BIBLIOTECONOMIA DIGITAL


NOVIDADES QUE SOPRAM DE CHICAGO

No período de 27 de junho a 2 de julho tive a oportunidade de participar pela segunda vez do Congresso anual da American Library Association (ALA). Considerada a maior e mais antiga associação de bibliotecas do mundo, a ALA foi fundada em 1876. Sua missão é promover a liderança pelo desenvolvimento, promoção e aprimoramento dos serviços de informações e bibliotecas e na profissão do bibliotecário, promovendo a formação e o aprendizado contínuo, garantindo o acesso à informação a todos. Com sede em Chicago, seu trabalho é organizado por comitês, divisões, escritórios e grupos de discussão, além de prover farto material para aprendizado através de publicações, seminários e cursos, presenciais ou virtuais. Seus encontros ocorrem em duas ocasiões: um congresso anual, no verão norte-americano, e um encontro no inverno, de proporções mais modestas.

 

Este congresso, tradicional no cenário da biblioteconomia internacional, tem alguns números impressionantes. A edição deste ano contou com 19.587 participantes bibliotecários norte-americanos e 650 bibliotecários estrangeiros representando diversos países de todos os continentes. Do Brasil estavam presentes apenas cinco participantes, sendo dois de Brasília, dois do Rio de Janeiro e eu representando São Paulo. Infelizmente não tive oportunidade de conhecer ou encontrar os demais participantes brasileiros. O evento conta com uma exposição gigantesca, que este ano contou com 6.125 expositores. A feira é um evento à parte, com fornecedores de diversos segmentos como sistemas para bibliotecas, soluções mobile, ferramentas de descobertas e metabuscadores, mobiliário (para bibliotecas públicas, infantis, universitárias), armazenamento de acervos (estantes, palets, robôs para arquivamento de documentos etc.), livreiros e editores (com uma infinidade de lançamentos de livros e seções de autógrafos acontecendo durante o evento), scanners e câmeras fotográficas para projetos de digitalização, representantes de universidades norte-americanas captando novos alunos para seus cursos, material de consumo para bibliotecas (etiquetas, pastas etc.), material de restauro, publicações técnicas etc., todos ofertando aos participantes uma grande quantidade e diversidade de brindes, que vão desde canetas e blocos de anotação até refeições (sim, refeições!), sorteio de passeios ou visitas, camisetas, sacolas, bottons, cartazes e qualquer outra coisa que a imaginação ousar cogitar. Nesta edição de 2013 o congresso contou com 1.251 apresentações de trabalhos, plenárias, discussões, seções, reuniões e demais atividades. Evidentemente não é possível assistir a todos os eventos, portanto é necessário fazer um recorte dos temas de maior interesse e abrir mão de apresentações que são interessantes, porém não prioritárias na agenda que é criada para acompanhar esta maratona. Este ano meus objetivos estavam voltados para dois temas: e-books – tema de minha pesquisa de mestrado – e RDA – o novo esquema de catalogação que tem assustado tantos bibliotecários. Além destas temáticas outras questões foram discutidas e pretendo aqui, mesmo que modestamente, fazer um relato do que de mais pertinente pude acompanhar, compartilhando estes dados com os leitores.

 

E-books

 

No ano passado este tema foi de alta pertinência no congresso ocorrido em Ananhein (CA), com apresentações e discussões sobre os modelos de negócios existentes, a disponibilização de e-books nas bibliotecas, os desafios em relação aos fornecedores (editores, distribuidores, agregadores de conteúdo e autores), as possibilidades que as bibliotecas estavam buscando para ofertar conteúdo digital a seus usuários, mesmo com as restrições e imposições do mercado editorial. Os temas discorridos variavam entre empréstimo de dispositivos para leitura digital (e-readers), até a aquisição e o acesso aos livros eletrônicos por bibliotecas universitárias, públicas e os desafios impostos a cada segmento ou tipo de biblioteca. A questão da auto publicação foi apresentada como uma tendência que poderia causar impactos nas bibliotecas, com os autores abrindo mão dos editores e lançando suas obras de forma independente, acarretando em obras mais baratas, porém cuja descoberta torna-se complexa. Em diversas reuniões estava presente a Sue Polanka, bibliotecária chefe da referência da Wright State University, autora das obras referenciais sobre o tema (No shelf required), que fez uma apresentação no SNBU em Gramado em 2012.

 

Este ano, o tema e-book não foi marcante no evento, com poucas apresentações de peso se comparado com o evento do ano anterior. Este fato decorre do mercado de e-books estar mais segmentado, principalmente no tocante às bibliotecas universitárias. A ALA continua atuando juntamente com os editores (com destaque em relação as Big Six) para negociar condições favoráveis às bibliotecas para uso de conteúdo digital, porém outros cenários têm sido aventados como a biblioteca ser uma criadora de conteúdo ou então ela ser um local para descoberta de obras, facultando ao usuário a decisão de compra (aquisição ou aluguel) diretamente com os fornecedores. Esta possibilidade pode representar a criação de um novo modelo de negócios, com a biblioteca dividindo com os usuários a indicação que existe uma obra que atende suas expectativas, porém a biblioteca não precisa ter esta obra em sua coleção. Este modelo, bastante controverso, poderia ser uma variação de outros modelos de negócios presentes em bibliotecas americanas como o STL (Short Term Loan, Pay per view ou Aquisição por prazo determinado) e o PDA (Patron Driven Acquisiton ou Aquisição Orientada ao Usuário). Neste modelo novo a biblioteca permite que o usuário “descubra” determinada obra em seu catálogo, porém como é um título que não é pertinente ao acervo (ou a biblioteca não tem orçamento para adquiri-lo) permite ao usuário a possibilidade de aquisição da obra por um fornecedor. Assim como os modelos de STL e PDA que não estão presentes de forma significativa no Brasil, não creio que esta possibilidade seja atrativa por aqui.

