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DESCRIÇÃO DE AGREGADOS: DURMA O CATALOGADOR COM O FRBR DESSES

O Código de catalogação (AACR2), reserva em seu capítulo 13 o tópico denominado Análise, o processo de preparação de um registro bibliográfico descrevendo parte ou partes de um item. O capítulo informa a proposição de métodos para a elaboração de uma análise, mas superficialmente. A aparente justificativa para a superficialidade das regras é a de que "As entidades catalogadoras têm sua própria política que influi na análise; por exemplo, uma política particular, que predetermine a criação de registros bibliográficos em separados, pode invalidar qualquer outra consideração".

 

No Brasil é raro identificar essa tal política para descrição de partes, vulgarmente conhecida de "catalogação Jack" (Jack, o Estripador, em inglês: Jack the Ripper), ou catalogação em fatias. Entretanto, bem ou mal, o AACR2 apresenta comentário sobre o processo de descrever as partes do todo. Entre os procedimentos, creio ser mais adotada a análitica IN (13.5A), mais abrangente que a transcrita na área de notas (regra 13.4A). Aliás, até parece coisa de catalogador chinês, Do-In (uma é massagem, outra é descrição, ambas trabalham sobre pontos). Tradicionalmente, o catalogador descreve informações consideradas significativas que estejam contidas no conteúdo de um item, e relacionando esta descrição somente com o item no seu todo. A pergunta que transparece na descrição é como se realiza o processo sob o modelo conceitual do FRBR de relacionar autor – obra – expressão – manifestação.

 

Sobre a questão, desde setembro de 2011, encontra-se publicado o relatório final elaborado pelo The Working Group on Aggregates (WG) que foi criado pelo FRBR Review Group em evento realizado em Oslo, Noruega, em 2005. Esse relatório resulta do esforço em delinear o assunto dentro da revisão do modelo FRBR, e na sua concepção de olhar para o universo bibliográfico.

 

Na explicação do que sejam os agregados é salientada a necessidade de uma melhor definição, compatível com o FRBR (Requisitos Funcionais dos Registros Bibliográficos). Terminologias, direta ou indiretamente, identificadas na conceituação do termo destacam:

 

§  Delimitações da entidade expressão são definidas, excluídos aspectos de forma física, da fonte, e do layout de página que não são essenciais à realização intelectual ou artística da obra.

§  Expressão acompanhada de ampliações como ilustrações, notas, glossários etc., e que não são essenciais à realização intelectual ou artística de uma obra, além de serem considerados como expressões distintas destas próprias obras.

§  Entidade definida como a expressão para indicar que o conteúdo intelectual ou artístico contido em uma manifestação é o mesmo ou substancialmente o mesmo que foi incorporado em outras manifestações. Se houver duas manifestações que incorporem o mesmo ou quase o mesmo conteúdo intelectual ou artístico, ainda que em diferentes corpos físicos, e que diferentes atributos das manifestações obscureçam esse fato da semelhança de conteúdo em ambos, pode-se estabelecer um elo comum por meio da entidade definida como expressão.

 

Assim, as obras e suas expressões não se alteram mesmo se incorporadas em uma manifestação. A base de compreensão do principio é que, uma vez que expressões são entidades abstratas, as propriedades das mesmas não são derivadas de suas manifestações. As expressões herdam propriedades de obras e as manifestações herdam propriedades de expressões, e não o contrário.

 

Recordando que obra é uma criação intelectual ou artística; expressão é a realização intelectual ou artística de uma obra na forma de uma notação alfanumérica (edição), notação musical ou coreográfica (tipo de partitura), som, imagem, objeto cartográfico (escala) etc., ou qualquer combinação destas formas; manifestação é a concretização em termos físicos da expressão de uma obra.

 

Desta forma, catalogadores devem basear seus critérios para a identificação de expressões apenas nas características da expressão e de sua família de obras. Se diferentes manifestações incorporam o mesmo conteúdo ou conteúdos muito semelhantes, entende-se que eles incorporam a mesma expressão.

 

Apesar da prévia aceitação na qual se uma obra sofresse ampliação ou complementação com material adicional, o resultado final seria uma nova expressão da obra. Esse entendimento mostrou-se problemático, na medida em que uma nova expressão era formada toda vez que uma obra sofresse ampliação com uma combinação diferente de notas, ilustrações, etc. Ainda que a expressão da obra não se alterasse. A situação resultou em grande número de expressões diferentes da mesma obra, sem diferenças aparentes. O problema das obras ampliadas ou aumentadas foi tratado pelo Comitê Permanente da IFLA, Seção de Catalogação, em 2007. O Comitê especificou que “Quando uma expressão é acompanhada de ampliações [...] que não são essenciais para a realização intelectual ou artística da obra, esses aumentos são considerados como expressões distintas e separadas de sua própria obra. Neste sentido, o WG identifica e destaca distintos tipos de agregados:

 

·         Coleção agregada de expressões: é um conjunto de múltiplas expressões criadas de forma independente, mas publicadas juntas em uma mesma manifestação. Incluem as seleções, antologias, séries monográficas, seriados, além de outros grupos de recursos semelhantes. Exemplos: revistas (agregados de artigos), romances variados publicados juntos em único volume, livro escrito com capítulos de autoria independente, CD musical (agregados de canções individuais), e outros tipos de obras de conteúdo variados coletados em conjunto. Uma característica das coleções é que as obras em geral apresentam semelhança quanto ao tipo e/ou gênero, como no caso da coleção de romances de determinado autor, as canções de um músico, ou uma antologia poética de certo gênero.

