar então: Por que devo estar num grupo e contribuir coletivamente com a definição de uma identidade profissional desse grupo do qual sou parte? De um grupo que constitui, por isso, um EU-NÓS, do qual eu dependo para ser um EU-EU? Por que devo agir bem, em conformidade com uma convivência que me oriente a cumprir a função que segeri cumprir na sociedade e que se manifesta na minha escolha profissional? Por que, como profissional, eu devo agir em benefício do outro pelo resultado de meu trabalho, o qual me beneficia pela remuneração que aceita me pagar em troca desse trabalho?

 

Nas respostas a essas perguntas do parágrafo anterior o participante de um grupo profissional poderá demonstrar a qualidade e o alcance da ética profissional que ele se propõe a praticar. No caso do bibliotecário brasileiro, quais respostas ele tem dado? Segundo a literatura produzida pela área nos últimos anos, sobre a identidade profissional, se tem percebido um profissional em crise de identidade [É bibliotecário? É profissional da informação? É gestor da Informação? É o que, afinal?]; sobre como ele vê o destinatário de seus serviços também se mostra vulnerável, pois há à sua frente o ser que ele tornou disforme a partir de um rótulo genérico que pouco diz, chamado usuário da informação [Pesquisadores científicos, inovadores tecnológicos, gestores financeiros, etc. são semelhantes entre si e, mais ainda, são semelhantes a crianças, jovens e adolescentes escolares? etc.].

 

Ora, se os bibliotecários brasileiros têm uma identidade profissional indefinida e se eles pouco sabem a quem se destina o seu trabalho, como querem ser vistos de modo distinto de um profissional em extinção? Se eles se manifestam como parte de uma profissão em suicídio, se eles são niilistas, como querem ser tratados senão como estando “em estado de pré-morte”? Essa autoimagem que produzem, decorrente de uma inadequada leitura da realidade gerará, por sua vez, uma leitura pela sociedade de uma profissão em desagregação. E isso é possível constatar sem muito esforço! As associações profissionais estão semiparalisadas e economicamente raquíticas; os poucos sindicatos não têm força política profissional; os centros acadêmicos estudantis estão dispersos politicamente; as escolas de graduação são individualistas e seus docentes reforçam tal atitude; os programas de pós-graduação operam num mundo próprio em que a entidade-deus  informação, que a maioria tem dificuldade em conceituar, rege todos os discursos, religiosamente, por parte de seus doutores pesquisadores sacerdotes dessa divindade.

 

Trocando tudo isso em miúdos, com o que essas atitudes podem contribuir para se falar em Ética Profissional do bibliotecário neste país?


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB