LITERATURA INFANTOJUVENIL


TEM LOBATO NAS FARMÁCIAS: PEGUE O SEU ALMANAQUE FONTOURA (DIA 18 DE ABRIL – DIA NACIONAL DO LIVRO INFANTIL)

As crianças da minha geração, até por falta de opção, adoravam passar na farmácia mais próxima de casa para pegar um exemplar dos Almanaques de Farmácia. E com ele a gente ficava com muita vontade de tomar Biotônico Fontoura – que era composto de sulfato ferroso, ácido fosfórico e outras “cositas”. Já não tínhamos esse prazer quando um adulto malvado, mal humorado, mal amado, malfadado, inventava que precisávamos tomar Emulsão Scott – um líquido mal cheiroso, preparado com óleo de fígado de bacalhau, que nos tornaria, no futuro, fortes e saudáveis.

 

Credo: vamos mudar de assunto. Para você que não sabe do que eu estou falando, explico: Almanaque era um livreto publicado em formato mais ou menos 13x18, onde o texto e as ilustrações eram impressas em papel popular que era distribuído (me parece que mensalmente) nas farmácias brasileiras. Ele continha piadas, calendário, fases da lua, propagandas, dicas de saúde, receitas culinárias etc...

 

Lembro-me das capas que sempre tinha uma ilustração colorida com um espaço reservado onde o dono da farmácia colocava o nome e o endereço do seu estabelecimento comercial.

 

Falando nisso em sala de aula, no curso de Biblioteconomia um aluno me presenteou com um almanaque especializado. Digo que é um almanaque especializado, pois não sei classificá-lo de outra forma. Seu título é – “Almanak de Nossa Senhora Aparecida”, foi publicado em 1927, traz calendários, dias santos, histórias, charadas, orientações aos fiéis no preparo para o “baptisados”, “extrema uncção” e dicas de comportamento (bem coerentes com a publicação e o contexto da década de 20).

 

Uma das recomendações é bem engraçada (talvez nem tanto na época) e passo a transcrevê-la:

 

AMIGAS QUE NÃO CONVEM TER

 

1 - As que não têm sentimentos religiosos e moraes;

2 - As que não têm uma linguagem decente e pura;

3 - As que se vestem indecentemente;

4 - As que são amigas da murmuração e da crítica;

5 - As que somente falam de modas, vestidos, bailes, theatros e namoros;

6 - As que são “desembaraçadas demais” e apologistas da ostentação e da despreocupação;

7 - As que não podem dizer duas palavras sem soltar tres mentiras;

8 - As mexeriqueiras;

9 - As que só vivem na janella e na rua;

10 - As que não precisam licença dos paes, para irem aonde lhes parece e appetece.

 

Fiz um rodeio danado, pois precisava contar dessa publicação que ganhei e achei muito curiosa. Mas o que eu quero mesmo contar é que graças ao espírito de historiadora/memorista/documentalista da minha mãe, tenho aqui em casa, um exemplar do Almanaque Fontoura: Jeca Tatuzinho de Monteiro Lobato que foi publicado em 1973. Com a capa amarelo ouro (que realmente é uma preciosidade!).

 

É nessa obra que Monteiro Lobato tem a oportunidade de se retratar, pois havia criticado o homem da terra, trabalhador das lavouras no Estado de São Paulo, taxando-o de preguiçoso. Segundo Marisa Lajolo ele: “reescreve seu julgamento do caipira paulista dizendo: o Jeca não é vadio: é doente.” (LAJOLO, 2000, p.56). E o veiculo que ele usa para fazer essa “correção” é o almanaque de farmácia que chegava facilmente nas menores cidades brasileiras. Podemos dizer que era uma fonte primordial de informação e de leitura para a maioria dos cidadãos. Não é a toa que na capa, pelo menos desse meu exemplar, vinha escrito em letras maiúsculas – “A OBRA DE MAIOR DIVULGAÇÃO EM TODO O BRASIL.” - 35a edição - 84 milhões de exemplares.

 

Deixando de lado a opinião de que Lobato foi oportunista por ter feito um texto em que “lavava a sua alma” – após criticar o caipira paulista e por ele ter atendido os apelos de uma empresa comercial e feito uma peça publicitária –, vou contar essa história, pois além de ter um lado saudosista para a minha geração, ela é recheada de tempero que anda ficando raro ultimamente – o humor.

 

JECA TATU era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia, e de vários filhinhos pálidos e tristes. Não tinha fôlego para nada, não pagava a pena plantar, pescar, remendar roupa... Valia só beber pinga. Assim, ele é taxado de preguiçoso.

- Por que você bebe Jeca? diziam-lhe.

- Bebo para esquecer.

- Esquecer o quê?

- Esquecer as desgraças da vida.

E os passantes murmuravam:

- Além de vadio, bêbado...

 

Assim o Jeca levava a vida...

 

Jeca possuía ainda um cachorro, o Brinquinho, magro e sarnento, mas bom companheiro e leal amigo. Brinquinho vivia cheio de bernes no lombo e muito sofria com isso. Pois, apesar dos ganidos do cachorro. Jeca não se lembrava de lhe tirar bernes. Por quê? Desânimo, preguiça...

As pessoas, que viam aquilo, franziam o nariz.

- Que criatura imprestável! Não serve nem para tirar berne de cachorro...

 

Certo dia um médico, fugindo da chuva, foi pedir abrigo na casa do Jeca e se assustou com tamanha miséria e diz:

 

- Amigo Jeca, o que você tem é doença.

- Pode ser. Sinto uma canseira sem fim, e dor de cabeça, e uma pontada aqui no peito, que responde na cacunda.

- Isso mesmo. Você sofre de ancilostomíase.

- Anci...o quê?

- Sofre de amarelão, entende? Uma doença que muitos confundem com a maleita.

- Essa tal maleita não é sezão?

- Isso mesmo. Maleita, sezão, febre palustre ou febre intermitente: tudo a mesma coisa.

 

Dessa forma, o doutor receitou MALEITOSAN FONTOURA, ANKILOSTOMINA FONTOURA e BIOTÕNICO FONTOURA. Mandou o Jeca comprar umas botas e nunca mais andar descalço e largar de tomar pinga.

 

Para que o Jeca acreditasse o médico colocou uma lente nos seus pés descalços e ele viu uma “bicharada”. O pobre homem arregalou os olhos, assombrado.

 

- Nunca mais! Daqui por diante dona Ciência está dizendo, Jeca está jurando em cima! Tesconjuro! E pinga, então, nem pra remédio!...

 

Jeca ficou cismando. Não acreditava muito nas palavras da Ciência, mas por fim resolveu comprar os remédios, e também um par de botinas ringideiras.

 

Desse dia em diante: Jeca de medroso virou valente. Antes carregava alguns gravetos, passou a carregar grandes feixes de madeira, colocou botinas até nos galos, galinhas, patos e porcos.

 

Sua fazenda se desenvolveu tanto que ele se transformou em um homem rico e sua fazenda passou a ser denominada – Fazenda Biotônico – e tornou-se famosa no País inteiro. Tudo ali era por meio do rádio e da eletricidade. Jeca, de dentro do seu escritório, tocava num botão, e o cocho do chiqueiro se enchia automaticamente de rações muito bem dosadas. Tocava noutro botão, e um repuxo de milho atraía todo o galinhame!... Suas roças eram ligadas por telefone. Da cadeira de balanço, na varanda, ele dava ordens aos feitores, lá de longe.

 

E seus filhos e esposa nem pareciam os mesmos de antigamente. E o curar gente da roça passou Jeca toda a sua vida. Quando morreu, aos 89 anos, não teve estátua, nem grandes elogios nos jornais. Mas ninguém ainda morreu de consciência mais tranqüila. Havia cumprido o seu dever até o fim.

 

FIM. Ficou triste? Mais uma vez atrapalhei sua leitura. Que raio de mediadora de leitura sou eu?

 

Resposta: Sou daquelas que quero despertar o gostinho de “queromais”.

 

Se você quer conhecer o texto completo, me escreva que eu encaminho. Ficarei feliz!

 

E me despeço com vontade de entrar no túnel do tempo e dizer: TEM LOBATO NAS FARMÁCIAS: pegue o seu Almanaque Fontoura!

 

 

Sugestões de Leitura:

 

LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo: Moderna, 2000.

 

LOBATO, Monteiro. Jeca Tatuzinho. 35.ed. São Paulo: Almanaque Fontoura, 1973.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.