PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: PROVER O LEITOR

Afirma-se sistematicamente nos últimos trinta anos, no ambiente das práticas profissionais bibliotecárias, que o foco principal do trabalho a ser realizado é a pessoa que utiliza ou utilizará os serviços prestados pelos bibliotecários.

 

Legalmente, no ambiente jurídico brasileiro, conforme disposto na Lei 4084/62, bibliotecários são, exclusivamente, os profissionais inscritos e devidamente em dia com o pagamento de sua anuidade perante o Conselho Regional de Biblioteconomia de sua região.

 

Para a obtenção dessa designação, como atributo social de uma profissão, o interessado deverá comprovar junto ao respectivo Conselho Regional de Biblioteconomia, da localidade em que pretende atuar, ter cursado um Currículo de Bacharelado em Biblioteconomia, em unidade de ensino superior brasileira ou equiparada. Essa comprovação será feita mediante o diploma de ensino superior em que conste a expressão Bacharel em Biblioteconomia.

 

Segundo informação proferida em palestras feitas neste ano de 2008, por membros da Diretoria do Conselho Federal de Biblioteconomia, em eventos profissionais ou científicos, no âmbito da Ciência da Informação e da Biblioteconomia, estudos preliminares referentes ao quantitativo de Bibliotecários disponíveis no Brasil, há um número aproximado de 30.000 (trinta mil) portadores dessa habilitação profissional. Esse número, confrontado com o tamanho da população brasileira, estimado em 190.000.000 (cento e noventa milhões de pessoas) dá um número de aproximadamente 6,3 bibliotecários para cada grupo de 100.000 (cem mil) habitantes.

 

Considere-se que as práticas bibliotecárias realizadas nos países de forte desenvolvimento econômico, sempre apontados por políticos e empresários brasileiros  como a referência para seus preços e suas decisões, devem ser tomadas também pelos bibliotecários brasileiros como referência ou como fonte de indicadores da qualidade desejável de seu trabalho. Nesses países, seus bibliotecários levam em conta que a assistência bibliotecária deve ser oferecida por toda a vida, iniciando-se pelas crianças já nos primeiros meses de vida (em bebetecas), no ambiente de creches, na pré-escola, nos estabelecimentos de educação infantil, no ensino fundamental e demais níveis educacionais. Isso representa para eles um ideário ou um ideal a ser atingido e lutam por ele. E manifestam-se em torno dele, apontando-o através da consolidação das idéias que se transformaram nos Manifestos da IFLA/UNESCO para Bibliotecas.

 

Nos termos em que são apresentados, esses manifestos são a expressão de uma vivência construída e conquistada, no dia a dia, através do convencimento dos políticos e de outros dirigentes sociais de que suas deliberações devem levar em conta o progresso social a longo prazo.  E no progresso social a longo prazo estará o mundo econômico e o mundo social feito a partir das boas escolhas. Boas escolhas são feitas com a disponibilização de volumes enormes de conteúdos e com a presença de especialistas em preparar leitores capazes. Leitores capazes necessitam de auxílio de boas bibliotecas escolares e públicas, dotadas de meios de acesso a conteúdos inscritos sobre quaisquer suportes e transmitidos por quaisquer materiais.

 

Nessas bibliotecas, que podem ser utilizadas presencialmente ou a distância, estarão os bibliotecários não como brotos naturalmente produzidos, mas como atores sociais conscientes de seus papéis político-profissionais. Atores sociais que se sabem construtores e transformadores dos discursos sobre as várias contingências de suas práticas profissionais e, por isso, capazes de demonstrar os amplos significados materiais de seu trabalho. Que sabem, historicamente, que seus papéis são tão mais percebidos quanto mais politicamente (não partidariamente) estão engajados na defesa da sociedade que lê, com o argumento de que a leitura, se tem a capacidade de fortalecer o espírito, tem mais poder ainda de fortalecer as competências para a construção de uma sociedade produtiva, igualitária e boa de viver. Têm noções muito claras de que o PIB (Produto Interno Bruto) de seus países está em relação direta com a capacidade de transformar dados em informação e esta em conhecimento. Sabem nitidamente, que pobreza de informação, que incompetência no uso de informação produz a grandeza da pobreza econômica.

 

A pobreza econômica trouxe para o Brasil nas duas últimas décadas o discurso da inserção social, da inserção da informação, da competência informacional, mas infelizmente não mudou muito o quadro do ensino de Biblioteconomia no país. Da mesma forma que os Manifestos IFLA/UNESCO ainda têm o efeito de literatura, a discussão sobre inserção e competência informacional vão na mesma direção de um discurso esvaziante da competência informacional.

 

Na medida em que tudo é tratado como literatura e quem mais usa essas expressões mais parece estar comprometido com mudanças, fica tanto mais evidente que são meras mudanças de discursos, como todo o discurso que vem sendo feito sobre a precedência do usuário da informação, porque a precedência, parece, é dada para um rótulo e não para o conteúdo. No caso do usuário, o conteúdo original do conceito está  associado a um indivíduo que busca a informação como substrato produtivo sendo ele também substrato produtivo, em uma equação do tipo “produto = matéria prima + conhecimento operacional + conhecimento técnico + fundamentação teórica”, em que os três tipos de conhecimento é o que a empresa requer do trabalhador. Essa equação terá efeitos diferentes, quão diferentes sejam os processos de educação escolar de dada sociedade, quão diferentes sejam os níveis de investimentos financeiro em escolarização e cultura, quão distintas sejam as formas de acesso e permanência na escola, etc.

 

No caso brasileiro, portanto, as pessoas não são devidamente escolarizadas e os dados do INEP/MEC confirmam isso. Neste país, os tomadores de decisão ainda tratam os trabalhadores como corpos domados e não como mentes indomáveis, pensantes, criadoras. Nesse contexto, não parece necessário que mais que algumas escolas, as dos que estão nos estratos sociais da elite econômica e social, caminhem por estratégias educacionais que se alonguem além de ambientes de adestramento (domar a animalidade corporal) e nessa circunstância para que bebetecas e bibliotecas escolares em todos os níveis de ensino? É para essa interrogação que o bibliotecário precisa apontar os argumentos que convençam aos tomadores de decisão de que a sociedade, os empresários, e todos os indivíduos terão muito a ganhar e muito mais qualidade de vida, quanto mais acesso ao livro, leitura e a seus conteúdos for assegurado.

 

Construir, difundir e sustentar esse discurso é o mínimo compromisso ético do bibliotecário brasileiro e, por isso, também da escola de Biblioteconomia brasileira. O juramento que os bacharelandos dos Cursos de Biblioteconomia concluídos no Brasil declamam no ato de suas respectivas colações de grau não dizem menos que isso. Antes de usuários de informação, o dever ético do bibliotecário brasileiro é formar leitores! E ele tem que dizer isso, fazer isso, defender isso e fazê-lo competentemente para todos os tomadores de decisão política e econômica e em qualquer circunstância.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB