LEITURAS E LEITORES


A RELAÇÃO ESCOLA E TEATRO INFANTIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Pensar em teatro infantil, antes de tudo, é pensar em Arte e, como tal, é ter claro que a formação do indivíduo é mediada pelas relações artístico-culturais existentes na sociedade.

 

Ainda nos leva a pensar em todos os produtos culturais existentes: livros, música, pintura, dança, teatro entre outras manifestações culturais.

 

Pensar na escola, nesse contexto, é ter claro que, entre outros aspectos, ela muitas vezes transforma-se num dos únicos meios de contato da criança com a Arte, principalmente num país com tanta carência de espaços culturais destinados à criança. Isso não quer dizer que o modo como a escola conduz esse processo seja plenamente satisfatório. Ainda não o é, pois a escola reflete as relações que a sociedade, como um todo, mantém com a cultura.

 

Se o professor, como qualquer cidadão, em sua comunidade não teve contato com os produtos culturais, não teve acesso ao livro, ao teatro ou à música, é muito provável que ele também terá mais dificuldade para entender e permitir que as manifestações artísticas aflorem no espaço escolar. É provável que na escola haja maior dificuldade para compreender a dimensão do estético em qualquer que seja o veículo: texto, imagem, teatro etc. Enfim, se os instrumentos de cultura estão ausentes para a população, estarão também para a escola.

 

A escola, por sua própria trajetória, tende a escolarizar aquilo que chega ao seu domínio. Inclusive o teatro. Se escola tem pouco contato com os produtos culturais, há grande probabilidade de que relação escola-arte transforme o artístico num arremedo excessivamente didático, cuja intenção predominante seja a de inculcar valores moralizantes nos pequenos em detrimento do estético.

 

Por outro lado não se pode perder a noção de que ainda assim, a escola é um dos principais meios de contato do público infantil com o teatro. Basta ver a pequena quantidade de teatros e montagens infantis nas cidades de pequeno e médio porte.

 

Não é absurdo pensar que nas cidades pequenas (a maioria do Brasil) o contato da criança com o “teatro” se dá basicamente pela escola ou pela igreja. É claro que em ambas as instituições o “espetáculo” é marcado mais pelo viés pedagógico que pelo estético propriamente dito. Mas ainda assim, precariamente, aguça-se a sensibilidade da criança, No entanto, essas apresentações são sazonais, não têm continuidade e estão relacionadas a datas comemorativas da escola ou da igreja.  A gente poderia pensar: melhor isso que nada! Acredito que já está na hora de só as “pecinhas” bastarem. Arte para criança é coisa séria.

 

A criança merece uma produção artístico-cultural que vá além do improviso, além do arremedo dos programas de auditório da TV. É claro que a função do teatro na escola, enquanto recurso pedagógico, não é a de montar espetáculo.

 

O teatro na escola, de acordo com os PCNS de Arte (2001)**, tem o intuito de que o aluno desenvolva um maior domínio do corpo, tornando-o expressivo, um melhor desempenho na verbalização, uma melhor capacidade para responder às situações emergentes e uma maior capacidade de organização de domínio de tempo.

 

O teatro no ensino fundamental estimula o crescimento integral da criança, tanto no plano individual quanto no plano coletivo. No plano individual haveria “o desenvolvimento das capacidades expressivas e artísticas da criança”. Já o plano coletivo promoveria “exercício das relações de cooperação, diálogo, respeito mútuo, reflexão de como agir com os colegas, flexibilidade de aceitação das diferenças e aquisição de sua autonomia como resultado do poder agir e pensar sem coerção” (2001, p.84).

  

Se por um lado podemos pensar no teatro como manifestação educativa e cultural produzida no próprio seio escolar. Por outro lado, as produções oferecidas por grupos amadores e até profissionais, muitas vezes, tal como a escola, pecam pelo didatismo exagerado, pela ausência de pesquisa do processo cognitivo da criança, o que gera, também, uma distorção artística.

 

Assim, não é difícil encontrarmos espetáculos cuja concepção de criança centra-se apenas em criar um palco colorido, com muitas brincadeiras ou intervenção do público, ou com um comportamento típico dos programas de auditório, como se a criança não fosse capaz de assistir a uma apresentação sem “participar” indicando onde está a personagem, entre outros recursos etc. As interrupções constantes na peça, as elucubrações inatingíveis, em muitos casos, ao desenvolvimento cognitivo do público para qual apresentação é destinada, dilui o conflito da trama, dispersa a criança do foco principal... do enredo... da força dramática (que deve ser um dos aspectos fundamentais do teatro). Será que a criança não é capaz de assistir a um espetáculo sem que haja interrupção?

 

Também o texto não pode ferir a inteligência da criança, para elas o texto deve ser qualidade e não precisa tratar a criança como se ela fosse um “serzinho”, “pequenininho” que não consegue entender tudo direitinho, cheio de “inho”. A criança é pequena apenas no tamanho físico do corpo e isso não quer dizer que não tenha inteligência e sensibilidade.

  

Outro aspecto é anunciar a entrega de prêmios, sorteios no término do espetáculo tornaram-se quase um consenso de uns tempos para cá. Em conseqüência disso, não é difícil ver crianças frustradas, chorando porque não foi sorteada. A arte dramática não basta por si só? A criança precisa entender que o espetáculo deve bastar por si só. O que ele condensa, o que ele provoca no espectador não é imediatamente visível, “concreto”. A criança precisa de seu espaço para reelaborar o que viu, as emoções que foram estimuladas, de modo que a diversão se transforme em esclarecimento a respeito de si mesma, que favoreça o seu desenvolvimento psico-sócio-cultural.   

 

Na escola, como na sociedade em geral, a leitura está circunscrita, quase sempre, à seguinte gradação:

 

Sempre: lê-se o texto em prosa.

Às vezes: lê-se o texto em versos.

E Raramente: lê-se o texto dramático.

 

Basta procurar nos catálogos das grandes editoras para o público infanto-juvenil e verificar a quase inexistência de obras assim dirigidas às crianças. O mesmo acontece com o acervo das bibliotecas destinadas a esse público, ou seja, não é muito comum encontrar textos de teatro por lá. Portanto, é preciso que haja uma conjuntura de instrumentos culturais que formem um circulo cultural de modo a oferecer mais e mais acesso das crianças ao mundo da Arte como um todo.

 

Enfim, à criança deverão ser oferecidas várias possibilidades de produtos culturais, de espaços culturais para que ela amadureça sua visão, para que ela contraponha o que conhece com o que desconhece. Para que ela, principalmente, tenha despertada a sua sensibilidade para perceber-se, para perceber o outro, enfim, para perceber o mundo que a rodeia.

 

 

* Texto publicado no sítio do CBTIJ (Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude)

**Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Volume 6./ Ministério da Educação. 3.ed. Brasília: A Secretaria, 2001.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.