LEITURAS E LEITORES


SOBRE O PERTENCER

O sentido de posse, de pertencimento é inerente ao ser humano. Estamos sempre criando laços e, conseqüentemente, nos sentindo meio proprietários daqueles que fazem parte de nossas relações pessoais; daquilo que acreditamos e valorizamos. Esse sentimento, por mais egoísta que pareça, acalenta o sonho, a esperança e, principalmente, reafirma o sentido de nossa própria existência.

Laços humanos são paradoxais: unem e aprisionam. O mesmo pode ser comparado aos laços que estabelecemos em nossas crenças pessoais e profissionais. Crer pode tanto redimir, estimular o crescimento como instituir a injustiça.

Na década de 70, Zanine Caldas, que trabalhara por longos anos como projetista com Oscar Niemeyer, foi ameaçado pelo CREA/RJ com a cassação porque não tinha o diploma universitário. Não importava que ele tivesse trabalhado com um dos maiores arquitetos de seu tempo e que, principalmente, projetasse obras que o mundo referenciaria depois. Não fosse Lúcio Costa que lhe conseguiu o diploma honoris causa, a polêmica e até mesmo o impedimento que executasse projetos teriam acontecido e hoje a humanidade estaria mais pobre por desconhecer esse jeito brasileiro de criar, projetar.

Ainda nessa década, Paulo Freire já era conhecido mundialmente por seu pensamento e método revolucionários de alfabetizar. No entanto, aqui houve questionamento quanto a sua atuação como professor em universidades uma vez que ele não tinha formação em "educação", era advogado. Quem hoje ignoraria um doutor honoris causa em 28 países, como foi Paulo Freire? E principalmente, um dos principiais pensadores e educadores do século XX?

Na Argentina, país vizinho ao nosso, que por aqui insistem em classificar apenas como "nosso rival" no futebol, tem muito mais a ser descoberto, principalmente nas letras. O escritor argentino Jorge Luís Borges, na década de 70, foi diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires e participou ativamente do Quarto Congresso Mundial de Leitura realizado na capital argentina em 1972. Jorge Luís Borges não era formado em Biblioteconomia, mas tinha amor pelo livro, pela leitura.

Muitas são as histórias de pessoas que romperam limites impostos por convenções acadêmicas. A formação acadêmica é importante, mas não é maior que o talento, a pujança do ser humano, a necessidade de extrapolar limites estabelecidos.

Na última avaliação internacional realizada sobre a leitura no país (Pisa, 2000), o Brasil, dentre os 32 países participantes, ficou na última colocação. Um alerta para que sejam implantadas políticas de leitura em todo o território nacional, de modo a entrelaçar ações entre as áreas afins à leitura.

Não é possível formar leitores sem bibliotecas. Num país como o nosso onde essa instituição está ausente na formação de grande parte da população, haja vista que 1/5 dos municípios brasileiros não possui sequer uma biblioteca pública, toda e qualquer iniciativa para que esses espaços sejam criados não deve ser ignorado e muito menos criado obstáculos para que sejam criados.

Não se quer com isso descaracterizar um profissional tão importante para a sociedade como é o bibliotecário, no entanto, não se pode ficar de braços cruzados esperando que alguém pense na construção de bibliotecas e, principalmente, na contratação de bibliotecários. A nossa história deixa claro que não funciona assim.

Por outro lado, à medida que os espaços vão sendo criados, é uma tendência "natural" que, aos poucos, busquem-se profissionais com formação compatíveis para atuar neles. Principalmente no meio público, não se consegue isso a ferro e fogo. Parece óbvio que montar uma biblioteca significa possuir todos os recursos necessários para seu funcionamento e, principalmente, o profissional. Mas não é isso que acontece, entrega-se o prédio e quanto aos recursos humanos a conversa é outra. Enfim, existe uma "tradição" dos meios públicos em entregar projetos "quase prontos".

Todos os profissionais direta ou indiretamente estão ligados à leitura e à biblioteca, mas os profissionais da Educação, da Letras, das Ciências da Informação e Biblioteconomia, em especial, são responsáveis em apontar diretrizes para que a leitura ganhe mais e mais espaço em nossa sociedade, para que a informação possa chegar a todos. No entanto, essas áreas quase sempre estão encasteladas, cada uma com suas próprias verdades e as estratégias para a leitura, que poderiam ser somadas para que todos usufruíssem dela, são diluídas por egos pessoais e acadêmicos, com isso, todos perdem.

Numa sociedade democrática, a defesa de diferentes pontos de vista é necessária e auxilia seu desenvolvimento, mas é preciso ter cuidado para que a crença não se torne fundamentalista, ou seja, uma visão intransigente, maniqueísta que na ânsia de ajudar, de unir, acaba por desagregar e se fechar em seu "castelo medieval", impedindo que a leitura e a informação cheguem à população.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.