ARTIGOS E TEXTOS


DE BOA VONTADE AS BIBLIOTECAS ESTÃO CHEIAS

A palavra, o conceito da moda, embora para alguns já meio ultrapassado, é "democratização da informação". O que significa isso? O termo, entre os bibliotecários, é utilizado indiscriminadamente, sem uma conceituação clara (mesmo que não consensual) que sustente e embase sua aplicação nas atividades das bibliotecas. Esse dado, obviamente, reforça as afirmações de que existe um grande e imenso fosso entre o discurso e a prática dos bibliotecários. Genericamente, se entende "democratização da informação" como a oferta, passiva, de toda a informação possível para todos os usuários. Parece fácil, não? Basta perguntar o que o usuário deseja, o que o usuário quer e fornecer o material (ou materiais) que irá satisfazer a necessidade apresentada, que irá responder a questão formulada. Em suma, será propiciar ao usuário a informação. O grande problema é que esse acesso se dá apenas no âmbito do suporte. A adequação das características, do perfil de cada usuário às informações fornecidas, quase nunca ocorre. Piorando o quadro, há, ainda, uma deturpação das propostas originais das bibliotecas alternativas (ou, quem sabe, o que é mais provável, um entendimento errôneo): qual Robin Hood, devemos nos antecipar aos reclamos da sociedade e escancarar o saber, o conhecimento, a cultura, a erudição para todos aqueles que, deles, se interessarem ou quiserem se utilizar. De qual saber, de qual conhecimento, de qual cultura, de qual erudição está-se tratando, não se sabe, não se explicita. Trabalha-se como se esses conceitos já fossem conhecidos a priori, sem necessidade de, claramente, apresentá-los.

Outros dados merecem reflexão: ainda se espera o usuário; ainda se está preso ao minúsculo espaço da biblioteca; ainda se pensa em atender os usuários sustentando-se apenas no próprio acervo. Já não sem tempo, discute-se hoje, amplamente (espero), o atual paradigma da biblioteconomia. A propensão é aceitarmos a informação como nosso real paradigma, como o norteador de todas as nossas ações. A informação substituiria, então, o velho, o antigo, o ultrapassado paradigma: o acervo. Ao menos nos textos, na teoria, no discurso, no desejo e na vontade da maioria dos profissionais, pois, na prática, no dia-a-dia, no trabalho cotidiano, o que prevalece é o paradigma do acervo. Vejamos um exemplo: o usuário questiona o bibliotecário de referência (quando existe um, já que normalmente, o atendimento é feito por auxiliares sem qualificações e sem preparo ou treinamento anterior) sobre a existência de informações sobre um determinado assunto. O bibliotecário, prontamente, encaminha (indicando, dedo em riste) o usuário para os catálogos: "Veja naqueles fichários, se existe alguma "entrada" sobre o assunto". O cliente (1), por desconhecer o jargão bibliotecário, chegando junto ao fichário provavelmente procurará por uma porta ou algo parecido com uma passagem para algum lugar, já que lhe mandaram procurar uma "entrada". Depois de desfeito o mal-entendido, o usuário (ou consulente, ou leitor, ou cliente, já não sei mais...) procura no fichário de assunto e nada encontra sobre o tema que deseja. Volta a falar com o bibliotecário de referência e recebe como resposta: "Ah!, se não tem no catálogo então nós não temos nada sobre isso que você procura". E fica o dito pelo não dito. O usuário que procure seus direitos, quer dizer, sua informação em outro lugar. Quer exemplo melhor para o apego ao paradigma do acervo do que esse? Quando se fala em informação, as paredes da biblioteca não podem se configurar em empecilho, ao contrário, hoje a biblioteca tem que ser entendida como um trampolim, um início, o começo de uma pesquisa, um nó dentro da estrutura informacional do mundo.

Mais um dado que vale ser mencionado é a existência de uma pré-concepção dos usuários. Define-se antecipadamente o perfil do usuário a partir não de uma relação concreta e constante com eles, não com base em estudos de usuários ou de comunidade, mas sim, de uma ideia, de uma análise própria, consequência de observações embasadas no "achismo", embasadas no "nada".

