PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: BIBLIOTECÁRIOS PODEM FORTALECER PROJETOS HABITACIONAIS DO GOVERNO?

Na coluna que aqui publiquei no mês passado, pude mostrar que por ocasião do 2º. Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação - CBBD, realizado em 1959, dentre as tantas deliberações tiradas ao final, os bibliotecários ali reunidos consideraram que as construções de conjuntos habitacionais ou similares, de iniciativa governamental,  deveriam contemplar a instalação de bibliotecas.

 

Isso foi defendido com a seguinte afirmação: “Que se faça sentir ao Governo (Federal, Estadual e Municipal] a necessidade de contemplar com uma “biblioteca-familiar” todas as construções residenciais de sua responsabilidade, capazes de abrigar de 200 famílias para cima.”

 

O que se pode supor é que se tal recomendação tivesse sido implementada no país, nesse período que já soma 52 anos, o quadro de leitores, o desenvolvimento editorial e o universo de bibliotecas teria outra dimensão quantitativa e qualitativa. Evidentemente, esse um pouco mais de meio século teve suas peculiaridades. Entre o momento da referida deliberação dos bibliotecários e o momento atual tivemos um brutal golpe de estado, com prejuízo para as liberdades individuais e coletivas dos brasileiros; uma retomada do ciclo político; uma feroz inflação econômica que tornou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres e tudo isso mais outras coisas, como a implantação do Conselho de Biblioteconomia, federal e regionais, possivelmente, contribuiu para que os bibliotecários se esquecessem desse tipo de ideia. Esse esquecimento distanciou o bibliotecário do interesse em deliberar sobre questões sociais da natureza aqui exposta e, pior, de lutar para fazer valer e ver implementadas as deliberações já produzidas nesse sentido.

 

Em anos recentes, viu-se ressurgir programas de inclusão social, liderados pelo Governo Federal, com o envolvimento dos governos estaduais e municipais por todo o país. Um desses programas, foi instituído pela  Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009 e em sua ementa lê-se que:

 

“dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; alterando o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências”

 

A leitura desse trecho acima transcrito permite supor que toda a legislação que havia no momento em que os bibliotecários decidiram em 1959 foi citada nesta nova Lei, querendo dizer que o contexto social, de restrição econômica e baixa renda  e o contexto legal, de 2009, não diferem daquele existente em 1959. Desse modo, supostamente, a disposição dos bibliotecários em sustentar a decisão há tanto tempo tomada poderia vir a ser reafirmada, agora no escopo do PMCMV. Essa reafirmação, se realizada, iria apontar para a coerência e a responsabilidade social do bibliotecário para com essa questão que já lhe preocupou há mais de 50 anos e, de outro lado, para reforçar iniciativas governamentais de anos recentes voltados ao oferecimento de algum recurso para os municípios criarem ou reforçarem as suas bibliotecas públicas. A pergunta que, meus amigos dizem: “não quer calar”, é por que os bibliotecários que vão ao CBBD nos anos mais recentes não têm pautado e nem reclamado a adoção pelo governo de sua deliberação relativa à ampla disseminação de bibliotecas públicas? Será que esta ideia deixou de ser uma preocupação ética no cotidiano do bibliotecário? Se acaso alguém afirmar que sim, creio que está enganado. Continua tal propósito. Pelo Código de Ética do Bibliotecário brasileiro, permanece como um compromisso de conduta desse profissional a luta pela oferta de bons serviços bibliotecários para os cidadãos.

 

Se imaginarmos que nos anos da década de 1950 os bibliotecários de então lutavam pela abertura de mercado de trabalho, poderei eu considerar que hoje todas as vagas possíveis e imagináveis para fins de implantação de cargo de bibliotecário foram ocupadas. Mas isso continua a ser equivoco, pois uma correta leitura da realidade mostra que não há  biblioteca pública em todos os ambientes sociais que dela necessitam. São poucas unidades nas cidades, é baixa a cobertura do serviço, são mal formadas as coleções, até pela falta de estudos sistemáticos dos usuários e é insuficiente a legislação em torno da biblioteca pública.

 

Nesse caso específico, podemos acreditar que a categoria profissional bibliotecária brasileira considera a ampla difusão de ambientes de leitura uma coisa anacrônica? Creio que ao não defendê-la sistematicamente os bibliotecários terminam por, inadvertidamente, passar essa mensagem de desinteresse pelo público leitor ou frequentador potencial de bibliotecas públicas. E isso não é apenas a afirmação de uma profissão que não leva em conta sua própria ética para com o usuário desse tipo de estabelecimento, mas uma profissão sem sentido histórico.

 

Ora, me parece que uma profissão na qual seus membros não conseguem enxergar a dimensão do passado em sua existência também está fadada a não ter futuro. Na medida em que o futuro é uma projeção que se ancora no passado, o futuro do bibliotecário brasileiro aponta para a não necessidade da biblioteca pública, seja por falta da defesa de sua ampla disseminação na sociedade, seja pela renúncia em lutar pela implementação de deliberações com a dimensão dessa aqui  comentada, oriunda do 2º. CBBD.

 

Mais uma vez quero alertar, a partir desta coluna, que os bibliotecários brasileiros desconsideram seu Código de Ética, renunciam ao seu passado político e reclamam que não são suficientemente percebidos e reconhecidos pela sociedade. Mas como querem esse reconhecimento?

 

A quem interessar, o texto atual da Lei 11.977, pode ser localizado em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB