PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: REDUCIONISMO ESQUEMÁTICO: UMA COISA QUE BIBLIOTECÁRIOS BRASILEIROS TAMBÉM FAZEM?

A partir do momento em que olhamos para as centenas de deliberações tomadas pelos profissionais bibliotecários brasileiros em seus Congressos, Seminários, Simpósios, Encontros e similares, cada vez mais tendemos ao convencimento de que há nisso a representação de uma prática de redução da realidade ‒ isto é, de tudo o que significa o mundo vivido dos portadores dessa profissão ‒ a esquemas. Nesse caso, o esquema se manifesta pela listagem das recomendações feitas à própria categoria profissional, suas entidades e ao mundo.

 

Parece que o esforço realizado com essa prática, que envolve desgaste emocional e consome grande quantidade de energia física e mental, exaure quase completamente toda a capacidade de realização dessas pessoas, quase sempre ficando o dito pelo somente dito e nem sempre bem dito.

 

Um observador atento e arguto, um psicanalista, um filósofo, certamente, ao se debruçar sobre esse fenômeno poderá construir explicações que reforçará a reflexão já feita por Nietzsche, em A Gaia Ciência (Edição de março de 1998, da Relógio D’Água Editores, Lisboa). Ali, no parágrafo 348, a propósito “Da proveniência dos sábios”, Nietzsche retrata o que sofrerá a descendência de escriturários e arquivistas que, na lógica daquele texto, creio também poderá ser incluída a descendência dos bibliotecários.

 

Diz o autor de Além do bem e do mau:

 

“Na Europa o sábio desenvolve-se em todo tipo de classes e condições sociais, como planta que não necessita de terreno específico: por isso ele pertence essencial e involuntariamente aos portadores do pensamento democrático. Mas esta proveniência deixa-se adivinhar. Se treinarmos o olhar um pouco para, de um livro erudito ou dissertação científica, podermos retirar a idiossincrasia intelectual do sábio ‒ todo o sábio a tem ‒ e apanhá-la em flagrante, então descobriremos quase sempre por trás dela a “pré-história” do sábio, a sua família, particularmente as profissões e ofícios desta. Onde se manifestar este sentimento: “isto está agora comprovado, posso arrumá-lo”, é geralmente o antepassado do sábio que se encontra no seu sangue e instinto, a aprovar, do seu ponto de vista, o “trabalho cumprido” ‒ a crença na prova é apenas um sintoma do que, numa espécie laboriosa, foi desde tempos remotos considerado um “bom trabalho”. Um exemplo: os filhos de qualquer espécie de arquivistas e escriturários, cuja tarefa principal foi sempre ordenar múltiplos materiais, distribuí-los por gavetas e, em geral, esquematizá-los, mostram, no caso de se tornarem sábios, uma pré-disposição para considerarem um problema quase solucionado, uma vez reduzido a um esquema.”

 

Evidentemente, não quero aqui neste texto curto apoiar nem contrariar o autor de Ecce Homo quanto aos efeitos da mente esquematizadora e reducionista de arquivistas, escriturários [e bibliotecários] sobre os seus descendentes tornados sábios. Quero focalizar mais a caracterização que o filósofo de O Anticristo dá para esses profissionais, isto é, “considerarem um problema quase solucionado, uma vez reduzido a um esquema”. Esse tipo de conduta, que os bibliotecários brasileiros parecem desenvolver em alto grau, faz com que mais fortemente que nos países com maior vida histórica própria ou herdada, se assimile pela categoria bibliotecária nacional tão rápida e devastadoramente todas as disposições mentais de redução do mundo vivido a esquemas técnicos, a listinhas de possibilidades, a programinhas e aplicativos alienantes, a destruição de potencial humano para encantar-se com a beleza do natural, etc.

 

Esse estado de certa leniência para com a vida que se diz: “deve ser vivida” gera pérolas do tipo: a multa financeira na biblioteca escolar, pública e universitária constitui ato pedagógico! O reducionismo dessa expressão, que vez ou outra algum bibliotecário sábio expressa e até defende em manifestações nas janelas eletrônicas, chamadas de redes sociais, provavelmente não representa a correção de uma má conduta do leitor, mas deveria ser discutida se não é uma má conduta ou uma deformação do caráter desse profissional.


   393 Leituras


Saiba Mais





Sem Próximos Ítens

Sem Ítens Anteriores



author image
FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB