LITERATURA INFANTOJUVENIL


HISTÓRIA DE DUAS BIBLIOTECÁRIAS EM BUSCA DE LEITORES: REALIDADE, VIVÊNCIA E ESPERANÇAS...

Ana Lúcia Antunes de Oliveira Bicheri

Sueli Bortolin

 

Este texto, para maior naturalidade dos nossos fazeres na biblioteca, foi construído em uma narrativa oral. Ele foca o bibliotecário atuando no ambiente escolar em prol da leitura. Ele relata diferentes trabalhos destinados à formação de leitores desenvolvidos entre 1981 e 2004, nos espaços de uma biblioteca de instituição de ensino particular e do Serviço Social do Comércio, ambos na cidade de Londrina.

 

Avaliamos que esse tempo é um tanto quanto distante, mas como ainda hoje há realidades frustrantes nas bibliotecas escolares o objetivo é, por meio desse relato de experiência, apontar caminhos a quem opta por esta inebriante área da Biblioteconomia.

 

Com o objetivo de tornar nosso texto descontraído, dispensamos ares e caras sisudas (por que isso é necessário ao se falar de leitura?). Além disso, queremos demonstrar quanto nossa experiência foi prazerosa e propiciou felicidade aos nossos mediandos; assim optamos em utilizar a cor azul, que Ana gosta, para indicar as memórias dela e a cor vermelha, que a Sueli gosta, para apresentar suas recordações. A forma de construir esse texto dará, propositadamente, ao leitor a liberdade de ler como quiser, por exemplo, ele poderá ler primeiramente os trechos em azul e posteriormente os trechos em vermelho, ou, se quiser participar de uma ciranda, se embolar entre as duas falas.

 

Esperamos conseguir demonstrar nossa paixão pelo Ser Humano, pela biblioteca, pela literatura e consequentemente pela nossa profissão.

 

Começo minha carreira profissional no SESC/Londrina em julho de 1981, um mês antes da minha colação de grau. Nessa instituição tive total liberdade de soltar a imaginação e de inventar e realizar incontáveis atividades.

 

No mês de março de 1987 iniciei minhas atividades em uma biblioteca que existia desde a década de 70, porém era coordenada por uma auxiliar administrativa da escola.

 

No SESC já havia uma bibliotecária também formada pela Universidade Estadual de Londrina e dela sempre recebi muito incentivo para trabalhar com a formação de leitores.

 

Naquela época ter bibliotecário na escola era uma novidade. Os cartazes que estavam nas paredes da biblioteca continham as seguintes mensagens: (1) Silêncio! (2) Na biblioteca não se conversa. Na biblioteca não se toma lanche. Na biblioteca não se fica na janela. Não... não... não ... Isso me entristeceu, principalmente porque havia trabalhado cinco anos e meio em uma biblioteca especializada e ao sair de lá recebi o seguinte conselho: ao chegar em seu novo trabalho não se preocupe tanto com o serviço técnico, procure antes conhecer e cativar seus usuários. A organização você fará com o tempo... Hoje sei quão sábias eram tais palavras.

 

A biblioteca do SESC ficava no primeiro piso e tinha vidraças que eram a nossa vitrine, nela comunicávamos nossas ações e mediávamos a literatura, a cultura e a informação.

 

Com autorização da orientadora pedagógica tirei todos os cartazes das paredes e os substituí por outros bem coloridos, com personagens da literatura infantil que faziam sucesso na época.

 

Nessa unidade do SESC existiam dois níveis de ensino formal, a Educação Infantil (chamada de Recreação Infantil) e o Ensino Supletivo (na época 5ª. a 8ª. séries).

 

No início, infelizmente todos os dias, apareceram alunos para ficar “de castigo” na biblioteca e a orientação que recebi era para deixá-los sentados em mesas separadas e proibi-los de conversar, caso coincidisse chegar mais de um aluno no mesmo horário.

 

Com as crianças pequenas, a maioria, não alfabetizada, foi mais fácil, pois eu havia trabalhado como professora numa escola particular, onde narrava ou lia histórias todos os dias. Porém com os alunos do Supletivo precisei estudar e planejar ações que os levassem a ler.

 

Meu sentimento na época foi de um desafio constante. Comecei a distribuir o tempo entre organização do acervo e aproximação dos usuários. Comecei pelos livros de literatura (o acervo de clássicos da literatura era muito bom), já os livros de literatura infantil eram em número reduzido e a direção autorizou aquisições mensais.

 

Todo tratamento dos livros eram realizados por bibliotecários locados no Departamento Regional em Curitiba, portanto vinham prontos e nós tínhamos todo o tempo disponível para promover a leitura.

 

Paralelamente li a respeito da área educacional e do desenvolvimento de leitores para participar e entender melhor a dinâmica dos professores. Eu precisava de tais leituras, pois não havia estudado isso durante a graduação de Biblioteconomia.

 

Trazíamos diferentes grupos para dentro da biblioteca do SESC, e ela tornava-se cada vez mais ruidosa, isso nos deixava feliz.

 

Depois de um tempo, silêncio absoluto era uma coisa que não existia mais naquela biblioteca escolar. Queríamos ir além do simples ato de emprestar livros, pois isso não queria dizer que os alunos estavam realmente se tornando leitores. Eu queria ter mais tempo para conversar com alunos e professores e tentar chegar também aos leitores potenciais. Preocupava-me com alunos que emprestavam livros por emprestar, mas na verdade não liam.

 

Sabíamos que a solução era realizar diferentes atividades que aproximasse da leitura o leitor-aluno matriculado no SESC e perseguimos essa meta.

 

Mas como fazer com que a leitura aconteça realmente e de forma prazerosa? Como trabalhar com professores que não são leitores? E com alunos que estão saindo da escola e ainda não são leitores? Sonhava com aqueles alunos lendo independente do tipo, espaço e momento da leitura.

 

Outra certeza que tínhamos era de que, em especial, com os alunos do Supletivo, as sugestões de leitura deveriam ser dosadas, visto que a maioria deles havia ficado muito anos sem frequentar uma escola. Então utilizávamos preferencialmente crônicas, poesias, charges e quadrinhos.

 

Já conhecedora dos tipos de leitura e motivos que levam a criança a ler comecei a intervir com outras atividades. Expus minha rica coleção de selos na biblioteca. Espalhei cartazes pelo colégio falando de filatelia e convidando os alunos para ver a coleção e ao colecionador para formar um grupo de filatelistas na escola. Ainda era um tempo em que as pessoas se comunicavam bastante por meio de cartas e por isso tal atitude chamou a atenção de um número significativo de alunos. Com isso chegaram mais leitores potenciais, que se dedicaram mais a leitura neste momento devido a sua curiosidade em saber como classificar os selos, suas origens, a forma ideal de organizá-los, o valor deles na coleção, entre outras dúvidas.

 

Esse foi o começo da nossa vida profissional e longe de desanimarmos, nos tornávamos cada vez mais interessadas pelo nosso trabalho.

 

Assim, na ânsia de participar das vidas dos alunos no sentido de levá-los a ler sempre, realizamos incontáveis atividades entre elas as incluídas no quadro a seguir:

 

Atividade

Descrição

Banca de Troca de gibis

Visando diversificar a leitura dos alunos a banca de troca de gibis pode ser realizada com muita facilidade.

Bate papo com autores e ilustradores

Percebemos que em virtude dos custos para deslocar autores, ilustradores, adaptadores de obras, essa atividade está cada vez mais escassa, mas em Londrina, desde a década de 80, há um movimento de promover essa atividade.  Citamos a vinda do Ziraldo, Eva Furnari, Liliana Iaccoca, Marcos Rey, Rogerio Borges, Luis Camargo, Carlos Queiroz Teles etc.

Caixa-estante de livros e revistas

Essa atividade pode ser desenvolvida da seguinte forma: 1 caixas com 30 livros, 5 revistas e 5 gibis que são enviadas para cada sala de aula e trocadas mensalmente. Vale destacar que os títulos das caixas são diferentes dos disponíveis para empréstimo na biblioteca.

Campanhas educativas

A região em que está localizada a escola exige a realização de atividades específicas, apenas com exemplo, podemos citar: SOS, precisamos de ajuda! Dengue fora daqui! Vacina ninguém pode ficar sem ela! No âmbito da biblioteca e para ajudar na preservação dos livros, pode-se expor os livros danificados e capas de livros sumidos da biblioteca com frases relacionadas ao problema.

Discussão de temas sociais

Um exemplo de iniciativa que provocou muita polêmica foi: Privatização da “Vale do Rio Doce” com exposição de artigos de jornais e revistas. Cartazes espalhados pela escola com a frase: Privatização da Vale do Rio Doce: você é contra ou a favor? Informe-se na biblioteca.

Efemérides: Semana do Folclore, Semana Nacional do Livro e da Biblioteca, Semana da Criança, Dia Internacional do Livro Infantil, Dia Nacional do Livro Infantil e outras.

