ARTIGOS E TEXTOS


A BONICIDADE DO LIVRO E A DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO: BALELAS BIBLIOTECÁRIAS I

A falta de público, de usuários, de leitores nas bibliotecas é uma constante reclamação dos bibliotecários. Pouco, no entanto, são os profissionais que procuram descobrir as causas dessa situação. Normalmente a tendência geral dos bibliotecários é responsabilizar exclusivamente a população pela sua (deles) ausência nas dependências das bibliotecas. Outras vezes, críticas são dirigidas aos meios de comunicação de massa que embotam e robotizam o povo, sobrepujando a imagem, o som e, principalmente, o “não-pensar”, ao prazeroso e sadio hábito da leitura. O “sistema” também é muitas vezes lembrado como um dos inimigos da frequência às bibliotecas embora, dada a subjetividade dessa figura, os bibliotecários reconhecem as dificuldades em combatê-lo.

Por que a falta de usuários nas bibliotecas se estas não envidam esforços no afã de oferecer o melhor para eles? Por que a falta de usuários se nas bibliotecas eles dispõem de muitos e muitos livros que os ajudam no próprio desenvolvimento intelectual, cultural, moral e, porque não dizer, físico?

As bibliotecas oferecem materiais tecnicamente preparados e adequadamente arranjados nas estantes facilitando sua localização; as fichas catalográficas seguem as regras internacionais (as mesmas utilizadas em todo o mundo) e estão alfabeticamente impecáveis, dispostas em fichários a espera de um público ávido por informações; os espaços das bibliotecas são providos de quadros que procuram alertar os usuários para o que há de novo na área de interesse deles; bibliotecários estão a disposição para orientar os usuários, nos meandros da pesquisa bibliográfica, enfim, as bibliotecas mantêm suas portas abertas, oferecendo materiais e serviços que não são usados por absoluta falta de interesse da população.

Exime-se, assim, a biblioteca de qualquer culpa pela falta de usuários, já que a sua função – possibilitar a recuperação da informação – está sendo executada a contento, dentro das possibilidades oferecidas pelo governo e dentro do que acham ser o interesse e a expectativa da população. Se mais não é feito, deve-se à falta de procura, pela população, dos serviços oferecidos pelas bibliotecas.

Para muitos bibliotecários, grande parte da população não frequenta as bibliotecas, pois foi assim “condicionado”. Seriam, dessa forma, arrolados entre os culpados, o sistema educacional – preso apenas a aulas expositivas e à exigência de “pesquisas” que são na verdade, meras cópias – e a família – que não incentiva e nem considera como importante o hábito da leitura.

Não negamos que os culpados acima apresentados não sejam, de fato, também responsáveis pela falta de público nas bibliotecas brasileiras, mas não podemos excluir o profissional bibliotecário desse rol.

A discussão sobre a falta de usuários, voltada quase que exclusivamente para a determinação de culpados – excluído o bibliotecário, obviamente -, parece-nos partir de pressupostos errados, embora profundamente arraigados e aceitos como verdadeiros pela classe bibliotecária. O primeiro deles (talvez melhor classificado como “mito”) é o que advoga para o livro e, por conseguinte, para a leitura, as melhores qualidades não importando nem mesmo o conteúdo desses livros: a leitura é “boa”, por isso, a forma do livro, unicamente, já determina sua importância. O 2o pressuposto é o da democratização da biblioteca que, hoje, é alardeada como o grande objetivo do trabalho do bibliotecário. O que seria democratizar a biblioteca? Aceitando, o que é comumente definido, que a democratização nada mais é do que permitir, sem opor barreiras, o acesso de todos, indistintamente, à biblioteca e aos materiais nela existentes, aceitando essa tese, somos obrigados a reconhecer que ela apresenta muitos problemas. Como permitir o acesso de todos se 75% da população é composta de analfabetos ou semianalfabetos? E, dos 25% restantes, quantos têm a leitura como de importância em suas vidas? Como democratizar a biblioteca se a população em condições e com interesse em usá-la não passa de 5% ou 10%?

Os dois pressupostos estão estreitamente ligados, fundamentando os trabalhos dos bibliotecários e dirigindo as discussões sobre a falta de público nas bibliotecas.

O momento que a biblioteconomia brasileira atravessa – momento de reflexões, redefinições, novos posicionamentos e orientações – começa a exigir uma resposta para o seguinte “dilema”: ou aceitamos e assumimos que a biblioteca existe para apenas 5% ou 10% da população, ou modificamos os nossos conceitos e as nossas posições sobre a biblioteca e sua democratização.

Enquanto nós, bibliotecários, trabalharmos voltados única e exclusivamente para o livro; enquanto nossas preocupações estiverem direcionadas apenas para o suporte e não para as necessidades da população, o conceito de democratização da biblioteca continuará a ser uma balela como tantas outras que povoam nossa área.

Democratizar a biblioteca, dentro do quadro exposto, é tarefa impossível. O prioritário é democratizar a informação; o primordial é possibilitar de todas as maneiras, condições para o acesso da comunidade à informação, permitindo, principalmente, que ela possa também gerar e produzir, não só informação, mas cultura, veiculando seus interesses, suas ideias, suas propostas, suas soluções.

O espaço é curto e o tema merece, assim, uma continuação.

NOTA

Bonicidade - A palavra pode parecer e soar estranha, mas você entendeu o seu significado, não?

 

(Publicado originalmente em: APB Boletim, São Paulo, v.5, n.3, p.6-8, nov./jan. 1988/1989. e
ABDF Boletim Informativo, Brasília, n.4, p.8, jun. 1989.)

 

Autor: Oswaldo Francisco de Almeida Junior

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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.