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WIKILEAKS: DEUS OU DEMÔNIO?

Há uma frase que se imortalizou nos lábios da ex-ministra britânica, Margaret Thatcher, que diz mais ou menos assim: “para mim, o consenso parece ser o processo de abandonar todas as crenças, princípios, valores e políticas. É algo em que ninguém acredita, mas contra o qual ninguém se opõe”. De fato, na sociedade contemporânea, está cada dia mais difícil conviver com “verdades absolutas” ou com valores incondicionais. As posições que assumimos perante os acontecimentos, e, sobretudo, perante a vida, são sempre distintas e discutíveis.

 

Caso exemplar de falta de consenso é o caso Wikileaks. Trata-se de organização transnacional, aparentemente (e discutivelmente) sem fins lucrativos. Com sede na Suécia, desde sua criação pelo jornalista australiano Julian Assange, em dezembro de 2006, se especializa em divulgar no portal eletrônico wikileaks.org informações confidenciais (fotos e documentos) de grandes empresas e de Governos, incluindo nações poderosas, com ênfase para os Estados Unidos da América; ou nem tão poderosas, como Espanha e Cuba.

 

Antes, a decantada perspectiva, segundo a qual o Estado vigia os cidadãos, de forma inclemente, o dia todo e todos os dias. Isto justifica o sucesso editorial do livro do inglês George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair), intitulado 1984. Publicado em 1949, retrata o cotidiano de um regime político repressivo, e sua repercussão se estende por muitas e muitas décadas. Hoje, e ao longo desses nove anos de sobrevivência, as postagens de Wikileaks causam sucessivos escândalos por toda parte, levando a crer que, na sociedade contemporânea, o inverso é possível – se o Estado nos vigia, nós, como cidadãos, podemos vigiar o Estado. E, de fato, a atitude dos EUA revela significativa impotência. Diante da decantada liberdade de expressão dos países democráticos, se limitam a afirmar que Julian Assange, 39 anos, está sob investigação para determinar seu papel na obtenção ilegal de documentos sigilosos do país. Não há acusação formal contra ele.

 

Em contraposição, como nítida estratégia judicial, pesa sobre Assange a acusação, advinda de duas mulheres, de coerção ilegal, assédio sexual e estupro. Refugiado em território britânico desde dezembro último, está sob liberdade monitorada (sob fiança), numa mansão no Leste da Inglaterra, pertencente a Vaughan Smith, fundador de Frontline Club, organização de jornalismo. Recentemente, 24 de fevereiro, a justiça britânica aprova sua extradição para a Suécia. Em meio a tudo isto, no mundo inteiro, incluindo o Brasil e sua terra natal, manifestações de apoio ao cibernauta convivem com manifestações de repúdio.

 

O Wikileaks Brasil Transparência Institucional, acompanhando a reação de outros países, mantém endereço eletrônico http://wikileaksbrasil.org, com o intuito de incrementar a adesão às iniciativas originais de Assange em território nacional, mediante notícias, em distintos suportes, a seu favor. Ao mesmo tempo, o Wikileaks Brasil... encarrega-se de difundir os “bastidores” (para não usar a expressão “sujeiras”) da vida política e econômica brasileira, a exemplo do habeas corpus com pedido de liminar para Daniel Dantas e o inquérito completo da “badalada” Operação Satiagraha.

Ademais, é interessante observar o oportunismo que paira por toda parte. Por exemplo, a escolha da denominação do próprio portal – Wikileaks – parece resultar (salvo engano) do propósito de seu idealizador de confundir a opinião pública e aproveitar o sucesso (discutível) da Wikipedia. Sobre esta, fazemos um parêntese para lembrar que, à primeira vista, representa significativo avanço na elaboração de enciclopédias livres, por meio da tecnologia wiki (de origem havaiana = rápido). Impõe-se como elemento disseminador de informações atuais, de interesse geral e em diferentes línguas. Mas, enquanto seu fundador, Jimmy Wales, a apresenta como vanity press capaz de reunir o maior manancial de conhecimentos do mundo num gigantesco experimento coletivo, comete o mais grave dos enganos: imprime à voz de anônimos, qualquer que seja a idade, experiência, formação e escolaridade, o mesmo peso atribuído às postagens de um erudito. Porém, não obstante os senões que a cerca, de imediato, em sua página, a Wikipedia esclarece que o Wikileaks não está, em hipótese alguma, associado a ela ou a quaisquer projetos da Wikimedia Foundation.

 

Retomando o Wikileaks como tema central, dentre as mostras de repúdio e de flagrante oportunismo, um antigo sócio, Daniel Domscheit-Berg, publica o livro Os bastidores do WikiLeaks. Decerto o faz no rastro do sucesso do portal, e, sobretudo, aproveita a repercussão que cerca o caso, quando milhões de pessoas passam a conhecer o referido site, agora, no noticiário internacional, dia e noite, noite e dia. Como esperado, delata o comportamento do ex-amigo como escuso e odioso, ao tempo que anuncia sua intenção em lançar o OpenLeaks. Segundo suas palavras, há muita gente ao redor do mundo que anseia por divulgar informações valiosas e sigilosas, o que exige meios que lhe assegurem total segurança. Isto é, sua intenção é similar à de Assange...

 

Em linha contrária, o parlamentar sueco Snorre Valen apresenta a candidatura de Wikileaks ao Prêmio Nobel da Paz, sob o argumento de que o portal se configura como um dos colaboradores mais relevantes à prática da liberdade de expressão e da transparência do século XX. E arremeta: por revelar informações sobre corrupção, violação dos direitos humanos e crimes de guerra, ele se impõe como candidato “natural” à concessão do Prêmio.

 

Reiteramos que os propósitos que movem a iniciativa de Julian Assange continuam nebulosos: busca de sucesso e de notoriedade? Desejo genuíno de denunciar a hipocrisia política das diferentes nações?  Certeza de que a melhor forma de chegar à transparência é, irremediavelmente, fazer uso da força da informação na contemporaneidade? Nos primeiros dias de estréia de Wikileaks, ainda em 2006, Assange declara: “Somente se conhecemos as injustiças, podemos combatê-las”. Mais adiante, porém, em 2010, em tom já um tanto prepotente, afirma: “Nos últimos anos, os voluntários de Wikileaks têm desvelado mais documentos secretos e reservados do que toda a imprensa mundial junta. Isto comprova o alarmante estado do restante dos meios de comunicação. É vergonhoso!”

 

Quer dizer, em torno de Wikileaks, muitas e muitas posições diametricamente opostas ou extremas. Quem está certo? Detratores ou defensores? Reforçando Thatcher, não cremos em consenso. Porém, quando temos diante de nós iniciativa que, reconhecidamente, ameaça a privacidade de cidadãos e Estados, pensar em lhe atribuir um prêmio que “cheira” à paz e à defesa da humanidade nos parece excessivo ou um pouco demais... E, então, resta a cada um, a partir de seus próprios referenciais de vida, responder à questão: Wikileaks: Deus ou demônio?


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”