Baseadas em datas comemorativas realiza-se atividades como forma de propagação das mesmas. Exemplo: Elaboração com os alunos de cartazes, livros e demais itens de informação na respectiva temática.

Exibição de filmes

Cada vez mais os filmes estão disponibilizados na internet, mas a exibição pública abre para o leitor a possibilidade de discutir biografias de autores, ilustradores e ainda diversas temáticas.

Exposição de Trabalhos

Com a autorização dos alunos, colocar em exposição as pesquisas realizadas pelos alunos com a orientação do professor.

Exposições Temáticas

Poderão tratar de temas diversificados como: direito autoral, obras raras, campanhas, pesquisas científicas, vestibular, Academia Brasileira de Letras, Biblioteca Nacional, Correios etc.

Hora da história, Hora do conto, Narrativas de histórias, Sessão de histórias

A hora do conto na biblioteca também surte bons resultados. Ela não deve ser realizada apenas pelos funcionários da biblioteca, mas também pelos professores, alunos de diferentes faixas etárias. Para essa atividade poderão ser utilizados livros, bonecos, fantoches, dedoches, mas o principal elemento é a voz. Uma variante dessa atividade é a “História em capítulos”, isto é, aquela que é contada aos alunos em etapas (partes) a fim de despertar o interesse e a curiosidade da turma.

Livro Gigante

Essa atividade poderá ser a reprodução (com autorização da editora e autor) ou criação de um livro construído em diferentes tamanhos. Um exemplo aconteceu em 1988 em Londrina, quando foi ampliado no tamanho de 1,80x 2,00m o livro sem texto “Ida e Volta” do Juarez Machado.

Mostra Itinerante - obra e vida do autor e de personalidades importantes

Escolhida por alunos ou pelos profissionais esse tipo de mostra coloca em evidência os autores, podendo ser composta de livros, fotografias, biografia, objetos, cópia do boletim escolar do autor, distribuição de folhetos com poemas, filmes, ilustrações, palestra de especialistas, fãs, colecionadores.

Oficina de Ilustração

Sem mostrar para os alunos a ilustração de um livro, o bibliotecário poderá propor, após a leitura do texto, que eles façam a sua ilustração. Não é necessário apresentar o livro original, mas se eles se interessarem, deve-se evitar fazer comparações.

Oficinas de Texto

Essas oficinas atenderão os seus

objetivos, entre eles produção de poesia quadrinhas, redação, peça teatral, novela; nela o profissional deverá valorizar primeiramente a criatividade e o espírito crítico e não apenas a correção gramatical.

Painel Temático

“Uma breve história do livro” Exposição da evolução do livro ao longo da história  (do papiro aos dias atuais).

Propaganda e divulgação de livros

Visando despertar nos alunos o interesse por determinada obra, pode-se propor ao aluno que ele faça, após a leitura, uma publicidade da mesma.

Reuniões de troca de experiência

A biblioteca deve ser um espaço para que diferentes profissionais se reúnam e façam discussões. Entre eles, podemos citar: os poetas, os bibliotecários, professores, membros da associação de pais e mestres.

Sarau de poesia

É a exposição e/ou a declamação de poesias escritas por alunos, que poderão ser publicadas em livros espiralados ou não. Vale destacar que os alunos deverão ser consultados se querem ver suas poesias expostas ou não.

Surpresas literárias

Para disseminar determinado gênero literário e curiosidades, pode-se espalhar dentro e fora da biblioteca trechos de livros, de artigos, de poesias, provérbios, adivinhas e pensamentos.

Troca de Correspondência

Estimular a comunicação entre alunos da mesma turma, de outras escolas, com escritores, ilustradores, políticos e outras pessoas que eles desejarem.

 

Esse relato nos deu saudade quando conseguimos reunir os bibliotecários (todos os gêneros de bibliotecas) para realizar eventos em conjunto. Durante muitos anos, promovemos a Semana Nacional do Livro e da Biblioteca com participação de várias instituições. Realizamos duas edições da Bienal do Livro de Londrina (1988 e 1990).

