NOVAMENTE ÁFRICA: VIDA HUMANA E VIDA SELVAGEM QUE SE MESCLAM
Falar sobre um continente da dimensão da África é utópico. Mera ilusão ou total fantasia. De qualquer forma, 15 dias inacreditavelmente rápidos e vividos em horas intensas de muita perplexidade e de muitos sustos (gratos ou não), nos dão, quando muito, a possibilidade de sobrevoar os recônditos secretos de dois países que se aproximam em suas semelhanças e se distanciam em suas particularidades. Estamos nos referindo a dois recantos perdidos ao leste do continente africano – Quênia e Tanzânia – onde estivemos em janeiro último.
Países fugidios nos recônditos secretos de sua complexidade. Países que se eternizam
Visitar os parques de Quênia e Tanzânia é assistir ao teatro da vida. Peças teatrais grandiosas, multicolores e exuberantes. Peças teatrais que fazem sorrir ou chorar. A vida humana se confunde com a dos animais, em qualquer espaço e em qualquer instante. Crianças esquálidas sujas e maltratadas estão por toda parte. Elefantes-bebês limpos e bem-cuidados estão em orfanatos (FOTO 1), cujos cuidadores suprem com leite artificial a falta das mães, quase sempre exterminadas pela caça proibida, mas ainda recorrente. Homens de aspecto corajoso ou doce. Mulheres de aspecto submisso ou bravo. É o universo dos animais que se acerca ao universo dos humanos ou vice-versa. Como nos dois mundos, há poderosos e “menores”. Por exemplo, dentre os selvagens, os cinco maiores (FOTO 2), – búfalos, elefantes, leões, leopardos e rinocerontes – se fazem respeitar pelos cinco menores – búfalo tecelão, musaranho-elefante, formiga leão, tartaruga leopardo e rinoceronte besouro. Entre nós, em qualquer regime político, há os mandatários e há aqueles, a grande maioria, a quem compete obedecer aos ditames dos que detêm a palavra de ordem...
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Quênia e Tanzânia, como qualquer outra nação da África, historicamente, viveram seu período de colonização em mãos de diferentes povos. Sem descer a detalhes, lembramos tão somente que anos de colonização e / ou escravidão deixam marcas distintas no processo de desenvolvimento dos povos. Mesmo assim, os dois povos se aproximam. São as mesmas línguas prevalecentes: suaíli (ou suaíle) e inglês, primeiro e segundo idioma, respectivamente. É a existência de tribos numerosas nos dois países. No Quênia, há cerca de 50 tribos distribuídas em sete etnias; na Tanzânia, quase 120, embora sejam poucas as etnias representativas. As religiões mais comuns são catolicismo e protestantismo (Quênia) e a elas, se une o islamismo, quando falamos da Tanzânia.
São costumes culturais muito parecidos: alimentação (no dia a dia, milho, arroz e vegetais; carne, poucas vezes); adoção do divórcio; repúdio radical ao homossexualismo; horários de trabalho e de refeições; formas de se vestir e de se portar; sorrisos fáceis para vizinhos e estranhos; crendices, como a que atribui a febre amarela à inocente acácia amarela. A prática da medicina de erva faz parte do cotidiano e é nítido o distanciamento das decantadas tecnologias, que fazem o encanto do Ocidente: internet é sonho remoto... E mais, nos dois países, o sistema de ensino fundamental e médio é similar: intervalo de um mês de férias a cada três meses de aula. Os esportes também são comuns: futebol; rúgbi e corridas. Sobre a fama dos africanos como grandes corredores, sobretudo dos quenianos, contumazes vencedores na célebre corrida brasileira de São Silvestre, a cada 31 de dezembro (87ª edição, ano 2011), a resposta, entre risos, é a mesma: a necessidade de vencer desde criança as grandes distâncias entre casa e escola.
E é surpreendente: quando confrontamos Quênia e Tanzânia, não obstante a imprecisão dos indicadores sociais, a proximidade chega a assustar. As duas moedas (xelim queniano e xelim tanzaniano) são bastante desvalorizadas em relação ao dólar norte-americano. O índice de analfabetismo é elevado, em torno de 40% ou mais, no Quênia, por exemplo. A renda per capita de é US$ 1.699, no primeiro; pior, na Tanzânia, com US$ 1.256. Em ambos, o salário mínimo médio gira em torno de US$250 a US$280. O índice de desenvolvimento humano está na categoria – baixo – tanto no Quênia (IDH = 0,470) quanto na Tanzânia, com meros
São indícios muito fortes que convivem com o fantasma da pobreza. Como acontece nas nações subdesenvolvidas, quem mantém contato direto com estrangeiros, como empregados de hotéis e de casas de câmbio, taxistas e guias turísticos, em geral, possuem certo status social em comparação com outros segmentos. E foi da boca de um guia tanzaniano, de nível superior, que escutei frase perturbadora. Indagado sobre as comemorações de fim de ano em seu país, respondeu sem relutar: “[...] o melhor presente que eu e muitos outros conseguimos dar às nossas crianças, no Natal, é uma roupa nova para o ano que se inicia e / ou a carne-surpresa no prato de comida”.
Assim, em que pesem os comentários de residentes nessas terras, nativos ou não, de que há milionários (muitos hindus e alguns ingleses) que “fazem a festa” na região, como donos de agências de viagem ou de negócios diversos, como redes de hotéis – as redes hoteleiras constituem um contraste avassalador – sem dúvida, é a miséria que prevalece. Países limítrofes, Quênia tem 580.367 km² de extensão para uma população aproximada de 38 milhões de habitantes, cuja densidade populacional é de 58 habitantes / km². Tanzânia, 31º país maior do mundo, independentemente de maior extensão e maior população – 945. 087 km² e densidade demográfica de 38 habitantes / km² para muito mais de 40 milhões de indivíduos – acompanha a tendência universal que se nota no Quênia.
Estamos falando do êxodo rural, responsável em grande parte pela promiscuidade das concentrações populacionais dos centros urbanos mundo afora. Exemplificando: hoje, no Quênia, 60% dos cidadãos correm para as grandes cidades contra 40% que permanecem na zona rural, e o que é mais grave: há muita terra virgem e somente 25% são cultivados por poucos produtos, como chá, café, frutas, flores e milho. De forma similar, Tanzânia é uma nação essencialmente agropecuária. Além de plantar flores, banana, milho, arroz e cebola, a pecuária da região como um todo prioriza bovinos, caprinos e aves.
No entanto, a presença de indústrias é incipiente. Registramos a extração de minerais, como pedra calcária, trona, ouro, sal e flúor (Quênia) e do carvão e da tanzanita, além do uso da clorofila para fabricação de desodorantes e pastas de dente, na Tanzânia. Tudo em nível pouco expressivo. As duas nações exportam chá e café. De resto, Quênia se restringe ao fabrico de produtos alimentícios, roupas, cimento e materiais de construção. Indústrias alimentícias e têxteis também estão na Tanzânia, que investe, ainda, em tabaco e cerveja. A esperança parece estar no crescimento gradativo do turismo na região.
Porém, o que une esses dois países, além das similaridades de sua gente, é o contraste geográfico dos territórios. Há de tudo: planícies, pântanos, savanas, montanhas, montes, colinas, zonas muito secas ou alagadas, rios e lagos, o que é determinante para abrigar espécies tão distintas, que vão de majestosos elefantes às barulhentas galinhas de angola (nosso capote). Seus parques são de riqueza inigualável em vida selvagem e
Iniciando por Nairóbi (seguida em importância por Mombasa), decantada em folhetins publicitários como a capital mundial de safáris, temos uma ideia do que nos espera: a reserva do Masai Mara, onde a aventura começa. Com seus 1.672 km2, é parte integrante do ecossistema Seringueti-Mara, uma área de preservação de 25.000 Km2 em sua totalidade, onde é possível voar de balão pelos céus em azul-cinza.
Já na Tanzânia, o Parque Nacional do Seringueti faz jus ao seu nome. Em suaíli, significa acertadamente planície sem fim. E é este o sentimento inicial que nos assola – um universo infindo. Mais adiante, caminhamos por horas e horas em jipes 4x4 rumo ao Ngorongoro, área de conservação de 8.288 km2 tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. (FOTO 3) O nome é assustador: difícil de pronunciar e de gravar. Em compensação, a beleza é estonteante. Trata-se de vulcão extinto. Mas não é um vulcão qualquer. Com profundidade aproximada de 600m, o Ngorongoro possui 250km² de extensão, onde há pastos, lagos e rios, florestas e pântanos, de tal forma que, tal como o fazem os agentes de viagem, os africanos gritam aos quatro ventos que Ngorongoro é por si mesmo “um microcosmo que contém praticamente todo o ecossistema da África Oriental”.
Foto 3
Mas há ainda muito a ser visto... De volta ao Quênia, é o momento de vivenciar o Parque Nacional de Amboseli. Pequeno, nada deixa a desejar em termos de encanto natural e da significativa diversidade de mamíferos por conta da água abundante (e, portanto, preciosa), que vem do Monte Kilimanjaro (ou Kili), cujo pico chega a nevar!
O fato é que, por toda parte, estão os grandes animais – búfalos, elefantes, leões, leopardos e rinocerontes – que se espalham por planícies, montanhas, e são vistos em manadas gigantescas. Imponentes girafas caminham em bandos e esbanjam graciosidade e elegância. (FOTO 4) As zebras sorriem para nós. Desconhecem que lhes atribuímos por aqui o dito popular “deu zebra”, como sinônimo de “mau resultado”. Talvez se soubessem, bradassem contra nossa injustiça, embora sejam chegadas a amizades de “pura conveniência”. Quando migram, se unem aos feios gnus para ajuda mútua contra os predadores: os gnus entram com o olfato apurado; as zebras, com a visão e memória privilegiada. (FOTO 5)
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Há, ainda, hienas, hipopótamos, jacarés, porcos-espinhos, guepardos, e tudo
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Os safáris em veículos nem sempre confortáveis; a sede quase frequente (beber água é risco de vontade de fazer xixi; xixi é um risco de encontrar ao lado do jipe um animal faminto ou pouco amigável); ou o cansaço físico, tudo fica para trás... (FOTO 8) Há que aproveitar a possibilidade de assistir, talvez por uma única e última vez, o esplendoroso teatro da vida, que une num cenário singular natureza, vida humana e vida selvagem que se confundem e se mesclam como argamassa, que de tão consistente não nos permite diferenciar em separado os elementos – natureza, nós e os animais selvagens. E é preciso registrar: ninguém faz alusão à AIDS. Esta não conquista sequer a condição de fantasma. Simplesmente inexiste...
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