SOBRE BIBLIOTECONOMIA, PANDEMIA E OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Volto hoje a falar de Biblioteconomia, por alguns motivos considerados sérios. A pandemia nos traz inquietações, uma vez que os documentos manuseáveis e manuseados são anti-higiênicos e passíveis de transmissão de doenças. As bibliotecas podem tornar-se, assim, centros difusores. Existem soluções, mais de uma, inclusive. Todavia, precisamos repensar nossas bibliotecas físicas. Em consequência, precisamos repensar nossos Cursos de Biblioteconomia. Volto ao assunto mais adiante.
O segundo ponto sobre o qual gostaria de discorrer trata de ideias pelas quais brigo há décadas, mas poucos me escutam. Se o paciente leitor ou leitora puder ler apenas as Considerações Finais de minha tese de doutorado, na qual trabalhei de 1995 a 1999, lá encontrará um parágrafo que se inicia por: “Também exigem que o profissional conheça o assunto.” (Não me obriguem a normas de citação da ABNT, das quais discordo totalmente). Trabalhei com materiais “não-livros” desde meus estágios em 1977. Trabalhei muito também com livros, em outros estágios e em bibliotecas, mas isto não vem ao caso. Uma área absolutamente fascinante, a de “não-livros”, só que exige conhecimento do bibliotecário sobre o assunto. Minha proposta sempre foi e continua sendo um curso de especialização ou mestrado específico. Obtive, certa feita, de uma associação francesa (não lembro o nome), uma obra sobre catalogação de filmes. Os franceses, inventores do cinema, de fato especializaram-se no tema. Aliás, publicaram diversos livros e folhetos sobre o tratamento de audiovisuais.
Defendo a formação de especialistas, há muito tempo, para todas as áreas, inclusive a de literatura, pois o profissional não pode indicar, representar, indexar o que desconhece. Para as Artes, conhecimento se mostra fundamental. Sobre áreas alheias não sei nada e não posso palpitar.
Outra de minhas velhas ideias é cópia de nossos vizinhos argentinos: a formação de professores primários como técnicos em Biblioteconomia, para o trabalho em bibliotecas escolares. Basta uma ligeira mudança na legislação escolar: considerar o trabalho do professor-bibliotecário como sala de aula. Aliás, em vez de lidar com quarenta alunos, esse lidaria com 400 ou mais. Hoje em dia, o professor “exilado” na biblioteca escolar passa por algum problema ou situação momentânea e, na maioria das vezes, pensa em fechar a biblioteca – para preservar o acervo – sem saber o que fazer ao certo. Os Conselhos de Biblioteconomia batem-se contra a hipótese. Porém existe uma questão simples: como preparar 150.000 bibliotecários, para cobrir todas as escolas do país, nos locais mais remotos, quando temos apenas cerca de 40.000 formados? Muito mais prática a solução de uso do ensino à distância para alguém que já tem o conhecimento necessário para lidar com estudantes - crianças e adolescentes. Discordo por completo do currículo de ensino à distância para Biblioteconomia, porém este é outro assunto, outra polêmica da qual me abstenho no momento.
Ideia também antiga leva à representação bibliográfica e seus códigos. Pretendo escrever mais um texto, desta vez longo, sobre o tópico.
E duas novas ideias (mirabolantes), pelo que vi ou ouvi. Soube (por meu irmão) que a Biblioteca da Universidade de Berlim fornece ao aluno calouro um “login” (desculpem o anglicismo). Por meio desse, ele acessa de seu computador, de onde estiver – no caso o estudante encontrava-se em São Paulo, estagiário de uma empresa alemã – todo o acervo da citada Biblioteca da Universidade, inteiramente digitalizado! Vi, na Biblioteca Nacional de Roma, na seção de reprografia, a possibilidade de receber cópia de qualquer documento em um dispositivo portátil (como “pen drive”).
A digitalização de nossos acervos impõe-se por diferentes motivos: 1) os riscos de perda, devido a catástrofes naturais ou descuidos (como o incêndio do Museu Nacional do Rio); 2) a necessidade de higienização dos acervos, na pandemia e após pandemia; 3) os riscos oriundos de ignorâncias e intolerâncias diversas, nesta era de fascismos e extremismos; 4) a impossibilidade de acesso a documentos únicos e outras obras raras, como no caso da música. Há um problema crucial nas partituras musicais: a carência de editoras de música no Brasil acarreta um número infindável de manuscritos, que precisam ser manuseados pelos intérpretes; por outro lado, quanto às partituras impressas, os intérpretes selecionam edições, da mesma forma que preferimos determinadas traduções ou edições de livros. O mesmo ocorre na discografia, na escolha dos artistas, das reproduções, dos tipos de gravação, entre outras inúmeras minúcias, que aprendemos quando lidamos diretamente com esses materiais.
Por fim, torna-se urgente pensar e refletir sobre o papel do bibliotecário na atualidade – talvez novamente um “conservador” (no sentido francês da palavra), um organizador de acervos digitais e um incentivador, catalisador, motivador da leitura e da cultura.
Somos um país que não lê e se deixa influenciar amplamente pela indústria cultural. Bibliotecários possuem um lugar fundamental e privilegiado para a mudança.