 

Saudosismo a parte destacamos, mesmo que de forma superficial, pois  infelizmente aqui não cabe uma descrição mais extensa, alguns projetos que participamos no decorrer dos anos, às vezes como realizadores outras como colaboradores: Projeto “Contos de fadas”, Projeto Memória: “Brincadeiras por um fio” (exposição de brinquedos feitos de arame relacionados às brincadeiras e sonhos da infância), Projeto Intergeracional (após uma exposição da autora Ruth Rocha uma mãe de aluno chegou à biblioteca procurando algo sobre a autora pois seu filho chegou em casa bombardeando-a com as questões: Mãe, você sabe quem é Ruth Rocha? Já leu Marcelo, marmelo, martelo? E o dono da bola?), “A trajetória do livro na biblioteca” (apresentação de todas as etapas que o livro passa desde que chega à biblioteca), Projeto “Quando eu era criança eu gostei de ler...” (afixado num painel a relação de livros que os professores e funcionários da escola mais gostaram de ler na infância), “Fala garoto(a)” (painel com declarações de alunos-leitores sobre experiências literárias, ele foi exposto em branco e cada aluno fez espontaneamente sua declaração).

 

Nesse trecho do nosso relato o leitor deve estar perguntando: e o resultado desse trabalho? É ingênuo pensar que é possível quantificar a mediação de leitura, então só temos uma forma de responder essa questão, incluindo aqui uma experiência da Ana Lúcia:

 

No ano de 2005, quando eu já não trabalhava mais na escola, uma noite, estava com meu esposo sentada à mesa de uma lanchonete quando um rapaz se aproximou, puxou uma cadeira e sentou-se, dizendo: Boa noite! Enquanto meu esposo e eu o olhávamos com espanto ele olhou para mim e continuou dizendo:

 

Meu nome é Luís Fernando. Acho que você não está se lembrando de mim, mas eu me lembro de você muito bem. Estudei no Colégio “X” por oito anos e me lembro com perfeição de sua atenção para comigo perguntando se eu havia lido o livro, se havia gostado da história, etc., etc., etc. Você indicou muitas leituras a mim e a meus colegas. Atualmente trabalho em uma multinacional na cidade de São Paulo e estou aqui a passeio. Gosto muito de ler e devo isso a você. Hoje, ao vê-la, não poderia perder a oportunidade de agradecê-la...

 

Manifestações como estas demostram que vale a pena lutar por nossos objetivos, mesmo que eles pareçam tão longe de serem alcançados.

 

Ao relatarmos algumas das nossas vivências como bibliotecárias em busca de leitores, procuramos não dar uma receita, mas apontar caminhos. Infelizmente no número de laudas desse trabalho não cabe outras narrativas, visto que falar da “contribuição do bibliotecário na formação do leitor” é algo deveras extenso.

 

Diante da realidade brasileira, em que quase não existem bibliotecas escolares, alguém poderia dizer que isso só acontece em instituições que não são subsidiadas por órgãos estatais, no entanto, avaliamos que isso ajudou muito, mas o que impulsiona o movimento a favor da leitura é o envolvimento entre os bibliotecários e toda comunidade escolar. Um envolvimento com avanços e recuos, abarcando desde a preocupação com o espaço físico, o acervo, a busca de mais subsídios para uma melhor atuação e a integração com todos os membros da escola.

 

Nesse trajeto profissional trabalhamos bastante para conseguir alguns resultados, muitos deles negativos, mas não desistimos, pois sempre tivemos esperanças.

 

Nossas vidas tomaram outros rumos, a Ana Lúcia saiu da escola e foi para uma biblioteca universitária, a Sueli saiu do SESC e abriu e fechou a livraria “Maluquinha”, especializada em livros infantojuvenis.

 

Passados alguns anos criamos junto com alguns amigos a Ong Mundoquelê. Novamente nossos caminhos se cruzaram, quando fomos para a docência no curso de Biblioteconomia da Universidade Estadual de Londrina e lá contamos nossas experiências na formação de leitores. Atualmente somos membros do Grupo de Pesquisa - Interface: informação e conhecimento - que atualmente tem como projeto de pesquisa a temática - A Oralidade na Mediação da Informação, da Leitura e da Memória.

 

Para finalizar gostaríamos de dizer que os bibliotecários não são os únicos mediadores de leitura e que, na escola, temos que encontrar parceiros. Resta ainda revelar que nosso sonho é ver mais bibliotecários atuando em escolas conscientes da sua responsabilidade na formação de leitores, mesmo quando não contam com um vasto acervo, um sofisticado espaço ou grande número de funcionários. Desejamos que os bibliotecários não cruzem os braços, se queixando da realidade das bibliotecas escolares de nosso país, pois há muitos alunos dependendo das nossas iniciativas para se tornarem leitores.

 


   462 Leituras


Saiba Mais





Próximo Ítem

author image
SEMPRE É UMA SURPRESA ENCONTRAR MARINA
Maio/2014

Ítem Anterior

author image
AS COCADAS DE CORA CORALINA: UM CASO DE DESEJO X SUBMISSÃO
Fevereiro/2014



author image
SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.