OBRAS RARAS


NOVOS TEMPOS?

Neste 2010, celebrei sete anos de pequenos textos no site InfoHome. Um ciclo encerrado, outro já iniciado. O objetivo das linhas virtuais era, é e continuará  a  ser apenas despertar, em quem porventura visite essas páginas eletrônicas, o gosto pelo livro antigo, pela importância dos acervos históricos, sua catalogação, segurança e demais aspectos (técnicos ou não), as exposições e projetos relacionados ao tema, livros e personagens da nossa História e experiências de colegas da área que vivenciam, no seu dia-a-dia, descobertas incríveis. Até a banda de rock Greatful Dead e seu raríssimo acervo foi tema. Agradeço a todos que enviaram mensagens sobre essa coluna através do site.

 

Este ano também marca uma experiência em sala de aula na UFRJ com a disciplina História do Registro da Informação, antigamente conhecida como História do Livro. Esperava encontrar pessoas com um interesse relativo (no máximo) em pergaminhos, papiros e iluminuras, colecionadores de livros raros, século XV e assuntos similares. Afinal, em pleno século XXI, falar de tabuinha de argila e papel artesanal? Blogs, twitters, sites e redes sociais são muito mais interessantes, modernos e úteis para bibliotecas (e isso só seria visto no final do semestre).

 

Surpreendi-me com uma turma de segundo semestre que estuda junto e se mostrou bastante interessada nas características do livro antigo, sua história, mudanças e fatores transformadores de suportes e formatos da informação ao longo dos tempos. Os trabalhos apresentados demonstraram grande interesse na matéria. Um  aluno fez papel artesanal para convites de uma festa e confeccionou uma folha de pergaminho; outro, elaborou desenho de marca d´água para uma folha de exercícios de formato de papel artesanal. Ambos, voluntariamente. Grata surpresa. Cabe dizer que a turma é composta, na maioria, por uma geração de fácil trato eletrônico, por assim dizer, além dos literalmente nascidos com um mouse na mão, em vez de um lápis de cor.

 

Vivemos em uma época de transição que se mostra, como usualmente ocorre, meio antiga, meio nova, no sentido de que práticas modernas e outras nem tanto  convivem, ao mesmo tempo em que previsões mais ou menos catastróficas são arriscadas. McLuhan, em 1962, previu um não realizado fim do livro, exaltando as novas mídias de comunicação audiovisual. Temos de admitir que estava certo com relação à importância que a tecnologia viria a ter em nossas vidas.

 

Outros autores discorreram sobre o fim do livro, mas isso, ao que parece, está  longe de acontecer. De mais a mais, como nos lembra Chartier: “[…] novas técnicas não apagam nem brutal nem totalmente os antigos usos”. Os manuscritos permaneceram após o advento da imprensa e houve continuidade desta na era do eletrônico. Hoje, inclusive, vemos livros nascidos digitalmente sendo impressos, trilhando o caminho oposto do imaginado. Além disso, não vivemos mais numa época de exclusões, mas de complementariedades.

 

Como a corroborar essas ideias, leio a notícia de primeira página do InfoHome deste dezembro, sobre matéria da revista Veja, de 29/9/2010, na qual crianças norte-americanas preferem os livros impressos aos digitais, apesar do interesse nos e-books, segundo pesquisa que investigou o comportamente de pais e filhos com relação à leitura não obrigatória. Mais de 2 mil crianças entre 6 e 17 anos e seus pais foram ouvidos. A matéria tem dados animadores para quem ainda gosta de manusear um livro e reafirma sua tendência de ser o melhor suporte de leitura (Bill Gates também pensa assim). Talvez o mais preocupante, na matéria, seja o elevado nível de confiança que as crianças norte-americanas têm nas informações disponíveis na internet (provavelmente as nossas também teriam, se tal pesquisa fosse realizada aqui).

 

Podemos pensar, hoje, em pleno início do terceiro milênio, que o documento eletrônico terá a primazia como suporte da informação no futuro? Talvez sim. Talvez. Mas também é fato que o acesso que temos, hoje, ao nosso passado, só é possível porque esse foi registrado em um suporte que chegou aos nossos dias: o papel, artesanal ou industrializado. Ainda não temos garantias quanto à permanência do suporte eletrônico. No futuro, a que teremos acesso do nosso presente? Há, igualmente, o fato de o mercado editorial de livros modernos e raros continuar a crescer, tanto em países desenvolvidos como nos outros em desenvolvimento.

 

Seja como for, é bom saber que as novas gerações que se interessam profissionalmente pelas instituições de memória (como as bibliotecas) ainda veem no suporte “antigo” um meio importante de veiculação do conhecimento existente. Se, dessa turma, um(a) aluno(a) vier a se tornar um(a) bibliotecário(a) de livros raros, ficarei muito feliz!

 

 

 

                  

Boas Festas e um ótimo Ano Novo para tod@s!

 

 

Livros citados:

Chartier, Roger. Os desafios da escrita (2002).

McLuhan, Marshall. The Gutenberg Galaxy: The Making of Typographic Man (1962).


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.