ALÉM DAS BIBLIOTECAS


FRAGILIDADES

Quando do lançamento recente de um livro nosso, 30 de outubro de 2012, “Leitura e produção de gêneros acadêmicos em jornalismo: brincadeira que dá prazer”, em conjunto com seis alunos, integrantes do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí, quando de minha fala, veio à tona um fato vivenciado e que, à época, me fez refletir sobre a vida e, sobretudo, sobre a imagem que tecemos – todos nós – sobre o outro.

 

Como o protagonista era um dos coautores queridos, resolvi contar a historinha ou o “causo”. Não lembro exatamente quanto tempo faz. Talvez, seis meses... Ou um pouco mais... Ou um pouco menos... Um aluno amigo, amoroso e afável enviou para mim, cheio de pruridos, um texto que transcrevo, aqui, na íntegra. No título, uma única palavra: “Fragilidades”. Ele dizia:

 

Hoje eu vi uma mulher chorar. E não era uma mulher só, digo, não era uma mulher apenas. Era uma pós-doutora, uma mulher que já foi premiada na Intercom [Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação] por suas pesquisas. Uma mulher de fibra, que mesmo doente, vai cumprir sua obrigação como professora. Uma mulher de múltiplos talentos, muitíssimo inteligente, mas  como ela própria confessou, UMA MULHER SÓ, não apenas uma mulher.


Não vou mentir, fiquei tocado. Eu estava diante de um paradoxo aterrorizador. Inteligência, fibra, dinheiro e experiência não significam nada? Que caminhos mais tortuosos e inconsequentes esses do sucesso! Levam do nada a lugar nenhum, passando por toda sorte de atrações e aplausos. Reconhecimento é realmente matéria muito volátil!


Ali na minha frente, tremendo, voz embargada, estava o produto de uma vida dedicada ao trabalho, à ciência, ao estudo. Ao tempo em que dizia acreditar que a família é tudo, uma mulher sem opções SUCUMBIA AO PESO DA IDADE, DA DOENÇA E DA SOLIDÃO. Quantas opções corretas pelo trabalho, pela carreira, pelo sucesso a trouxeram até nossa sala de aula? E onde a levarão ainda? Com quantos acertos se constrói um final triste?

 

Eu, que não entendo de sonhos nem de signos do zodíaco; não tenho sexto sentido; nunca recebi mensagens do além, e se recebi nunca as compreendi, tenho forte intuição de que vi hoje um post do vídeo do que não quero ser no futuro. Por isso, faço concessões. Por isso, só vou quando dá. Por isso, me arrependo, desisto. E por isso, quase sempre quando penso em mim sou muitos de mim, mãe, filho, filha, irmãos, amigos, namoradas...


O que quero dizer é que o que vi hoje explica muito do que vi ontem, e antes da aula de ontem. O que percebi é que os seres humanos são frágeis, singelos, apesar das vestes, dos títulos e da distinção. O que vi hoje foi o medo de vir a ser. O medo que me leva e traz ao Sertãozinho [sítio na zona rural] para relaxar, tomar cachaça, conversar com pessoas simples e que me dá a certeza do meu lugar no campo. Um campo verdinho, com cabritos saltitantes, galinhas, capotes e mugidos de vacas ao longe.

 

Quis naquele dia de festa e de muita alegria dar uma resposta parcial ao aluno querido. De fato, reconheço que fiz escolhas ao longo da vida. Escolhas certas. Escolhas equivocadas. Mas, antes de tudo, foram e são minhas escolhas. Momentos como aquele, em que senti (mais do que vi) o sorriso nos rostinhos de meus seis meninos que iniciam sua caminhada – não necessariamente a minha – compensaram e compensam os domingos ou sábados de pura nostalgia e muito trabalho. É quando me perco na solidão de minha casinha ou quando me delicio com o sucesso dos filhos queridos e dos netos perdidos na imensidão do mundo, sabendo eles que aqui estou para o que der e vier. Fisicamente distante. Emocionalmente próxima e atenta às suas alegrias e eventuais dores.

 

Verdade que lamento os sonhos perdidos. Mesmo assim, olho para trás, e, de verdade, não me arrependo. Afinal, sou mestra por vocação. Amor desmedido, e, por isso mesmo, às vezes, incompreendido. Com os anos, os amores vividos e perdidos, as traições dos falsos amigos e o esquecimento de muitos – já que nada tenho a oferecer como moeda de troca no jogo em que se tornou a academia de hoje – me fazem chorar. Há muitas portas fechadas, reconheço. Há muitas exclusões. Há muitos senões no meu cotidiano de agora...

 

Porém, há fadas-madrinhas, que nos dão força com o olhar e agem para concretizar sonhos, como o livro então lançado. Há alunos, como Adriana, Aparecida, Américo, Renata, Rodolfo e Washington, que me fazem prosseguir... Brincamos de escrever. Sorrimos e nos esbaldamos com as palavras mal postas de um ou de outro. Fomos imensamente felizes. Por isso, “Leitura e produção de gêneros acadêmicos em jornalismo: brincadeira que dá prazer” é mais do que um livro com textos resultantes de exercícios didáticos. É uma bela história de amor entre seis universitários e uma professora que, segundo meu aluno querido, vem “sucumbindo ao peso da idade e da solidão”, mas que ainda consegue com a ajuda de alguns alunos se sentir útil, viva e vívida para recomeçar quantas vezes for preciso.

 

Nosso livro serve para um público vasto, de faixa etária distinta e de formação também diversificada. É a redação técnico-científica travestida de menina. Nosso livro é, sim, uma paráfrase, na íntegra, da canção Estrela do mar, de Dalva de Oliveira. De início, era “um pequenino grão de areia [...] Era um pobre sonhador, olhando o céu viu uma estrela e imaginou coisas de amor”... Eis nosso sonho – o meu sonho, o sonho de Adriana, Aparecida, Américo, Renata, Rodolfo e Washington – feito realidade. Eles seguirão seus caminhos. Estou certa e orgulhosa disso. Meu nome será para eles, num futuro longínquo, uma tênue lembrança. Não me convidarão para passear no Sertãozinho de meu aluno. Não me convidarão para brincar, tomar cachaça, conversar com pessoas simples. Não passearei com eles no campo verdinho. Não me deliciarei com os balidos dos cabritos saltitantes. Não buscarei ovos fresquinhos no galinheiro. Não escutarei o “tô-fraco / tô-fraco” dos capotes nem me deliciarei com os mugidos das vacas ao longe. E aí sim, não por decisão própria. Como alunos, esquecemos, com frequência, que docentes necessitam de aconchego e alguns ou algumas são pessoas frágeis como meu aluno esperto descobriu...

 

Afinal, a mim, naquele momento, restou muito pouco: AGRADECER o envolvimento de todos os companheiros da Oficina e de cada um dos que compareceram ao lançamento. A todos vocês, MUITO OBRIGADA por me manterem viva!


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”