TEXTOS TEMPORÁRIOS


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EU, [BIBLIOTECÁRIO] ROBÔ: NÃO TEM NADA A VER COM O FILME DO SMITH

Recebi um e-mail de um amigo. Falava sobre um projeto de pesquisadores espanhóis que tentavam criar um robô que pudesse trabalhar em uma biblioteca. “O protótipo tem câmaras e sensores especiais para poder localizar e recolher os livros. Quando recebe o pedido de um livro, o robô reconhece a voz e combina o título do livro com a sua classificação na base de dados, identificando em seguida a prateleira de onde deve retirar o livro. Depois de chegar ao local, o robô descobre através de um scan da prateleira o local exato do livro. No entanto ainda se está a procurar aperfeiçoar o sistema de recolha do livro.”

Enviei ao meu amigo uma resposta muito simples: “a idéia do robô é bem interessante, até porque ele desempenharia uma tarefa que eu não gostaria de fazer, pegar livros na estante... Acho que se tiver alguém, [ou algo] para fazer essa tarefa, os bibliotecários terão que desempenhar funções mais importantes”. A sua resposta foi: “Se o robô pegar os livros na estante, os bibliotecários vão fazer o que? Será o fim”. A discussão não se estendeu. Mas embora meu amigo estivesse brincando, fiquei analisando e encontrei pessoas que se desesperam com essas inovações. Como o caso de uma conhecida que falou: “o que? um robô bibliotecário?”

Por que nos preocuparmos se seremos substituídos por máquinas ou não? Não posso aceitar que os anos de estudos valham apenas para formar alguém que fique atendendo no balcão e localizando livros no acervo. Qualquer pessoa treinada, ou melhor, educada, consegue fazer essa função. Mas afinal o que faz e o que deveria fazer o bibliotecário?

A literatura da área se encarrega de falar várias vezes sobre o perfil do bibliotecário, o papel do bibliotecário etc., mas tudo é apresentado muito teoricamente. Geralmente ou em 90 % esses textos são escritos por pessoas com pouca ou nenhuma prática da profissão. Ou são professores que se graduaram, se pós-graduaram, sem atuarem profissionalmente enquanto bibliotecário, ou são alunos entusiasmados em escrever sobre o profissional que pretendem ser e que gostariam que existissem.

Tentei ouvir, ver, analisar, assim informalmente, sem necessariamente uma pesquisa financiada pelo CNPq, qual a função do bibliotecário na visão do próprio. Os textos não batem muito com o que eles pensam e fazem, até porque parece que existe uma certa desatualização destes. Mas essa discussão fica para outro dia. Perguntei para uma das duas bibliotecárias, de uma biblioteca que frequento, qual o seu papel enquanto bibliotecária. “Trabalho demais. Cuido dos livros”. Quando chega tem uma pilha de livros para serem registrados e classificados. Tudo isso é feito assim sem nenhum ritual ou etapas que a gente pena para aprender e ainda fica de provinha no final do semestre. Ela mesma imprime etiquetas, cola nos livros e ainda os guarda no acervo. Detalhe: não falo de uma biblioteca escolar ou comunitária. Falo de uma biblioteca universitária que atende a alunos de 10 cursos de graduação, mais especialização e mestrado. O atendimento fica por conta dos estagiários.

Olhando o funcionamento da biblioteca percebo que a preocupação dos amigos dá-se por um motivo: não querem ser substituídos por robô bibliotecário, porque são bibliotecários robôs. Detectei funções de robô, ao olhar uma bibliotecária passar 6 h diária sentada à frente do computador classificando o acervo. Outra que parece um robô é uma estagiária, aluna de Biblioteconomia que fica andando de um lado para o outro vigiando os usuários para que não levem os itens da biblioteca. Uma vez declarou: “se eu soubesse que fosse para ser segurança, não teria feito Biblioteconomia”. Em um local onde os profissionais desempenham funções robotizadas fica impossível identificar as reais necessidades do usuário.

Se houvesse o robô bibliotecário, não seria necessário um bibliotecário robô. Se houvesse quem fizesse as funções rotineiras, ao bibliotecário caberia a função inteligente, a de administrar a unidade de informação de forma que atendesse àqueles que necessitam de informação, através de políticas e projetos inteligentes, e não com projetos como “Silêncio!”, que nem preciso detalhar do que se trata.

Novamente afirmo, os 4 anos não são para etiquetar, guardar, vigiar, procurar etc. os livros, mas para pensar a comunidade, para ajudar a formar pessoas que contribuirão com a sociedade. Quando se fala da função social do bibliotecário, não se deve colocar a responsabilidade em suas mãos de mudar o mundo e sim de colaborar com a formação de outros profissionais que também estarão participando da construção da mesma.

Se a função do bibliotecário, segundo os textos, tecnológica, técnica, social, política entre outras, fossem cumpridas, não veríamos tantos bibliotecários robôs e não temeríamos os robôs bibliotecários. Que venham os robôs, porque eu quero é pensar.

Autor: Gerlandy Leão
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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.