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NO BRASIL, 7X1 NÃO É MODELO DE FICHA, MAS DE FICHINHA

O futebol é uma paixão nacional. O futebol é a nossa frustação nacional. O dia 08 de julho de 2014 foi um dia marcado por uma “(im)previsível” surpresa, e de real amargor. Ao ler as manchetes dos diários, no dia seguinte, foi como aplicação da modelagem do FRBR, ou seja, uma obra alemã expressa em diferentes idiomas e manifestações.

 

Brasil 1, Alemanha 7 – Filme de terror em 90 minutos, na sessão da tarde. Uma tragédia teatral, se não fosse realidade.

 

Foi algo de difícil entendimento, como os exercícios de aplicação das tabelas auxiliares da CDU. O duro não é enfrentar a derrota, mas o vexame. E a seleção brasileira de futebol protagonizou o maior vexame da sua história. A pior derrota de um anfitrião desde que o Mundial começou a ser disputado, em 1930.

 

Perder é do jogo, mas o vexame e a humilhação para o que é cultuado como patrimônio cultural, gera uma sensação dolorosa. Se antes a ilusão incentivava o canto único e limitado: “Sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor...”, a realidade nos lembra que “Sou brasileiro de orgulho ferido, com muita dor”. Aliás, perdemos até no canto esportivo, ademais o desempenho do “escrete” brasileiro fez lembrar uma música adequada para a ocasião, composta por Luiz Américo, Camisa Dez (algo que faltou ao time), e na letra pode-se substituir o nome do Zagalo pelo de Felipão, Parreira ou Mutosa:

 

“Desculpe seu Zagalo / Mexe nesse time que tá muito fraco / Levaram uma flecha, esqueceram o arco / Botaram muito fogo e sopraram o furacão / Que nem saiu do chão / Desculpe seu Zagalo / Puseram uma palhinha na sua fogueira / E se não fosse a força desse pau pereira / Comiam um frango assado lá na jaula do leão / Mas não tem nada não! / Cuidado seu Zagalo / O garoto do parque está muito nervoso / E nesse meio campo fica perigoso / Parece que desliza nesse vai não vai / Quando não cai / É camisa dez da seleção, laia, laia, laia (bis) / Dez é a camisa dele, quem é que vai no lugar dele (bis).”

 

A paixão pelo futebol sobreviverá ao pesadelo do 8 de julho, já o vexame é inesquecível e está documentado. É um registro imaterial, material, audiovisual, digital. Um registro, ainda que esquecido da memória das futuras gerações, terá seus metadados registrados em catálogos e repositórios digitais. Certamente, teses irão brotar discutindo o modelo de gestão do futebol brasileiro, a cultura e a sociologia envolvidas. Para os bibliotecários, amantes do futebol, será uma chateação indexar esse assunto, e pior ter a certeza que nada muda com o erro cometido. Tanto não muda, que contra a Seleção Holandesa, ratificamos a incompetência, levamos mais três na conta. A fatura final ficou em 10. É de se perguntar para os times da Alemanha e da Holanda, se eles irão querer o CPF na nota.

 

Se fosse na época do catálogo impresso, seria irônico ao catalogador pegar uma ficha de 7X12, para descrever um time de 7X1 ou 10X1, esse time é uma fichinha diante dos outros. Mas faz parte dos ossos do oficio. O problema que a ficha caiu para os bibliotecários e torcedores, menos para os dirigentes.

 

O futuro é sempre desconhecido e o construímos a partir das ações e informações do presente. Já, o passado é imutável, um registro inalterado dos fatos, e que não pode e não deveria ser desconhecido. Passaram-se 64 anos desde o trauma do Maracanã, em 1950. O que foi uma fatalidade, na primeira copa realizada no Brasil, literalmente a história teimou em repetir na segunda, só que mais trágica, escancarando a incompetência e a ausência de planejamento tático. Tragédia maior aos que desconhecem sua própria história. E o desconhecimento é algo presente na equipe brasileira.

 

Na coletiva dada por alguns dos jogadores da seleção, quando indagados, por exemplo, sobre a Copa de 1950 e os fatos da época, a resposta era evasiva, como: “ouvi falar alguma coisa” ou “não sei bem”.

 

Um fato comum entre jogadores brasileiros de futebol e, também, entre outros profissionais, o desconhecimento da história, até básica, de sua própria profissão. No Brasil, a estrutura do futebol é uma amostra da própria sociedade. Jogadores malformados técnica e culturalmente. Desinformados da arte que deveriam dominar com os pés e, principalmente, com a cabeça.

 

Se formos comparar a escola futebolística brasileira com a escola futebolística alemã, haverá disparidades. Segundo André Luís Parreira, que no artigo “A goleada para a Alemanha” (Folha de São Paulo, 09/07/2014, p. A3), destacou que em 26 de junho, aproveitando o ritmo da Copa, foi sancionado pela Presidência da República o Plano Nacional de Educação (PNE). A meta destacada, embora não a mais relevante, foi o destinar 10% do PIB (Produto Interno Bruto) à educação em dez anos. Hoje, são investidos 6,4%.

 

Ainda segundo o autor, felizmente, há outras metas previstas no PNE, pois somente esse aumento do investimento, ainda que significativo, não será suficiente par alcançarmos placares de patamar alemão ou de qualquer outro país que seja destaque educacional. Proporcionalmente, destinar 10% do PIB à educação faria o investimento médio por estudante saltar de aproximadamente US$2.900/ano para cerca de US$4.500, o que ainda fica muito aquém dos US$10 mil/ano investidos pela Alemanha.

 

No Brasil, a educação, como o futebol não é apenas um problema de recurso financeiro, mas de gestão com planejamento. As políticas públicas valorizam apenas o possuir, e nada sobre a utilização efetiva. É o caso da promoção das salas de leitura, empilhadas de livros, ao invés de bibliotecas escolares dotadas de sistema de informação orientado sob programa de competência informacional, com gerenciamento especializado, e não com improvisação de pessoal inadequado.

 

Assim, a metáfora do futebol brasileiro atual, 7 a 1 da Alemanha e os 3 a 0 da Holanda, nos alertam para melhorarmos nossos indicadores, pois perdemos na base. Oxalá possamos tentar ser, como nossos algozes, um país da saúde, da educação, da segurança, da equidade social, bem como, de bibliotecas (escolares, públicas, e universitárias). Deixar de ser um time de sonhos, para um time de meta. Time de sonhos é individualista. Time de metas é coletivo, de planejamento e de conjunto.

 

Tostão em sua coluna “Derrota Histórica” (Folha de São Paulo, 9/7/14, p.9) comentou:

 

“Foi uma tragédia. Triste, muito triste, a maior derrota de toda a história da seleção brasileira. De consolo, quem sabe, sirva para que haja grandes mudanças, para valer, dentro e fora de campo, desde as categorias de base. É preciso haver uma mudança de conceito e diminuir a promíscua troca de favores, uma praga nacional, que assola o futebol e o país.”

 

O futebol brasileiro é um patrimônio cultural, por isso a lamuria, o choro coletivo. Mas também uma constatação, após mais de 100 anos da introdução do futebol no país, e das suas perdas e conquistas, só agora se iniciam a valorização e interesse pela construção de museus dedicados a esse esporte. E, em apenas alguns poucos, há um centro de documentação para resgatar e organizar a informação e conhecimento gerado. Esse é o caso do Museu do Futebol localizado no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, que possui uma Biblioteca. Porém, antes tarde do que nunca.

 

Diante do desastre, as palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade, ao tecer reflexão sobre o tema: Vitória x Derrota. Vencer e perder é o resumo do jogo que tanto encantou o Poeta em vida.

 

”Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo”.

 

Mas enfim, a Copa termina, e como diz o Poeta, em FOI-SE A COPA?

 

Foi-se a Copa? Não faz mal.

Adeus chutes e sistemas.

A gente pode, afinal,

cuidar de nossos problemas.

 

Faltou inflação de pontos?

Perdura inflação de fato.

Deixaremos de ser tontos

se chutarmos no alvo exato.

 

O povo, noutro torneio,

havendo tenacidade,

ganhará, rijo, e de cheio,

a Copa da Liberdade.

           (Jornal do Brasil, 24/06/1978)

 

Agora começa o famigerado Brasileirão. Refiro-me as eleições, um campeonato eleitoral de desinformação e promessas não cumpridas. Assim, a bela pátria segue perdida, disputada pelas mãos de treinadores sem a competência dos estadistas.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.