O usuário é idealizado, concebido como alguém que sabe o que quer, que apresenta claramente suas questões e indagações (até GROGAN (2) diz isso com todas as letras). Do mesmo modo, concebe-se a informação como pré-existente, concreta, materializada, independente do usuário, como mercadoria, enfim. Com esse modo de pensar, fácil é relacionar a questão (concreta e corretamente formulada) e a informação (também considerada como concreta). Esse modo de pensar sustenta a ideia de que na relação usuário-informação, a mediação pode ser exercida de maneira absolutamente concreta, sem interferências sociais, psicológicas, culturais, etc. A mediação deve considerar apenas aspectos presentes no momento do contato bibliotecário-usuário. Deve considerar também, tão somente os problemas e barreiras oriundas e existentes no espaço da biblioteca. Nós bibliotecários, acompanhando essa maneira de pensar, somos auto-suficientes, desconsiderando o que ocorre além das fronteiras das unidades de informação. A informação, concebida como algo concreto, pode ser transferida independentemente das características individuais dos usuários. Sendo mercadoria, ela, pode ser padronizada, sem trazer, com isso, nenhuma consequência.

A "democratização da informação" não é tão simples quanto parece, nem pode ser empregada de forma leviana. Somos responsáveis pela qualidade das informações que fornecemos; somos responsáveis por possíveis danos que uma informação inadequada possa causar, já que, normalmente, é ela fruto de um processo de referência mal desenvolvido, de incompetência profissional ou de má vontade. É preciso estar atento ao fato de que a informação não é neutra e que uma conotação de valor está intrinsecamente a ela relacionada.

Quando se diz que o objetivo maior das bibliotecas é a "democratização da informação", absolutamente ninguém pode ser contra. O mesmo ocorre com os programas políticos de inúmeros partidos e candidatos, em que se apregoa a disposição e a promessa de se eliminar a miséria, a fome e a pobreza; de se acabar com a falta de moradia; de se terminar com o analfabetismo; de se propiciar a todos saneamento básico e acesso aos equipamentos culturais; de possibilitar aos cidadãos um atendimento médico rápido, eficaz e gratuito, etc. Ninguém é ou pode ser contra essas propostas. No entanto, conhecendo o autor dessas promessas, podemos avaliar seu grau de comprometimento, após eleito, com elas. A exemplo deles, políticos, as bibliotecas empregam o termo "democratização da informação" de modo genérico que ninguém pode ser contra. O problema é a aplicação, a implantação, a operacionalização, a concretização dessa proposta. Quando colocado em prática, o conceito de "democratização da informação" se faz explícito, claro. Percebe-se, então, que o consenso existe apenas no plano genérico, descortinando-se diferentes interpretações, diferentes entendimentos.

Como é possível oferecer informação para todos, indiscriminadamente, se a biblioteca está estruturada para atender aos alfabetizados? Como é possível oferecer informação para todos se, no Brasil, a maioria das bibliotecas públicas funciona em horário comercial; tem um acervo desatualizado; não possui verbas para aquisição de materiais; está localizada em um lugar de difícil acesso; não oferece serviços diferenciados para sua comunidade; não possui bibliotecários atendendo seus usuários, etc.? Muito estranho esse conceito de democracia, faz lembrar uma tal democracia relativa que grassou por estas bandas nos anos 1970 (pelo menos de forma explícita).

A democratização da informação pressupõe o direito à informação. E direito é direito: deve se fazer presente não só no nível do discurso, mas também na prática, traduzido em ações, em serviços oferecidos à população. Não é preciso exagerar, dizem os bibliotecários, afinal, a biblioteca é apenas uma entre as várias instituições com a responsabilidade e o dever de fornecer informações. Aliás, como provam inúmeras pesquisas, a população recorre muito mais a televisão do que a biblioteca para obter informações. Pensando dessa forma, os bibliotecários afirmam que o direito à informação já é contemplado nos e pelos telejornais, que oferecem, inclusive, informações selecionadas e sumariadas evitando a perda de tempo (e este, o tempo, como todos sabem, é dinheiro). É verdade que em boa parte das residências que possuem televisão, a família, com o prato de jantar sobre os joelhos ou equilibrado em uma das mãos, aproveita o espaço que as redes de televisão dedicam aos seus jornais (ensanduichado por duas novelas) para o relato dos acontecimentos do dia ou, no mais das vezes, para atualizar algum retardatário sobre a empolgante situação enfrentada pelo personagem principal da novela cujo capítulo foi perdido pelo atrasadinho. 

Se a televisão, não importa como, já cumpre esse papel, a biblioteca não se sente obrigada a oferecer, descompromissadamente, informações para todos (acho que já vi esse slogan em algum lugar…). Além disso, ainda através da ótica dos bibliotecários, o usuário prefere e deseja informações que são passadas pela televisão. A biblioteca, ao contrário, apesar de manter suas portas abertas (de 2a. a 6a, das 9 às 17, pois ninguém é de ferro) e designar auxiliares (sem o primeiro Grau completo, já que são os únicos disponíveis e os bibliotecários estão ocupados com tarefas internas) para o atendimento, não é procurada e utilizada pela população. Os usuários ainda não se aperceberam do valor da leitura e da importância da biblioteca. Melhor assim: já pensou se os usuários, exigindo seus direitos - numa interpretação egoísta do conceito de cidadania -, começarem a recorrer aos Procons da vida para reclamar de falta de informação ou do péssimo atendimento e desconsideração dos bibliotecários de uma determinada biblioteca pública? Será um Deus nos acuda, porque os bibliotecários não estão acostumados com esse tipo de situação. Mais: se os estudantes desaparecerem da biblioteca pública, fazendo com que esta tenha que atender outros tipos de usuários, o que acontecerá? Os bibliotecários que atuam nas bibliotecas públicas também não estão acostumados a lidar, a tratar, a atender esses outros tipos de usuários. Provavelmente sairão as ruas reivindicando a volta, o retorno dos estudantes, pois as bibliotecas estarão vazias e será impossível explicar ao Estado a necessidade de se bancar, com verbas, uma instituição que atinge a tão pouco público; será impossível explicar à sociedade a necessidade social de uma instituição que nada significa para ela. Os bibliotecários, defendendo-se, com certeza afirmariam que não receberam uma boa formação para alterar a situação, culpando, inevitavelmente, o ensino, a Universidade.

Uma colega bibliotecária, a quem solicitei que lesse o parágrafo anterior, ficou fula da vida (que expressão antiga, não?), pois, afirma ela, várias bibliotecas públicas ramais da cidade de São Paulo convivem com reclamações (na maioria imbecis, mas reclamações) de toda ordem: os "leitores" procurando chefes e diretores para escanchar os "serviços" (3) oferecidos e colocados à disposição dos usuários. Diz ela que até em jornais já leu matérias sobre o péssimo atendimento de bibliotecas públicas ou sobre a precariedade dos prédios que as abrigam (abrigam é modo de dizer, pois, quase sempre, buracos grassam pelos tetos das bibliotecas, formando goteiras até mesmo quando apenas garoa; pequenos pedaços de vidro ainda resistem, nas janelas, às pedradas desferidas por usuários em potencial que não reconhecem naquele prédio, um lugar seu ou de seu grupo; as paredes desrebocadas - existe isso? - e sem pintura ainda apresentam manchas de antigos cartazes já retirados ou que, envelhecidos, se despregaram; as cadeiras só podem ser usadas por exímios equilibristas; nas mesas, os usuários devem estar constantemente atentos, pois quando estão copiando verberes de enciclopédias, correm o risco de furar o papel com a caneta nos inúmeros sulcos provocados por outros usuários que adoram "esculpir" seus nomes - será que é por isso que os usuários preferem xerocar ao invés de copiar -; etc.- estou dando apenas alguns exemplos porque o parêntese já está muito longo). Essa colega ainda contou uma série de "causos" que aconteceram consigo ou dos quais ouviu falar. Quase todos eram reclamações infundadas e injustas. O usuário não consegue entender a dinâmica da biblioteca; o usuário não compreende os problemas enfrentados pelos bibliotecários. Quão difícil é selecionar, adquirir, processar tecnicamente e armazenar materiais... No entanto, os usuários, que podem ser facilmente classificados como infernais (xô, satanás) e egoístas, só pensam na suas necessidades e nos seus interesses: chegam à biblioteca, procuram ajuda e exigem as informações que precisam.

Essa mesma colega bibliotecária afirma que na "sua (dela) biblioteca", usuário é tratado com rédea curta: soltou as manguinhas de fora, leva bordoada; tem que aprender a se comportar e se manter no espaço que lhe é destinado e designado.

