TEXTOS GERAIS


  • Textos Gerais

DA CONSCIÊNCIA UTILITARISTA DA INFORMAÇÃO

Nas últimas duas décadas presenciamos de forma cada vez mais rotineira e intensa, discursos que intentam naturalizar a informação como objeto de uso necessário. Em algumas ciências, como Administração, Ciência da Computação, Ciência da Comunicação e Ciência da Informação, o conhecimento e a informação são considerados temas de interesse central, principalmente, os atributos de utilidade de ambos. Tanto o conhecimento quanto a informação são explicados por uma metáfora de teor evolucionista em que a origem do processo de aquisição do conhecimento está fundada na informação e em dados. Se for adquirido, o conhecimento, é possível manipula-lo, trocá-lo e – o mais importante – vende-lo. Muitas publicações do assunto atestam a assertiva anterior. Entende-se que esse argumento explanatório não explica sua própria consciência. Nesse sentido, é preciso refletir mais um pouco sobre um de seus elementos, a consciência utilitarista que em parte sustenta essa lógica.

 

A informação que realmente importa é a utilizável para tomar conhecimento de algo, elucidar decisão em uma dada situação, formar a consciência do cidadão, promover o crescimento intelectual, enfim, sempre deve ser processada para um propósito, uma meta definida. A principal característica desse modo de apresentar a realidade é a procura de fins últimos. Naturaliza-se a idéia de que a informação é a mola propulsora que contribui para o desenvolvimento econômico, que liberta e que promove o bem das pessoas, indiscutivelmente. Nos espaços de trabalho, a informação tem seu lugar como entidade que determina o nível de relacionamento das pessoas, quanto mais informação circula mais interação existe entre os sujeitos. A informação, por sinal, pode também ser controlada para promover mais a sociabilidade e garantir a transferência de experiências. “Todos necessitam de informação, mas não qualquer uma, apenas aquelas que solucionam problemas e aliviam a sensação de desconhecimento”. Teóricos cognitivistas da Ciência da Informação já lançaram esta problemática na década de 1970. Contudo, parece que os serviços de informação em empresas e as próprias bibliotecas estão incluídos nos espaços onde a consciência utilitarista prevalece com suporte à condução das práticas.

 

O utilitarismo em sua essência é um tipo de medida de felicidade, criada por Jeremy Bentham (1748-1832), que de um certo modo foi a expressão mais radical do empirismo inglês aplicado ao direito e à gestão pública. O princípio utilitarista prega que qualquer ação humana deve levar em conta a sua capacidade de fazer maior felicidade para o maior número de pessoas possível. Todo juízo moral também deve obedecer ao princípio utilitarista. Bentham (1979, p. 4) define assim utilidade: “O termo utilidade designa aquela propriedade existente em qualquer coisa, propriedade em virtude da qual o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade (tudo isto, no caso presente, se reduz à mesma coisa), ou (o que novamente equivale a mesma coisa) a impedir que aconteça o dano, a dor, o mal, ou a infelicidade para a parte cujo interesse está em pauta; se esta parte for a comunidade em geral, tratar-se-á da felicidade da comunidade, ao passo que, em se tratando de um indivíduo particular, estará em jogo a felicidade do mencionado indivíduo.”

 

A condição de utilitarista é repassada a uma das noções de informação correntes em muitos campos profissionais e de pesquisa; sempre leva em conta algo que traga vantagem. Sem essa característica a informação é irrelevante, dispensável; no contexto da Internet, por exemplo, esta informação será considerada lixo. De um modo mais amplo, quando se organiza um serviço de informação toma-se como base o princípio do utilitarismo, proporcionar sempre o maior número de benefícios possível com os recursos disponíveis (equipamentos, materiais, humanos). Esse parece ser uma premissa aceita e cultuada como quase incontestável para operar as coisas na sociedade, especialmente, a de produção de bens em massa. O emprego da noção de informação não-útil é pequena, pois na visão dominante, o atributo utilitarista é a medida de relevância da informação.

 

Informação em descompasso com seu uso direto, rápido e positivo (tal como a acepção de Comte) é dispensável ou prejudicial. No entanto, o que dizer da informação estética que se vale, muitas vezes, da proposta de confusão consciente e provocativa em uma obra, sem necessariamente tender a levar o sujeito à tomada de decisão imediata, empreender uma mudança em seu conhecimento de uso prático? Podemos, além disso, falar de informação gerada espontaneamente (não-intencional ou não-consciente) sem fim predeterminado, sem que esteja necessariamente no início da esteira de uma linha de produção que leva, ao final do processo, ao agrupamento da informação com outros elementos para formar conhecimentos? Também poderíamos refletir em outro momento sobre a compatibilidade dessa lógica “produtivista” do conhecimento com a consciência utilitarista da informação. Perceber a relevância destas outras manifestações da informação pode ampliar nosso olhar do fenômeno, ver outras possibilidades e ir além das restrições geradas pelos pressupostos considerados unânimes sobre o regime da informação na sociedade.

 

Acreditamos que não há evidências claras da existência dos referentes das afirmações que legitimem a observação genérica, tão corrente, de que a Ciência da Informação, que se reserva o direito de explorar o campo da informação, dedica-se a pesquisa da informação e seus condicionantes sócio-culturais. Esse argumento precisa ser mais bem discutido. Não se trata apenas de conceituar novamente a informação, mas de entrever os fundamentos que legitimam as noções de informação e as lógicas envolvidas em seu trabalho. Necessitamos avaliar os argumentos das ciências e das profissões comprometidas com os problemas da informação, rever seus pressupostos e identificar a consciência (ou os fragmentos desta) que move a ação destes atores sociais na sociedade.

 

É preciso indagar sobre o utilitarismo e outros condicionantes do que se entende por informação, conhecimento e temas correlatos. Parece que o fim da informação para a Ciência da Informação e áreas próximas, é tornar-se útil para um ser humano, respeitando o quesito da compreensão, caso isto não ocorra não valerá muito a pena um esforço para organizá-la. Nessa lógica, serviços que promovam o desafio de interpretação e que aumentem o risco do desconhecimento e conflito, como os locais de apreciação estética, são desvalorizados.

 

Precisamos pensar a sustentabilidade desse argumento e dessa consciência frente às novas possibilidades do que se pode chamar de informação humana para, no mínimo, justificar rótulos atribuídos a ciências que estudam o caso da informação manifesta em sociedade e na mente humana. Por fim, a gestão de serviços de informação com base no utilitarismo proporciona, inevitavelmente, segregação, menospreza os temas e os usuários não incluídos no foco do serviço, ou não compreendidos no cálculo da utilidade para o maior número de pessoas possível. A Ciência da Informação e as profissões que com ela mantêm proximidade guardam esse argumento como premissa para o gerenciamento dos serviços de informação em geral. É, para nós, um dos elementos centrais da cosmovisão da Ciência da Informação tendo sua origem provável na medida das ações egoístas que trazem mais felicidade.

 

 

Referência

 

BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Trad. Luiz João Baraúna. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores)

 

Carlos Cândido de Almeida

Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).

 

(Publicado em agosto de 2007)

Autor: Carlos Cândido de Almeida

   534 Leituras


author image
Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.