BIBLIOCONTOS


A ENCICLOPÉDIA

A bibliotecária fora empossada no cargo, para trabalhar na biblioteca da Procuradoria. A profissional conquistara a vaga em concurso recente e concorrido, fato que lhe enchia de orgulho, além do entusiasmo que todo iniciante na função tem.

Estava alocada em uma biblioteca tradicional e formal, mas não lhe importava, era a sua biblioteca. A responsável pela sua acolhida lhe repassou os manuais e normas existentes para o funcionamento do serviço. 

Toda a rotina estava, agora, sob a sua responsabilidade. Recebeu, porém, uma orientação especial sobre o atual procurador chefe, ao qual a biblioteca estava subordinada. Ele havia baixado uma norma interna controlando todo empréstimo e, assim, nenhum material poderia sair sem a assinatura do solicitante.

Passados uns poucos dias de sua chegada e, ainda inebriada com a atividade, uma primeira demanda se apresenta. Adentra à biblioteca a secretária do procurador-chefe, que solicita o empréstimo da enciclopédia.

A bibliotecária olha o pedido e questiona a secretária se a solicitação estava correta. Solicita-se todos os exemplares, cerca de 250 volumes. Provavelmente, o procurador desejava um determinado volume ou verbete.

A secretária apesar de, inicialmente, discordar da bibliotecária, achou que ela até teria razão, eram muitos volumes, e o chefe poderia ter se enganado no encaminhamento do pedido.

No outro dia, a secretária retorna com o mesmo pedido, havia confirmado que o procurador solicitara mesmo todos os volumes da enciclopédia. 

A bibliotecária questiona, a secretária diz que ele quer todos, todos os volumes e, ainda, indaga se a bibliotecária iria levar o material, ao que teve como resposta: “eu não, afinal a secretária é você eu só facilito o acesso”. 

A secretária ia fazer a réplica quando a bibliotecária observou que segundo norma do próprio procurador, o empréstimo só ocorreria com o responsável assinando os empréstimos de cada material.

A secretária recuou na argumentação e sentiu que não teria mão esmaltada suficiente para exercitar sua assinatura. Retornou após uma hora com um exército de contínuos para assinar a saída do material, e seu transporte até a sala do procurador.

Durante a noite a bibliotecária descobre o motivo do empréstimo. Ao assistir o noticiário noturno, pela TV, ela assiste a entrevista dada pelo procurador. Reconhece, ao fundo do cenário, as capas dos volumes da enciclopédia. Os volumes haviam servidos como um cenário de luxo.

Afinal, nem sempre o conteúdo é considerado de valor pelo usuário, já o suporte físico pode ter vários empregos. Inclusive demonstrar cultura.

Autor: Fernando Modesto

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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.