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A EXPLOSÃO DOS SUPER-HERÓIS NA DÉCADA DE 40. PARTE II: MULHER-MARAVILHA

Desde o início, o público visado pelas revistas de histórias em quadrinhos foi sempre o masculino. Mesmo nas histórias publicadas em jornais, a mulher tradicionalmente, sempre ocupou um papel subalterno, sendo retratada como namorada, secretária ou amiga do protagonista/herói; ou, então, ela era a vilã da história que, secretamente, nutria uma paixão não declarada pelo herói ou almejava que este a ela se juntasse em seus planos de conquista ou riqueza. Quando protagonista, como nas girl ou family strips sindicalizadas, a mulher foi muitas vezes retratada sob o ponto de vista masculino e estereotipado, ou seja, como uma criatura romântica e frágil, que cultivava uma visão idealizada do mundo; ainda que ela pudesse ter uma carreira profissional definida, esta parecia existir apenas como uma forma de ocupar o seu tempo enquanto não aparecia o seu príncipe encantado, pois no fundo ela estava mesmo é ávida por encontrar um marido que lhe desse o conforto e proteção que almejava acima de tudo. Embora essa seja uma visão hoje considerada até mesmo grotesca por membros dos dois sexos, na época não causava grande admiração em ninguém, pois desta maneira era a mulher vista tanto pelos produtores (desenhistas, roteiristas e editores) como pelos leitores de histórias em quadrinhos, nesta última categoria incluindo-se também as poucas mulheres que, teoricamente, o faziam.

Com o aparecimento das revistas, a história não foi muito diferente, ainda mais quando surgiram os super-heróis. Nos primeiros anos de publicação de sua aparição nos quadrinhos, a forma como as mulheres foram retratadas nas histórias não era muito diferente daquela que podia ser encontrada nos jornais. Os primeiros protagonistas super-poderosos pertenceram todos ao sexo masculino e, em suas aventuras, às mulheres era reservado apenas o papel de coadjuvantes. E ninguém reclamava muito a respeito disso.

Esta realidade chamou a atenção de William Moulton Marston, um psicólogo que trabalhava como consultor educacional para a Detective Comics, Inc., uma das grandes editoras de quadrinhos da época. Ele levou o caso ao conhecimento de Max Gaines, então o big boss da empresa, e lhe propôs a idéia da criação de uma super-heroína, que pudesse, de uma certa forma, quebrar a superioridade masculina nas revistas e atrair a atenção do público feminino, potencial mercado a ser explorado. Gaines gostou da idéia e sugeriu a Marston que se dedicasse ele mesmo à elaboração dessa personagem. O psicólogo assim procedeu, mas preferiu, para tanto, não assinar as histórias com seu próprio nome. Utilizou o pseudônimo de Charles Moulton.

A Mulher-Maravilha (Wonder Woman) surgiu nos quadrinhos no número 8 da revista All Star Comics, de dezembro de 1941. Rapidamente ganhou o estrelato, abrindo o primeiro número da revista Sensation Comics, de janeiro de 1942, e, em seguida, obtendo o seu próprio título, Wonder Woman, que apareceu no verão de 1942. Com o seu surgimento, completou-se o trio dos super-heróis de maior longevidade das revistas de histórias em quadrinhos até o momento, um seleto e diminuto grupo do qual também fazer parte Super-Homen e Batman. À diferença dos outros dois, no entanto, a Mulher-Maravilha desde o início pareceu ter um público muito mais diversificado, atingindo tanto homens como mulheres, bem como gerando uma maior diversidade de interpretações, tanto favoráveis como desfavoráveis a seu papel na sedimentação da representação do imaginário feminino nas histórias em quadrinhos.

A origem da mais popular super-heroína das histórias em quadrinhos, conforme relatada na revista All Star Comics n. 8 e na primeira edição de Sensation Comics, é bastante singela: Hipólita, rainha das Amazonas, cansada das perversidades do mundo masculino, afasta-se da sociedade e se refugia com suas súditas em uma ilha distante, denominada Paradise Island. Ali, inspirada pela deusa Atenas, ela molda uma estátua feminina, a quem sopra vida e batiza como Diana, a Mulher-Maravilha, que será a possuidora da força de Hércules, da velocidade de Mercúrio e da beleza de Afrodite. Munida de um par de braceletes que utiliza para repelir as balas, um avião invisível como meio de transporte e um laço mágico que tem a capacidade de obrigar todos aqueles que aprisiona a falar somente a verdade, ela tem por missão combater as forças do mal e barrar o caminho de Marte, o Deus da Guerra. Após apaixonar-se pelo Capitão Steve Trevor, um oficial da U. S. Army Intelligence, a quem havia salvado da morte, ela decide trazê-lo de volta à América e ajudá-lo em sua luta pela liberdade e democracia (os Estados Unidos já haviam entrado na Segunda Guerra Mundial, nessa época). A partir daí, a Princesa Diana passa a viver suas aventuras de primeira super-heroína no mundo dos homens, para tanto também utilizando, tal qual suas contrapartes masculinas, uma identidade secreta, a da enfermeira Diana Prince (uma denominação certamente surgida em um momento de pouca inspiração do Dr. Marston...).

