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CATALOGAÇÃO ABERTA É REGISTRO ACESSÍVEL E REUTILIZÁVEL DO JEITO QUE SE QUISER

Em meados da década de 1970 (anos de chumbo) a Publicidade brasileira estimulava os jovens com o jingle "Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada / Que você pode usar do jeito que quiser / Não usa quem não quer / US Top / Desbote e perca o vinco / Denim Indigo Blue / US Top / Seu jeito de viver".

 

O jingle composto por Renato Teixeira, Sérgio Mineiro e Beto Ruschel foi produzido para a campanha do jeans “US Top” e tornou-se um grande sucesso. Recordo as discussões com meu pai por preferir usar calças jeans. Para um alfaiate talentoso como ele isso era uma atitude intolerável, mas segundo Jean-Paul Sartre (1905-1980) a "Liberdade é a nossa arma". Assim, a roupa também é uma maneira de manifestar inconformismo, de buscar uma nova atitude e estilo de vida. Hoje cada um faz uso da roupa como quer.

 

Mas o texto não é sobre moda ou sociologia e, sim, sobre catalogação. Afinal, catalogadores são eternos jovens que também usam jeans e assumem, por meio de suas práticas profissionais, ações que colaboram para a construção de uma sociedade cada vez mais baseada na liberdade de acesso a informação e ao conhecimento. É, neste sentido, que bibliotecários são em geral favoráveis aos princípios do Open Access, um movimento que defende o acesso aberto aos artigos acadêmicos, principalmente dispostos em meios digitais. Acesso sem restrições de cobrança de taxa ou pagamento de licenças.

 

Se, inicialmente, o Acesso Aberto se destacava nas revistas científicas, nos repositórios de dissertação e teses e autoarquivamento de textos acadêmicos, agora ganha outras dimensões sob o conceito de social cataloguing. Este é um movimento para que as bibliotecas liberem os dados bibliográficos que produzem para compor um imenso repositório referencial de registros bibliográficos. Algo como o catálogo Répertoire Bibliographique Universel de Paul Otlet e Henri La Fontaine.

 

Uma das primeiras bibliotecas a oferecer os seus registros bibliográficos para serem copiados gratuitamente por qualquer interessado foi a Biblioteca do CERN – European Organization for Nuclear Research. O CERN é o principal laboratório do mundo sobre física de partículas. Os registros são fornecidos no âmbito da Public Domain Data License, uma licença que permite que bibliotecários ou interessados de todo o mundo possam reutilizar e atualizar os dados bibliográficos para qualquer finalidade. Insere-se no conceito do Open Data Commons - Public Domain Dedication and Licence (ODC – PDDL) destinada a permitir o livre compartilhamento, modificação e uso dos dados para qualquer finalidade e sem quaisquer restrições. Um tipo de licença aplicada em bancos de dados ou ao seu conteúdo ("dados"), em conjunto ou individualmente. Muitos bancos de dados e seus conteúdos são abrangidos por direitos autorais. Assim, o conjunto de direitos legais utilizados para proteger tais recursos, pode criar incerteza ou dificuldade de ordem prática para aqueles que desejam partilhar suas bases de dados e os dados subjacentes. Sob esta ótica surgem licenças que eliminam qualquer tipo de restrição legal para o compartilhamento.

 

Em relação ao catálogo, Charles Coffin Jewett (1816–68) já propunha um catálogo coletivo nacional para as bibliotecas norte-americanas, como forma de promover a difusão do conhecimento na sociedade; além de evitar que um livro catalogado por uma biblioteca fosse novamente catalogado por outra.

 

Para Jens Vigen (Chefe da Biblioteca do CERN), os livros devem ser catalogados apenas uma vez. “Atualmente, o setor público tem um gasto muito alto para ter o mesmo livro catalogado repetidas vezes. Bibliotecários deveriam agir como apregoam: o conjunto de dados [bibliográficos] criados através do financiamento público deve ser disponível livremente para qualquer pessoa interessada. O Open Access é natural para o CERN, e acreditamos na abertura e reutilização [de registros]. Existe um grande potencial. Ao chegar às bibliotecas universitárias envolvidas neste movimento em todo o mundo, irá gerar uma atmosfera natural de compartilhamento e reutilização de dados bibliográficos. Um ambiente enriquecido pelos chamados serviços de mash-up [mesclar conteúdos online para variados propósitos], onde a maioria dos atores envolvidos a fazer uso não serão necessariamente apenas usuários de bibliotecas ou bibliotecários, mas outros prestadores de serviços. A nossa ação é feita dentro do espírito da Declaração de Berlim sobre o Acesso Livre ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades; assim os dados bibliográficos também pertencem a esta herança cultural. Todos os outros signatários devem alinhar suas políticas em conformidade com estes preceitos” (tradução literal).

 

Os dados bibliográficos da Biblioteca do CERN são utilizados pelo Open Library Project ao fornecer uma página eletrônica na Web de cada livro disponibilizado de maneira a permitir que os usuários adicionem conteúdo como: índices, sumários, resumos e classificações. O Open Library (Biblioteca Aberta) é um projeto com a finalidade de listar todos os livros publicados - sejam impressos ou fora de catálogo comercial, disponíveis em livraria ou em uma biblioteca, digitalizados, digitados ou digitais.

 

O Projeto desenvolve um catálogo bibliográfico para ser compartilhado de forma livre e aberto com o público. Ancora-se na esperança de que isso envolva mais pessoas no uso dos serviços das bibliotecas, e no longo prazo ajude a criar novas informações que sejam úteis para as bibliotecas e sua comunidade usuária. Não é, portanto, um catálogo para compartilhamento apenas entre as bibliotecas.

 

A biblioteca do CERN, em apoio a tais iniciativas, especifica que para o acesso e reutilização dos seus dados bibliográficos, os mesmos são fornecidos por protocolos: Z39.50, SRU (Search/Retrieve via URL) e OAI (Open Archives Initiative) via repositório aberto de armazenamento de dados bibliográficos denominado biblios.net.

 

A totalidade dos dados bibliográficos, da biblioteca do CERN, também se encontra disponível no endereço: http://cern.ch/bookdata, na página  onde se pode realizar o download. A exportação dos dados está atualizada até 06.12.2009. Atualizações regulares da base são esperadas. Os dados bibliográficos são fornecidos no formato MARCXML, porém, em breve, a biblioteca irá fornecer em outros formatos, especialmente em RDF (Resource Description Framework).

 

As iniciativas citadas destacam a importância de as bibliotecas envolverem-se em um ambiente global de comunicação, comunidade e colaboração. Ambiente de redes de dados bibliográficos compartilhados. A proposta indica uma nova tendência que requalifica a finalidade dos registros bibliográficos de não serem apenas representações de itens de uma coleção; ou de serem formatos circuláveis apenas no âmbito da comunidade biblioteconômica. É revalorizado um tradicional e importante processo de organização da informação, considerado por alguns como obsoleto, mas que ainda é significativo ao ambiente dos conteúdos digitais. Há um dinamismo atrelado aos recursos instrumentais da tecnologia e as mudanças culturais proporcionadas pelas redes sociais.

 

Sobre a plataforma de operacionalização do compartilhamento de registros, o sistema é o biblios.net. Seu uso é livre. Ele é operável por meio de qualquer navegador de internet. No caso do Internet Explorer (da Microsoft), a partir da versão 7.  Pessoalmente, recomendo o Mozilla Firefox ou o Google Chrome que apresentam melhor performance na rodagem do sistema.

 

Introdução básica ao biblios.net

 

O biblios.net é um serviço catalográfico que oferece um repositório de dados contendo mais de trinta milhões de registros. É o maior repositório mundial de registros bibliográficos licenciados livremente. Os dados bibliográficos são mantidos pelos usuários de maneira similar ao modelo adotado pela Wikipedia. Os catalogadores podem usar e contribuir na alimentação do banco de dados, sem restrições de licença.

 

A ferramenta possui um editor de MARC21, com planilhas pré-formatada para entrada de registro (templates), índice de autoridade e manual de ajuda embutido. Inclui um sistema interno de busca federada permitindo aos catalogadores encontrarem registros em bases bibliográficas via Z39.50. Há uma central de pesquisa de registro com mais de 2.000 servidores Z39.50, o que torna fácil localizar, criar e compartilhar dados. Além de apresentar uma interface para catalogação, o sistema oferece um ambiente de social cataloguing único. Nele podem ser criados fóruns e trocadas mensagens privadas, realizar sessão de bate-papo (chat) o que colabora para maior interatividade entre os usuários ou catalogadores. Essas características são visualizadas na Tela 01 que apresenta a interface de entrada ao sistema, após efetuar a inscrição para acesso e uso. Para iniciar o serviço de catalogação clicar no botão Start Cataloging!.

 

                          Tela 01 – Interface de entrada ao biblios.net

 

 



                  Tela2 – Interface do  Serviço de Catalogação do Biblionet

 

Selecionada a opção Start Cataloguing, entra-se no módulo de registro apresentado na Tela 02  e onde se pode selecionar:

 

§  (1) – editar um registro (Editing) como opção para criar um novo registro, editar um pré-existente, ou mesmo copiar dados de outra base bibliográfica. Nesta mesma opção é feita a escolha da planilha formatada para o tipo de material a ser descrito.

§  (2) – Searching, reside o módulo de pesquisa de registros federado em outras bases externas via protocolo Z39.50, ou consulta nas bases existentes no repositório, incluindo a utilizada pelo próprio catalogador.

§  (3) – Localização das pastas (folders) de armazenamento dos registros trabalhados pelo catalogador. Trash é uma opção para registros a serem excluídos da base. Completed é a pasta para armazenamento do registro criado ou editado nos acertos decorrentes de cópia. Nesta pasta ficam, portanto, os registros efetivos do catalogador e que serão inseridos em definitivo no repositório. A pasta Draft armazena os registros em processo de finalização técnica. E, por fim, a pasta Uploads onde ficam armazenados os registros copiados de outras bases bibliográficas que nas fases de acertos iram transitar pelas demais pastas.

 

                 Tela 03 – Interface de Cadastramento de Registro Bibliográfico

 

A Tela 03 ilustra a inserção de registros no sistema. Selecionada na opção Editing (1) a planilha correspondente ao tipo de material, é aberta na janela (2) o conjunto mínimo de etiquetas MARC necessárias para a descrição. Havendo necessidade de inclusão ou exclusão de campos ou subcampos, pressionar o botão Commands que abrirá um menu indicativo de comandos:

 

§  CTRL-N à adiciona campo (Add Field)

§  CTRL –R à remove campo (Remove Field)

§  CTRL – M à adiciona subcampo (Add Subfield)

§  CTRL- D à remove subcampo (Remove Subfield)

 

O botão Tools abre menu de opções para manipulação do registro bibliográfico:

 

§  Save (salvar): envia o registro para exclusão (Trash), ou armazena o registro finalizado na pasta Completed ou na Drafts (em finalização), ou ainda na pasta Uploads (registros carregados para inclusão no sistema). Pastas marcadas pelo 3.

§  Export: exportar o registro como estrutura MARC 21 ou MARCXML, este último para utilização também em ambiente não MARC.

§  Send: para enviar registro ao repositório geral do biblios.net.

 

O botão Revert restaura  a situação anterior do registro após mudanças efetuadas e não desejadas. Já, o ícone da seta com uma lata representa o envio do registro para exclusão.

 

Contatos sobre a proposta comentada

 

Para informações sobre a proposta da Biblioteca do CERN, contatos podem ser feitos com:

Jens Vigen

Group Leader Scientific Information Service, CERN

jens.vigen@cern.ch

 

Para informações sobre o projeto de dados bibliográficos abertos, contatos podem ser feitos com:

Patrick Danowski

Emerging Technologies Librarian (Fellow), CERN

patrick.danowski@cern.ch

 

Concluindo

 

A catalogação se transforma dinamizada pelas possibilidades das tecnologias. Tecnologias que adaptadas pelas pessoas às suas necessidades proporcionam maneiras novas de interação e produção de conteúdos. A catalogação se transforma, portanto, porque a sociedade expande a sua maneira de buscar, usar e produzir a informação e o conhecimento. Desta forma, a catalogação não morre obsoleta. Suas premissas evoluem por outras plataformas de saberes, agora mais sociais e integrativas a participação e colaboração coletiva.

 

Antonio Panizzi (1797 – 1879), nas primeiras três décadas do século 19, preconizava um catálogo bibliográfico à biblioteca do Museu Britânico que fizesse sentido ao usuário. Ele dizia: “Eu quero que o estudante pobre tenha os mesmos recursos que o homem mais rico deste reino para satisfazer sua vontade de aprender, desenvolver atividades racionais, consultar autoridades nos diversos assuntos e aprofundar-se nas investigações mais intricadas. Acho que o Governo tem a obrigação de dar a esse estudante a assistência mais generosa e desprendida possível” (Battles, M. A conturbada história das bibliotecas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2003).

 

No século 21, se busca o catálogo bibliográfico que continue a fazer mais sentido, assim como o seu produto – registro bibliográfico, possa ser reutilizado de diferentes maneiras pelo usuário ou o bibliotecário. Pois nos propósitos da liberdade do acesso à informação, também o registro bibliográfico (novo ou velho), descritivo e reutilizável contempla referência a uma fonte de saber, tornando-o peça importante de acesso. Daí se conclui pelo valor do trabalho do catalogador que apregoa esses princípios de liberdades. A calça pode ser velha e desbotada, desde que seu uso seja inovado.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.