A SAUDADE
A saudade é salgada,
salga a doce ilusão,
despedaça a esperança,
mas vive da espera.
Incerta, a saudade
cogita, agita, se
manifesta. Faz festa
do que passou.
Vive do olhar distante,
do alienar-se,
do alijar-se do mundo.
Comunga e se alimenta
da vida, dos momentos,
do resgate, da afetividade,
do emocional, do sentimento.
Sem isso, a saudade é morta.
A saudade camufla,
traveste, mascara,
fantasia.
Infla o que se perdeu
com nosso próprio sopro,
nosso próprio ar.
Areja o inconsciente,
mas por pouco tempo:
logo o que emergiu
retorna a ocupar
o mesmo e escuro
espaço.
Espera um descuido
para voltar ao periódico
e constante domínio.
A saudade são demônios
que se sustentam
nas asas dos anjos
caídos; que queimam
corações, relógios e
calendários.
A saudade são anjos
em penitência,
sobrevoando o limbo
da memória e resgatando
momentos isentos de
pecados.
A saudade
abandona a realidade.
Grita no escuro por
algo que já foi.
Do ido, doído,
se recorda. Dá corda
ao não acordado.
Presenteia o passado.
A saudade é sina.
Assina, registra e estampa
o que eu queria esquecer.
Recorda o que eu esqueci.
Relembra o guardado,
aquilo que sempre lembro.
É assassina a saudade:
mata a verdade em nome da
lembrança, em nome de algo
que não houve – ou que
não mais ouve.
A saudade é como um lenço
seco que já foi molhado;
uma pequena foto que já foi um afresco;
maldade de algo que não sei se foi bom.
A saudade saúda a doença para lembrar
da saúde; saúda o cabelo branco para
lembrar da criança; recria a esperança
do inexorável impossível.
A saudade é nossa perdição. Perde-se
nos escaninhos da história;
refrata a realidade;
trai a memória;
molda o acontecido;
preserva só o que quer.
Apesar de tudo,
é impossível viver sem
saudade.
Sem saudade,
teríamos saudade
da saudade.
Julho/2013