Durante mais de sessenta anos de publicação em quadrinhos, a Mulher-Maravilha foi sempre uma das estrelas da DC Comics, participando, regular ou irregularmente, de várias publicações da editora. Na revista Sensation Comics, ela estrelou 106 números, de janeiro de 1942 a novembro de 1951; em Wonder Woman, ela teve duas séries, a primeira publicando 329 números, do verão de 1942 a fevereiro de 1986, e a segunda, ainda corrente, com 184 números publicados apenas no período entre fevereiro de 1987 a outubro de 2002. Além disso, teve dezenas de aparições em outras revistas, nas quais ela viveu aventuras ao lado de diversos outros heróis da editora, como nas revistas The Brave and The Bold (em geral, com Batman), Action Comics (com o Super-Homem) e All Star Comics (como membro do grupo de heróis conhecido como Liga da Justiça), entre outras.

O criador da imagem gráfica da personagem foi o desenhista Harry G. Peter, que a desenhou em seu principal título de 1941 a 1958, sendo depois substituído por vários outros desenhistas, entre os quais se destacam Ross Andru, Mike Espósito, Mike Secowsky, Dick Giordano, Don Heck, Ric Estrada, Vince Colletta, José Delbo, Dave Hunt, Gene Colan, Frank McLaughlin, George Perez, entre outros. Dos roteiristas, os mais freqüentes na revista, após a morte de Marston, em 1947, foram Robert Kanigher, Denny O´Neil, Mike Secowsky e George Perez.

Devido a sua alta popularidade entre os leitores, era também de se esperar que a Princesa Amazona logo fizesse seu trajeto para outras mídias, principalmente a televisão, como aconteceu com Superman e Batman. E isto realmente aconteceu, embora talvez não com a mesma intensidade destes outros heróis. Na década de 60, uma tentativa de criação de um seriado para a TV foi realizada por William Dozier, o mesmo produtor do seriado do Batman, mas a idéia não teve prosseguimento. Outra tentativa ocorreu em 1974, com Cathy Lee Crosby no papel da protagonista, mas a experiência foi abortada em seu nascedouro. O grande sucesso na televisão só viria após um episódio piloto de 90 minutos que foi ao ar nas televisões americanas na sexta-feira, 7 de novembro de 1975, estrelado pela iniciante e então ainda desconhecida atriz Lynda Carter, que se adaptou muito bem ao papel. Desta forma, a partir de 1975 teve início a série televisiva da personagem, com episódios de uma hora de duração. Apresentada nas redes ABC e CBS, ela teve três temporadas consecutivas: The New Original Wonder Woman (de 1976 a 1977, com 13 episódios) e The New Adventures of Wonder Woman (46 episódios, de 1977 a 1979, em duas temporadas). A série é até hoje bastante reverenciada por seus fãs no mundo inteiro.

De uma certa forma, a Mulher-Maravilha representou a ponta de lança de um verdadeiro exército de super-heroínas que posteriormente iria surgir nas revistas de histórias em quadrinhos. Vinculadas a personagens do sexo masculinos ou totalmente independentes, elas buscavam combater as forças do mal em pé de igualdade com os personagens do sexo oposto, representando e ajudando a firmar o papel decisivo das mulheres no imaginário coletivo do século 20. Como afirma Juanita Coulton em seu texto "Of (super) human bondage", elas eram "literalmente vintenas de heroínas e superheroínas primárias e secundárias. Tais como (em nenhuma classificação ou ordem ou grau de completeza): Bat Girl, Supergirl, Sun Girl, Hawkgirl, Bulletgirl, Phantom Lady, Moon Girl, Black Canary, Black Angel, Black Cat, Zatanna, Maia, Invisible Scarlet O´Neil, Lady Luck, Marvel Girl, the Invisible Girl, etc.".

No Brasil, a Mulher-Maravilha jamais teve a popularidade que atingiu nos Estados Unidos. Fazendo parte do chamado "universo" dos heróis da DC Comics - do qual também participam Batman e Super-Homem -, foi publicada pelos mesmos editores desses heróis no país, mas poucas vezes chegou a ter uma revista regular própria. O grande destaque, nesse sentido, foi o tratamento que a Princesa recebeu da Editora Brasil América Ltda. (EBAL) ao final da década de 1970, quando estrelou 43 números da revista Quadrinhos, de dezembro de 1977 a junho de 1981 e participou em 38 números da revista Superamigos.


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WALDOMIRO VERGUEIRO

Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área.