·         Agregado resultante da ampliação: são distintos das coleções que consistem de uma única obra independente de complementada com uma ou mais obras dependentes. Esses agregados ocorrem quando uma expressão é completada com material adicional que não é parte integrante da obra original, e não altera significativamente a expressão original. Exemplos de ampliação de obra são os prefácios, introduções, ilustrações, notas, etc. Certamente, dependerá do catalogador em considerar ou não, como significativo, o material complementar para justificar uma descrição bibliográfica específica das partes.

·         Agregados de expressões paralelas: as manifestações podem incorporar múltiplas expressões paralelas da mesma obra. Uma única manifestação contendo as expressões da obra em vários idiomas é uma forma comum deste tipo de agregado. Situação normalmente encontrada na publicação de manuais e documentos governamentais em contexto multilinguístico. Expressões paralelas também são comuns na web onde os internautas têm acesso ao material equivalente segundo o idioma de leitura escolhido. Outros exemplos incluem a publicação de um texto na língua original com respectiva tradução. Expressões paralelas, pelo menos no ambiente da biblioteca, são menos comuns do que as coleções agregadas ou de agregados resultados das ampliações.

 

O FRBR Report destaca que nas manifestações podem estar contidas múltiplas expressões, como indicado pelo “relacionamento de muitos-para-muitos” entre expressões e manifestações, como apresentada:

 

[EXPRESSÃO] ç ç(está incorporada em)è è [MANIFESTAÇÃO]

 

Este é o único relacionamento muitos-para-muitos entre as entidades do Grupo 1 (produtos do trabalho intelectual e artístico. Entidades: obra, expressão, manifestação e item), os outros relacionamento são um-para-muitos. Observar que uma manifestação pode incorporar múltiplas expressões, e uma expressão pode estar incorporada em múltiplas manifestações. Por outro lado, uma expressão só pode realizar uma única Obra e um Item só pode exemplificar uma única manifestação.

 

No exemplo, dois textos de Edgar Allan Poe, The munders in the Rue Morgue e The gold-bug foram traduzidos e adaptados em um único volume intitulado: Os assassinatos da Rua Morgue e O Escaravelho de Ouro (São Paulo, Editora Scipione, 1997). A manifestação da agregação resultante incorpora duas expressões, figura 1.

Figura 1 – Exemplo de Agregação com livro

 

A simples modelagem de um agregado como uma incorporação de expressões pode deixar de reconhecer o esforço criativo do responsável pela agregação, ou organizador, ou editor. O Processo de agregação das expressões é, em si mesmo, um esforço intelectual ou artístico, e que cumpre certos critérios para uma obra. No processo de criação da manifestação agregada, o responsável produz uma agregação ou reunião de obras. Esse tipo de obra é também citado como anexada, vinculada (encadernado com), ou aglomerado, que transforma um conjunto de expressões individuais em uma agregação. Esse esforço pode ser relativamente simples: dois romances publicados em conjunto, ou pode representar um grande esforço, resultando em uma agregação que é mais significativa que a soma de suas partes (exemplo, uma antologia).

 

A modelagem de agregados como manifestação que incorpora múltiplas expressões é simples e direta; obras e expressões são tratadas de forma idêntica, independente da sua forma de publicação ou manifestação física nas quais estão incorporadas. Uma expressão pode ser publicada individualmente ou pode ser incorporada em uma manifestação com outras expressões. Uma nova entidade é criada para a manifestação que incorpora N expressões individuais. Qualquer uma dessas expressões também pode ser incorporada individualmente em uma manifestação não-agregada. Toda manifestação decorrente de agregação também incorpora uma expressão de agregamento das obras reunidas/agregadas. Essas agregações podem ou não ser consideradas significativas o suficiente para justificar uma descrição bibliográfica distinta, pelo catalogador. Se a agregação de obras não for inicialmente identificada, ela poderá ser descrita posteriormente se for o caso. A modelagem é flexível neste sentido.

 

Os limites das expressões excluem os aspectos da forma física, incluído sua incorporação em uma manifestação com outras expressões. Os limites de expressões incorporadas em um agregado são os mesmos para aqueles individualmente incorporados. Exceção quando conteúdo sofreu modificação, a expressão resultante não é considerada para ser uma expressão nova. O texto original em inglês de Romeu e Julieta é a mesma expressão se publicado individualmente ou como parte de uma coleção de obras de Shakespeare.

 

A compreensão pelos catalogadores sobre o tratamento de agregados, na descrição bibliográfica, torna-se necessária no contexto da produção impressa e digital. O que o relatório citado destaca em sua abordagem, é derivada do relacionamento entre expressões e manifestações. A abordagem tratada, após testes e avaliações, preserva a integridade das expressões e obras; é relativamente fácil de entender e aplicar, e é consistente com o modelo FRBR.

 

Fica a observação aos catalogadores que, no processo de adaptação e migração para o novo Código, e na adoção de uma modelagem FRBR dos catálogos bibliográficos, uma releitura de representações efetuadas deve atentar para os agregados. Agregados existentes nas manifestações descritas. 


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.