 

Outra palestra interessante foi sobre o cenário dos e-books na Europa – situação mais próxima da realidade brasileira – com as disputas entre os fornecedores e bibliotecas mais acirradas e com limitações para inclusão de objetos digitais nos acervos.

 

RDA

 

Este foi um dos temas mais frequentes no evento. Se no ano passado as bibliotecas mostravam-se preocupadas com as mudanças na representação descritiva, este ano os bibliotecários que já estão trabalhando neste novo esquema de catalogação. Além de um curso realizado antes do evento, foi possível acompanhar discussões com bibliotecas que realizaram a transição entre os esquemas, com as dificuldades e sucessos obtidos. Não restaram dúvidas que o modelo veio para ficar, pelo menos na realidade norte-americana. Pensando em reproduzir esta situação no Brasil, deparamo-nos com uma situação muito distinta. As regras do RDA estão dispostas em um site (Toolkit) cujo acesso é pago. Não temos uma versão oficial traduzida para o português. Outros países já estão mais avançados nas traduções como a Alemanha e a França. Muitos manifestaram alto interesse na disponibilidade da versão em espanhol, prevista para o início de 2014. A China também tem se empenhado para realizar a tradução do código. A barreira linguística é apenas um dos impeditivos para aplicação do RDA, porém não o único. A mudança conceitual é muito forte e nossos bibliotecários ainda não estão preparados para este cenário, até pela carência de informações existentes em português.

 

A questão das limitações do formato MARC para atender as demandas do novo esquema também foram apontadas e estão em estudos pelo PCC (Program for Cooperative Cataloguing), iniciativa internacional da Library of Congress, que tem orientado sobre a adoção de padrões descritivos das bibliotecas, definindo padrões mínimos necessários para descrições bibliográficas. Boa parte das bibliotecas está no esforço de adequação dos antigos registros em AACR2 aos novos padrões do RDA, acrescentando as novas tags MARC nesta empreitada e criando registros híbridos. A própria LC iniciou estes esforços, primeiro adequando seus catálogos de autoridades – base para uma implantação do RDA – e consequentemente refletindo nos registros bibliográficos presentes em seu catálogo. Deste esforço foram divulgados alguns números: até agosto de 2012 a LC havia convertido 436 mil registros de autoridades. Até abril de 2013 converteu mais 371 mil registros de autoridades. Estas mudanças acarretaram em 11 a 12 milhões de registros bibliográficos alterados, considerando-se apenas o universo de documentos impressos monográficos (livros), uma vez que os demais suportes não foram tratados ainda. Situação semelhante foi realizada pela OCLC que até o momento alterou mais de 2 milhões de registros bibliográficos através de acertos em seus registros de autoridades. Atualmente a OCLC está centrando seus esforços para atualizar os pontos de acessos não controlados que, certamente, impactarão milhares de registros bibliográficos.

 

Dentre as regras do RDA mais enfatizadas nas discussões estão: a) fim da regra dos 3, descrevendo os autores secundários que a biblioteca julgar necessários; b) fim das abreviações latinas S.l (sine loco), s.n (sine nomine), il. (ilustrações), et al (e outros) etc.; c) take what you see (descreva o que você vê); d) inclusão das tags 336 (conteúdo), 337 (mídia) e 338 (suporte); e) fim do DGM (245 |h) e f) relacionamento entre registros (manifestações, expressões etc.). Evidentemente o novo esquema apresenta diversas outras alterações, porém estas foram as recorrentes.

 

Finalizando este relato, considero importante enfatizar uma discussão que mostra-se desafiadora às bibliotecas. Muito se falou sobre Linked data. Este termo, relacionado com web semântica e padrões de interoperabilidade, mostrou-se um tema recorrente nas discussões, principalmente com as possibilidades de integração do OPAC (Online Public Access Catalog) com fontes externas, proporcionando informação rica aos usuários, contribuindo com a elaboração de contexto dos termos consultados e auxiliando o serviço de referência, permitindo ao usuário enxergar com maior clareza a dimensão de sua pesquisa ao ter acesso na mesma tela a informações que agregam e permitem navegação em conteúdo externo aos acervos. Esta é uma área que vem apresentando muitas possibilidades às bibliotecas, com ampliação dos acervos, compartilhamento de dados e integração de funcionalidades aos catálogos. Foram apresentados projetos que integravam OPACs com Wikipedia e VIAF (Virtual International Authority File) e o quanto estas informações externas agregavam aos registros e facilitavam as pesquisas dos usuários.

 

Ao retornar de um evento onde o acesso a tantas apresentações, ideias, conceitos e profissionais foi proporcionado, é necessário um tempo para assimilar tudo o que foi visto e avaliar o que pode – ou não – ter aplicações no Brasil ou como nosso mercado receberá estas informações. Até que ponto estamos prontos para estas novidades, principalmente quando nos deparamos com escolas ou cidades sem bibliotecas? A globalização e os avanços tecnológicos proporcionam amplo acesso às informações e, se antes demorava muito para estes ventos soprarem aqui, hoje esta barreira já foi ultrapassada. Resta saber se o que é bom para os norte-americanos é bom para o Brasil e se estamos preparados para tantas mudanças.


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LILIANA GIUSTI SERRA

Postdoctoral Researcher Associate na University of Illinois at Urbana-Champaign (UIUC). Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquisa Filho (UNESP). Mestrado em Ciência da Informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Profissional da informação dos softwares Sophia Biblioteca, Philos e Sophia Acervo.?