PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: A ESCOLA DE BIBLIOTECONOMIA E O ESTÁGIO REMUNERADO!

Nas últimas décadas chegamos a uma situação no Brasil em que a biblioteca é um dos ambientes no qual grande parte dos bibliotecários tem revelado os limites com que encara um saudável porvir de sua profissão. Isso é particularmente evidente quando se trata de biblioteca que oferece aos Cursos de Biblioteconomia vagas para a prática de estágio remunerado, também chamado de extracurricular ou não-obrigatório.

 

Em geral, esses estágios são utilizados pelas organizações “concedentes” das vagas como instrumento para a contratação a preço vil de trabalhadores com significativo domínio dos conhecimentos técnicos da área profissional. Fosse essa uma situação em que o bibliotecário efetivamente contaria com tempo suficiente para orientar o estagiário, discutir sistematicamente, a partir de uma agenda de acompanhamento, com um caráter de complementação dos conteúdos da escola, o desenvolvimento formativo desses estagiários, não haveria o que questionar. Mas não é isso o que ocorre. Freqüente e sistematicamente, com a aceitação e mesmo com a própria iniciativa de seus bibliotecários, as organizações quando precisam de novos profissionais ficam por um bom tempo, ou até permanentemente, a contratar estagiários para suprir a necessidade de crescimento de seu quadro profissional.

 

Essa situação produz vários danos para a categoria bibliotecária. Primeiro: há uma sensível redução do salário médio de bibliotecários, na medida em que as organizações tentam evitar ao máximo a contratação de profissionais. Algumas delas tentam contratar somente estagiários; uma aberração inaceitável, posto que historicamente o estágio dá-se em face da atuação formadora e complementar de um profissional atuando no campo. Segundo: sobrecarrega-se a escola de Biblioteconomia que passa a ter que suprir o ônus da inexistente supervisão especializada local. E em geral não o faz. Terceiro: forma-se uma cultura de subemprego, em que a exploração do trabalho é inserida no conjunto das práticas docentes dos cursos de Biblioteconomia brasileiros, que permitem tal situação. Essa cultura de subemprego e exploração tende a ser naturalizada e muitas vezes repetida e tida como normal por parte de muitos dos egressos que tendo vivido essa situação vão repeti-la.

 

Assim vê-se, não poucas vezes, “equipes” com um bibliotecário e vários estagiários. Ou estagiários contratados por organizações em que há “alguém” formado em Biblioteconomia, mas não atua cotidianamente na biblioteca, que é operada por estagiários. Estagiários de quem? Supervisionados por quem? Aprendendo de forma orientada as especificidades que um dado campo tem para adaptar um conhecimento teórico de que maneira? Quem está ali para expressar a necessidade da ambientação da teoria para aquele contexto?

 

De forma inconseqüente, há quem afirme que o estagiário nessa situação está aprendendo. Não há dúvida de que não está aprendendo o que e do modo como deveria. Há quem afirme também que para muitos estudantes a bolsa remuneratória é relevante economicamente. É fato! Muitas vezes é a única receita financeira do estudante, mas não seria melhor, mais honesto, a organização contratá-lo formalmente como um auxiliar de biblioteca, uma vez que em grande parte das situações é isso o que acontece?

 

Onde está a razão, ou razões, que leva(m) a tais desvios? Para as organizações o custo mensal do estagiário é muitas vezes de um terço a um décimo ou menos do custo mensal do profissional; a contratação do estagiário tem poucas formalidades e o contrato é a prazo certo; o estagiário pode servir de elo entre o conhecimento ministrado na universidade e as demandas existentes no local de estágio; o estagiário para quem a remuneração da bolsa é uma fonte de receita certa em dado momento, tende a ser mais maleável e obediente à organização; etc.

 

Mas se é na biblioteca, decorrente da prática do estágio remunerado, que grande parte dos bibliotecários brasileiros tem revelado os limites com que encara um saudável porvir de sua profissão, isso não é feito sem a parcela de responsabilidade de escola de Biblioteconomia. Primeiro: como fornecedora e muitas vezes fomentadora desse “mercado de trabalho”; segundo: conferindo validade e legalidade à prática desse tipo de estágio nas condições em que é predominantemente realizado; terceiro: contribuindo para o aviltamento salarial e pelo desmerecimento profissional de seus egressos, afetando um postulado moral do Código de Ética do Bibliotecário brasileiro, que é a dignificação da profissão; quarto, por oferecer respaldo pedagógico para uma prática que, em geral, é realizada de uma forma a desconsiderar o sentido humanista e técnico do processo de ensino aprendizagem.

 

A questão de fundo é saber se a escola de Biblioteconomia, seus integrantes, se acha parte das condições necessárias para a existência social e desenvolvimento da profissão de bibliotecário no Brasil. Pelo exíguo número de cursos de Biblioteconomia que dispõe em seu projeto pedagógico de disciplina e conteúdos em Ética Profissional já se pode ter uma resposta e que tende para a negação(1). E isso, ao fazer dessas escolas de Biblioteconomia, por suas próprias decisões, um mundo à parte, leva-me a pensar que há um significativo e consciente desinteresse dessas instituições pelo que virá a acontecer com a profissão de bibliotecário no Brasil.

 

Nota:

(1) Veja o texto: “PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: abordagem da ética na formação de bibliotecários no Brasil”, em: http://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=444, publicado nesta coluna em junho de 2009.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB