LITERATURA INFANTOJUVENIL


MEUS ENCONTROS AMOROSOS COM ESCRITORES II

Na coluna do mês passado falei da minha mania de “caçar” autógrafos e as delícias de conhecer em “carne e osso” os escritores.

 

Não pretendia nesse mês acrescentar outros escritores que conheci nas feiras, bienais e eventos de diferentes áreas. Mas essa semana minha irmã Solange me apresentou um livro que me atordoou, então resolvi retomar a conversa de novembro.

 

O livro que ela me recomendou é: O cachecol da escritora Lia Zatz. Esse nome me fez voltar o calendário até 1992, quando passeava descontraidamente entre os stands da Bienal Internacional do Livro de São Paulo (não me lembro o número da edição) e me senti atraída pelo título - Jogo Duro: era uma vez uma história de negros que passou em branco. O vendedor me informou que mais tarde a autora estaria ali no stand autografando. Comprei o livro, voltei para pedir autógrafo e assim conheci Lia Zatz numa conversa rápida, mas com direito ao meu autógrafo.

 

No mesmo ano conheci seu livro Galileu Leu e daí para frente nunca mais parei de ler esse livro no encerramento de todos os cursos e oficinas que eu tenho ministrado pela estrada afora.

 

Comprei também o livro Dá o pé, xá! Que é formado por um divertido jogo de palavras. Nesse livro há o seguinte comentário na contracapa: “Brincadeiras do Zé e de sua papagaia, narradas por meio de um jogo entre a palavra e a imagem, enredando, alegremente, o leitor na sua tecitura.”

 

Tecitura? Pensei que fosse tessitura! Fui pesquisar na internet e acabei aprendendo com Maria Tereza de Queiroz Piacentini que “[...] é mais apropriada a grafia com ‘c’ para significar ‘urdidura/organização’, na medida em que se escreve tecer, tecido, tecelagem, tecelaria, tecidual, tecedura, tecedeira. Já ao falar em música é natural que se grafe tessitura, pois nesse campo a língua portuguesa incorporou os exatos termos do italiano.”

 

Voltando ao livro que eu acabei de conhecer, O Cachecol, preciso dizer que ele é fantástico desde a sua estrutura. O livro tem duas capas e uma história contada sob duas perspectivas. De um lado está a avó preocupada com a adaptação da neta na cidade grande e do outro está a neta avaliando a adaptação da avó em uma nova morada. É muito interessante o olhar de cada uma em diferentes situações.

 

Não importa qual é o lado do livro que você escolhe para iniciar sua leitura, pois após ler uma narrativa é só virar o livro de cabeça para baixo e lerá a outra.

 

O que importa é ficar com o “olhar armado” e coração sensível para diferentes descobertas. E para atiçar a sua curiosidade, trago alguns trechos desse livro:

 

Perspectiva da avó

Perspectiva da neta

“A menina segurava firme na minha mão, acho que tava morrendo de medo, que nem eu. Se eu pudesse, voltava pro sítio na mesma hora.”

“Minha avó virava prum lado, depois pro outro, acho que ela tava boba que nem eu, querendo ver tudo de uma vez. Por mim eu ficava ali só olhando, esquecida da vida.”

 

Para acalmar o coração e levar a vida longe do seu sítio, a avó resolve fazer um cachecol e nunca o abandona, mesmo quando vai passear com seu filho e sua neta no centro daquela cidade tão alvoroçada:

 

“[...] quando me vi no meio daquela balbúrdia toda da cidade, fiquei tão assustada que não conseguia olhar mais nada. Enfiei o olhar no cachecol, fingi que estava na janela de casa e tricotei, tricotei, tricotei... até perceber que o cachecol estava começando a perder aquela cara bonita de saudade e ficando com cara de medo... cruz credo!”

 

Enquanto isso, para alegrar a avó o tio da menina e a menina compraram secretamente muitos novelos de lã colorida. A avó que não era boba ficou atenta...

 

“Quando voltei pra minha janela, fiquei esperta, fingindo que estava distraída lá com o meu horizonte e os meus sonhos, mas só esperando pra ver o que é que os dois iam me aprontar. Dito e feito: não é que eles tinham comprado aquele monte de lã colorida e tavam amarrando tudo no meu cachecol? Eu continuei o meu tricô, fingindo não ver nada, pensando no que ia fazer. Decidi brigar, não iam ficar me destratando assim. E já ia me levantando quando, de repente, olhei melhor pro cachecol e gostei: tava perdendo a cara de medo; tava pegando uma cara bonita, de saudade misturada com arco-iris... Continuei fingindo, olhando a vista e fazendo o meu tricô.”

 

Maravilhoso! (como diz o Tiago meu sobrinho de três anos) Maravilhoso esse texto e a construção que Lia Zatz faz do tricô e da vida.

 

Só para encerrar quero que você ouça a voz da avó quando diz: “Demorou pra eu me dar conta que em cada pedacinho dele eu tava tecendo um pedacinho da minha vida (isso é um segredo nosso, tá?).”

 

Se eu fosse você, iria atrás desse livro. Eu já pedi o meu pelo correio.

 

Sugestão de Leitura:

 

ZATZ, Lia. O Cachecol. São Paulo: Editora Biruta, 2004. (Série ver-a-cidade).

 

ZATZ, Lia. Dá o pé, xá! São Paulo: Pastel Editorial, 1989.

 

ZATZ, Lia. Galileu leu. Belo Horizonte: Editora Lê, 1992. (Coleção Confete).

 

ZATZ, Lia. Jogo duro: era uma vez uma história de negros que passou em branco. São Paulo: Pastel Editorial, 1989.

 


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.