Pensei em sugerir a ela que modificasse o sistema de atendimento e o estruturasse tendo como base o modelo de comunicação dos meios de comunicação de massa. Afinal, parece existir uma afinidade maior dos usuários com esses meios, em especial com a televisão. Como seria esse novo sistema de atendimento? Ao contrário do que ocorre hoje, a biblioteca é quem determinará as pesquisas a serem desenvolvidos em cada período. Veja como funciona o rádio: você sintoniza uma determinada estação e ouve a música (e principalmente anúncios) que estiver sendo veiculada no momento. Mesmo trocando de estação, a escolha recairá sobre a música que mais lhe agradar, mas dentro das opções oferecidas. Raríssimas são as vezes em que você sintoniza exatamente a música que gostaria de ouvir aquele momento. É você quem escolhe a música que quer ouvir? O mesmo ocorre com os jornais: as notícias (e o modo de interpreta-las) são selecionadas por uma editoria. Aquele quiproquó ocorrido ontem numa casa no final de sua rua (e que exigiu até o envolvimento da polícia) pode não ser do interesse dos jornais e você vai ter que se contentar com as informações e diz-que-diz dos vizinhos. Quando chego em casa após o horário da novela, perdi para sempre, com certeza, aquele capítulo (talvez um dia eu o assista no "vale a pena ver de novo"). Não adianta reclamar, serei sempre o culpado por não estar em frente à televisão no horário determinado pela "emissora". Aos domingos o que fazer? Assistir aquelas porcarias (não adianta procurar outros "canais" porque o nível é o mesmo (4)) ou manter a televisão desligada.

Como seria, então, a biblioteca nesse modelo proposto? Simples: ofereça aos seus usuários assuntos para pesquisa com horário predeterminado. Exemplo: segundas, quartas e sextas, das 15h às 16h, matemática: das 16h às 17h, português; terças e quintas, das 9h às 10h, história, das 10h às 11h, geografia, E assim por diante. Quando um usuário solicitar: "Preciso fazer uma pesquisa sobre química", você lhe entrega o folder (previamente preparado) dos horários de pesquisas e grifa aqueles destinados ao tema química. Ah! E seja educado: "Infelizmente, este não é o horário correto para pesquisas desse assunto. Consulte nossa programação e utilize nossos serviços. Estaremos de braços abertos para lhe orientar". Existe também a possibilidade, se você conseguir, de trabalhar com pequenos anúncios (ótimo reforço orçamentário) que podem ser colocados em cartazes sobre a mesa de referência e balcão de empréstimo, nas estantes, entre os livros ou, ainda, preceder atendimentos por telefone: "As pesquisas lhe estão trazendo dor de cabeça? Procure a farmácia do Zezinho, em frente à biblioteca. Preços baixos e bom atendimento. Descontos especiais para usuários da biblioteca".

Um modelo de atendimento como esse facilitará e muito os trabalhos. Será utilizada uma pequena parte do acervo, evitando-se assim, longas caminhadas (lógico que a preocupação é com os bibliotecários) por entre as estantes. Alguns livros podem ser selecionados como básicos e servirão para atender 95% das questões formuladas. Os outros 5%... bom... sei lá... dá-se um jeito; o número de usuários, claro, diminuirá, possibilitando a liberação de bibliotecários para trabalhos internos mais importantes; como os livros estão normalmente fora de ordem nas estantes, e o "olhômetro" é o método mais utilizado na sua localização, quando se trabalha com único assunto fica mais fácil a procura, pois são poucas as estantes que armazenam materiais para a pesquisa.

Por que não implantar essa ideia? Afinal, estamos sempre importando modelos, xerocando ideias, "escaneando" propostas de outras áreas sem as adequadas adaptações e, em muitos casos, sem trazer nenhum resultado concreto. Essa proposta, apesar de oriunda de outras searas, permitirá, pelo menos, uma proximidade maior com o modelo dos meios de comunicação de massa, com o qual, já visto anteriormente, os usuários estão muito mais afeitos.

Deixando de lado a brincadeira (lembrando que, no fundo, a coisa é muito séria), é necessário reconhecer que não é fácil democratizar a informação, principalmente quando não existem receitas prontas. Pensei em apresentar algumas ideias básicas, oferecer alguns conselhos, mas, como é reconhecido por todos, não são eles, os conselhos, sempre bem-vindos. Mesmo correndo o risco de causar insatisfações, mas desejando contribuir para a amenização do problema, relembro um antigo e conhecido ditado: A sua democracia acaba quando começa a do outro". Pode ser um bordão, mas tem lá suas qualidades. Você está dizendo que esse ditado foi empregado erroneamente? Que é liberdade e não democracia a palavra que deveria ser utilizada? Bom, neste caso a coisa se complica. Talvez o melhor seja assumirmos, de uma vez por todas, que a biblioteca existe em função, por causa do usuário; que todos os trabalhos devem estar voltados para ele; que a biblioteca simplesmente não existe sem ele. É possível que imbuídos por essas ideias, a democratização da informação possa ser melhor visualizada, melhor entendida, melhor compreendida e, em consequência, melhor implantada.

