COTIDIANO INFORMACIONAL


INFORMAÇÃO E COTIDIANO

Aqui, assumo o desafio de falar sobre informação e cotidiano. Dois temas que têm despertado meu interesse desde que ingressei na universidade. Talvez, a pergunta oculta que oriente minhas leituras, as disciplinas que ministro e até as pesquisas que realizo seja: como a informação se faz presente em nosso cotidiano, alterando nossos comportamentos, ações, sentimentos, relações de trabalho e tantas outras coisas? Muito se fala em “sociedade da informação” e “sociedade do conhecimento”, no entanto, pouco se problematiza – pelo menos, na minha percepção – como a informação afeta nossas vidas e como a afetamos. Com frequência, a informação é tomada como algo a parte, remetendo a um objeto externo, coercitivo e geral (como pensava Durkheim acerca do “fato social”). E esta não é minha intenção, pois busco chamar atenção para a relação dupla, ambígua e paradoxal que se estabelece entre nossas experiências e os atos informativos que desenvolvemos diariamente, tentando “sentir” como um penetra o outro.

 

Ao abordar essa relação, lembro de um livro de Michel Maffesoli, no qual o sociólogo defende a existência de uma “razão sensível” imprescindível para se buscar interpretar o mundo contemporâneo. Duas palavras, aparentemente antagônicas, responsáveis pelo modo como durante séculos foi baseada nossa concepção de ciência: racionalidade e sensibilidade. Tais palavras dificilmente poderiam ser conjugadas, por exemplo, em meados do século XIX e início do século XX, momento em que a sociologia começa a reivindicar o seu status de ciência. Dizem os “manuais” que várias mudanças contribuíram para o surgimento da disciplina, influenciada, sobretudo, pelo advento da modernidade.

 

De modo similar, a ciência da informação surge em um contexto marcado por grandes mudanças. Contudo, se tomarmos o seu nascimento como resultado do pós-guerra, temos uma ciência voltada diretamente para questões tecnológicas, com um viés mais “objetivo”, digamos assim. Se retrocedermos um pouco até às contribuições de Otlet e La Fontaine, indo até a documentação europeia, já temos uma ciência de cunho humanista, com forte herança pacifista e influenciada pelas “temáticas sociais” da biblioteconomia. Tanto uma narrativa como outra – que, juntas, compõem o “mito fundador” da área – tomam a informação como objeto de estudo, porém diferem no modo como a definem.

 

A partir daqui, muito provavelmente, possa começar a fazer sentido para o leitor o meu esforço em eleger a informação e o cotidiano como temas desta coluna. Através deles podemos pensar diferentes áreas da ciência da informação. Como um portal, muito comum em filme de ficção científica, podemos adentrar nesse universo que, por ser banal, ou seja, “comum”, não costuma despertar nossa atenção, justamente por estarmos demasiadamente familiarizados com ele. Contudo, como nos ensina a antropologia, precisamos “estranhar o familiar”, e isto não é tarefa fácil. O “cotidiano informacional” se esconde na ordinariedade, estando “sutilmente” presente em áreas como a “gestão da informação”, a “arquitetura da informação”, os “estudos de usuários”, a “mediação”, a “representação”, a “recuperação” e várias outras que não estão citadas aqui como exemplo. O “sutilmente” alude ao sensível, pois tão importante quanto ver é sentir. É preciso perceber o que não está facilmente aparente, e por ser sutil pode-se mostrar extremamente revelador da estrutura de nossa sociedade e, principalmente, dos sentidos que conferimos à informação, bem como dos sentidos que a informação confere à vida contemporânea.

 

Trata-se, portanto, de um exercício de contemplação. Um olhar ausente de pressa, sem a obrigatoriedade do expediente acadêmico, livre dos atropelos que os fluxos de informação reivindicam. Ordem e caos; objetividade e subjetividade; informação e desinformação; conhecimento e desconhecimento; homem e máquina; sociedade e indivíduo são palavras que remetem ao dualismo cartesiano e bastante presentes em nosso modo de olhar o mundo, no entanto, praticar uma “razão sensível” é deter-se às escalas infinitesimais e nada absolutas que existem, por exemplo, entre duas coordenadas do plano cartesiano; dito de outra forma, é conjugar as ambivalências.

 

Lanço algumas questões que podem guiar nosso pensamento acerca do cotidiano e, quem sabe, oriente também a escrita dos próximos textos desta coluna sobre como a informação afeta nossa experiência. O que informa a cidade? O que informa a pintura? O que informa a música? O que informa o cinema? O que informa a fotografia? Quem nos informa sobre saúde ou doença? O que informa o trabalho? O que informa o amor? O que informa a política? O que informa o lazer? O que informa a violência? O que informa a escola? O que informa a religião? Enfim, são maneiras de observar a presença da informação no mundo à nossa volta. Ou seja, de tentar perceber como estamos imersos num “mundo informacional” que cada vez mais nos absorve sem alertas prévios.

 

É sim um exercício de leitura, logo, também, de interpretação. Teórico e prático ao mesmo tempo, no qual se deve usar diferentes lentes, trocando-as conforme novas luzes são lançadas sobre nosso olhar. Transversalidade é uma palavra boa para descrever esse empreendimento, que nos direciona da objetividade da “teoria da informação” para a subjetividade das práticas cotidianas dos atores, chamando atenção para o que fazemos com a informação, sem esquecer o outro lado da moeda, que se refere ao que a informação faz conosco, num elogio da loucura dos entremeios.

 

Portanto, o empenho desta coluna é tratar dos aspectos sócio-antropológicos da chamada “sociedade da informação” – ou, melhor dizendo, do nosso cotidiano informacional –, já que diariamente somos perturbados e sensibilizados pelos mais variados tipos de informação, provindos das mais diferentes fontes e meios e que produzem inusitadas ações e reações. Somos, ao mesmo tempo, observadores e participantes desta realidade, cabendo-nos, assim, interpretar as “teias de significado” presentes nos eventos, rituais, dramas e performances informativas.


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JEFFERSON VERAS NUNES

Mestre em Sociologia pela UFC, doutor em Ciência da Informação pela UNESP e professor do Departamento de Ciência da Informação da UFC