TEXTOS TEMPORÁRIOS


  • Textos Temporários

UMA ESCOLA QUE PRODUZ ANALFABETOS

Da população brasileira, entre 15 e 64 anos, 75% é analfabeta funcional. São quase 110 milhões de pessoas. É o equivalente à soma das populações da Argentina, da Colômbia e da Venezuela. Trata-se da chamada “população potencialmente ativa”. E nossa população potencialmente ativa é composta em 75% de analfabetos funcionais.

Quem é analfabeto funcional? Segundo a Unesco: “uma pessoa funcionalmente analfabeta é aquela que não pode participar de todas as atividades nas quais a alfabetização é requerida para uma atuação eficaz em seu grupo e comunidade, e que lhe permitem, também, continuar usando a leitura, a escrita e o cálculo a serviço de seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento de sua comunidade”. 

O analfabeto funcional é diferente do analfabeto pleno. O analfabeto pleno nunca teve nenhum contato sistemático com a leitura, a escrita e o cálculo, nunca frequentou a escola e, por isso, não domina essas habilidades. Pelas últimas sondagens, o Brasil contaria com 8% de analfabetos plenos.

O analfabeto funcional, por outro lado, frequentou a escola, pode até mesmo ter chegado ao final de alguns dos níveis do sistema escolar, pode ter concluído o ensino fundamental, por exemplo, mas não se apoderou plenamente das habilidades da leitura e da escrita (e também do cálculo).

As pesquisas revelam, além disso, que 38% dos estudantes universitários podem ser classificados de analfabetos funcionais. Para muitos analistas, isso se deve à multiplicação vertiginosa de faculdades particulares a partir dos anos 1990, as quais, como toda empresa privada, visam primordialmente o lucro e não a qualidade do serviço que prestam. Já se tornou folclórico o caso de um pedreiro plenamente analfabeto que foi aprovado o vestibular de Direito de ma universidade particular do Rio de Janeiro.

Diante desses números, temos de perguntar: se o analfabeto funcional frequentou a escola, que escola é essa? Uma escola que, depois de quatro ou cinco anos é incapaz de alfabetizar plenamente as que pessoas que a frequentam é uma escola que, pura e simplesmente, produz analfabetos funcionais. Essa é a realidade da educação pública no Brasil, uma educação pública que não cumpre com sua tarefa primordial: promovera cidadania ao promover o acesso das pessoas à leitura, à escrita e ao cálculo. Darcy Ribeiro disse que “a crise na educação não é uma crise, é um projeto.” E tudo o que o atual desgoverno instaurado por um golpe de Estado pretende é transformar esse projeto numa realidade ainda mais cruel do que já é.

Marcos Bagno é linguista, escritor e professor da UNB – marcosbagno.org.

Autor: Marcos Bagno
Fonte: Caros Amigos, ano XXi, n. 245, p. 6, jul. 2017

   586 Leituras


author image
Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.