Os bibliotecários estão nas bibliotecas fazendo o melhor que podem. Estão conscientes de vários problemas que precisam ser enfrentados (apesar de, quase sempre, imaginarem que tais problemas são resolvidos exclusivamente no âmbito e nos espaços das bibliotecas). Mais: estão com disposição e boa vontade para que os usuários sintam a biblioteca muito mais do que um local para pesquisas e leituras. Esse talvez seja um dos principais problemas da biblioteca: a boa vontade dos bibliotecários. Muitas vezes, quando solicitados a opinar sobre os trabalhos desenvolvidos por uma determinada biblioteca, os usuários (e muitos bibliotecários também) enfatizam a existência de uma grande boa vontade por parte dos bibliotecários. Depois, lembram a falta de verba, o número escasso de funcionários, a precária condição das instalações, a desatualização do acervo, o local inapropriado em que foi construído o prédio que abriga a biblioteca, etc., etc. etc. Insistem na boa vontade dos bibliotecários e, só aí, começam a criticar os trabalhos e serviços oferecidos. Os usuários fazem suas críticas, mas, antes, livram a barra do bibliotecário, isentando-o de culpa pela situação das bibliotecas.

De boa vontade o inferno está cheio. Melhor dizendo: as bibliotecas estão cheias. Mas, adianta pouco apenas a boa vontade, é preciso mais, principalmente competência. Sem competência, a boa vontade que vá para o inferno (outra vez? Xô, satanás). Estar repleto de boa vontade não resulta, necessariamente (e quase nunca), em algo que de fato atinja as necessidades dos usuários. A boa vontade precisa estar associada à competência.

Você pergunta se estou dizendo que o bibliotecário não é competente. Não, estou dizendo que muitos bibliotecários não são competentes (não todos, mas, quem sabe, uma boa parte deles); estou dizendo que muitos bibliotecários se satisfazem apenas com a própria boa vontade; estou dizendo que muitos bibliotecários acreditam que as informações que obtiveram durante o curso de Biblioteconomia são suficientes para suprir suas necessidades de trabalho para o resto da vida; estou dizendo que muitos bibliotecários não procuram a atualização, não procuram conhecer o que há de novo na área; estou dizendo que muitos bibliotecários reclamam demais, impingindo apenas aos usuários e ao Estado, o estado (desculpe) calamitoso em que se encontra uma grande parcela das bibliotecas; estou dizendo que muitos bibliotecários precisam deixar seus pequenos espaços e procurar uma relação maior com seus pares e com a sociedade; estou dizendo, sim, que muitos bibliotecários são incompetentes.

Democratização da informação, espaço da biblioteca, acervo, modelo de comunicação, boa vontade, competência... Acho que está faltando alguma coisa... Com certeza está faltando alguma coisa. Quem sabe não seria conveniente acrescentar a esses itens, os usuários e seus direitos?

NOTAS

(1) Cliente? Como é que nós temos coragem de chamar de cliente um coitado de um cidadão que, na biblioteca, é tão menosprezado e mal atendido? Teixeira Coelho inicia uma palestra comparando o atendimento recebido no balcão da TAM com o recebido na maioria das bibliotecas. Desnecessário identificar qual o que ele considerou realmente sendo um atendimento.

(2) Você vai encontrar essas afirmações, algumas explícitas outras nem tanto, em diversas passagens do livro do Grogan lançado aqui no Brasil. Veja referência no final do Texto.

(3) Serviços? O que ou quais os serviços oferecidos? Poucas são as bibliotecas públicas que escapam do velho dueto: empréstimo e consulta. Em algumas, não é ousado dizer, os “serviços”, de dueto se resumem a um solo. Pense, caro leitor: quantas bibliotecas públicas você conhece que, efetivamente, disponibilizam ao público serviços diferentes desses?

(4) O melhor não é procurar outros “canais” de televisão, mas outros “canais” de comunicação, não é mesmo?

 

Bibliografia

ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Paradigmas e paradigmas: reflexões para ampliar a discussão. In: SIMPÓSIO BRASIL-SUL DE INFORMAÇÃO, 1., 1996. Londrina. Anais... Londrina: UEL, 1996. 324p. p.233-240.

GROGAN, Denis. A prática do serviço de referência. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 1995.

 

(Publicado originalmente em: PALAVRA-CHAVE, n.10, p.12-16, abr. 1998)

Autor: Oswaldo Francisco de Almeida Júnior

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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.