O SUPER-HOMEM: O MAIS COMPLETO SUPER-HERÓI DOS QUADRINHOS
No entanto, ainda era cedo demais para esse tipo de
criação. Aos editores de quadrinhos de jornais, a personagem pareceu
infantilizada demais, com características que a deixavam por demais fantástica
para ganhar a simpatia dos leitores. Era imaginosa demais. Inacreditável demais.
Assim, um após o outro, os editores responderam negativamente à proposta dos
dois jovens, recusando a história em quadrinhos que eles ofereciam.
No entanto, sem desistir de sua criação mais
ambiciosa, a dupla, paralelamente, trilhou outras vertentes narrativas nas
histórias em quadrinhos. Criaram vários personagens, como Slam Bradley,
Henri Duval, Federal Men e Dr. Occult, que conseguiram,
estes sim, granjear alguma simpatia por parte dos editores de quadrinhos, sendo
publicados em diversas revistas e inclusive exportados para outros países
(Slam Bradley, por exemplo, foi publicado no Brasil na
Gazetinha...). Ao mesmo tempo, insistentes, os dois continuaram tentando
vender seu personagem às editoras de revistas em quadrinhos. Colecionaram recusa
em cima de recusa, até que, em 1938, o acaso aparentemente lhes bafejou com a
fortuna: Vince Sullivan, editor da Detective Comics Inc., tinha um projeto de
lançar uma revista chamada Action Comics e necessitava de alguma coisa
que pudesse chamar a atenção dos jovens; entendendo que a criação de Siegel e
Shuster tinha potencial para isso, resolveu utilizá-la no primeiro número da
revista. Assim, a Detective Comics Inc. chamou os dois autores e negociou com
eles os direitos de publicação do personagem - encomendando a primeira história
de treze páginas a dez dólares por página; os dois rapidamente transpuseram a
primeira história de seu personagem, originalmente montada no formato de tiras
de jornais, para as páginas da revista e conseguiram, finalmente, atingir o seu
objetivo: tê-lo em forma impressa, em uma revista de grande circulação.
A pequena narrativa acima evidencia a forma como
chegou às bancas de jornal dos Estados Unidos o Superman
(Super-Homem), a vanguarda do grande, quase incontável exército de
super-heróis que iria posteriormente surgir nas histórias em quadrinhos. E, como
havia acontecido alguns anos antes, sem que ninguém se desse conta, uma nova
etapa estava sendo inaugurada na indústria quadrinhística...
Os tempos eram outros, então. De uma certa forma, o
ambiente para florescimento dos super-heróis dos quadrinhos já havia sido criado
por algumas criações extemporâneas, tanto nos jornais como nas próprias revistas
em quadrinhos - como Mandrake e Fantasma, de Lee Falk, e até mesmo
o marinheiro Popeye, de Segar, nos primeiros, e o próprio Dr.
Occult, de Siegel e Shuster, nas últimas. Assim, não é surpreendente que o
número 1 da revista Action Comics tenha agradado em cheio ao jovem
público leitor de quadrinhos e vendido muito bem, acima das expectativas de seus
editores. E que os números seguintes não tenham ficado atrás do primeiro.
Em pouco tempo, os leitores passaram a buscar a
revista por seu personagem predileto. Era o sucesso, a aclamação popular. Um ano
depois de seu aparecimento na revista Action Comics, o Super-Homem ganhou
um título próprio e transformou-se também em uma tira diária, distribuída pela
McClure Syndicate, um daqueles que a tinha rejeitado em anos anteriores. Em
1940, apenas dois anos depois de sua estréia como personagem de quadrinhos, veio
a série radiofônica que o consagrou definitivamente no ambiente da comunicação
de massa, onde surgiu a famosa frase "Up in the sky - look! It's a giant bird!
It's a plane! It's SUPERMAN!". Em 1941, uma série de desenhos animados,
produzida pelo Fleischer Studios, os mesmos que produziam Popeye e
Betty Boop chegou aos cinemas, replicando o sucesso atingido nas outras
mídias. Era a glória!
No entanto, apesar do sucesso do personagem, nem tudo foram rosas na vida dos autores de Super-Homem, como explica Mike Benton em seu livro Superhero comics of the golden age: the illustrated history. (Dallas: Taylor Publishing Company, 1992):
Superman ficou famoso, mas Siegel e Shuster não ficaram ricos. Quando eles venderam a primeira história de Superman em 1938 para a Detective Comics Inc. por 130 dólares, eles também venderam todos os seus direitos em relação ao personagem. Os editores disseram a Siegel e Shuster que esta era a "usual" e a "maneira comercial de fazer as coisas." Na indústria de revistas de quadrinhos daquela época, a prática comum era realmente comprar todos os direitos junto com o trabalho artístico.
Apesar de não ficarem milionários, aos autores do Super-Homem não faltava trabalho naqueles tempos iniciais. Como centralizavam os quadrinhos sobre o personagem, tiveram até que contratar assistentes para ajudá-los na produção de histórias para os dois títulos regulares e a tira sindicalizada. Ao fazerem isso, atendendo às demandas editoriais e do público, eles provavelmente não se davam conta de que o faziam por terem criado as raízes para o ramo mais lucrativo da indústria dos quadrinhos. De fato, os dois jovens de Cleveland foram responsáveis diretos pelo florescer dos super-heróis. Na primeira história do Super-Homem, inclusive, eles estabelecem todos os clichês do gênero, criando o molde a partir do qual, de uma forma ou de outra, seriam formados todos aqueles que o seguiram. Isto é descrito minuciosamente por Richard Reynolds, em seu livro Super-Heroes: a modern mythology (p. 12-16). Segundo ele, as características que iriam prevalecer, durante muitos anos, na grande maioria dos super-heróis dos quadrinhos, são estabelecidas nas 13 páginas da primeira história do herói, a saber:
1) a perda dos pais: o super-herói é alguém que está
fora da sociedade, ou seja, ele raramente atinge a maturidade a partir de um
relacionamento normal com seus pais;
2) o homem-deus: quando considerados
seus atributos extraordinários, uma boa parte dos super-heróis dos quadrinhos
são como que deuses descidos à terra;
3) a justiça: a devoção do herói à
justiça está acima de sua devoção à lei;
4) o normal e o superpoderoso: a
natureza extraordinária do herói é contrastada com a normalidade que existe ao
seu redor;
5) a identidade secreta: esta natureza extraordinária será também
contrastada com a natureza mundana de seu alter-ego, cujas ações são governadas
por vários tabus;
6) superpoderes e política: apesar de se situarem, em
última instância, acima dos ditames da lei, os super-heróis são capazes de
considerável patriotismo e lealdade ao estado; e
7) a ciência como magia: as
histórias utilizam a ciência e a magia de forma indiscriminada, para criar um
sentido de deslumbramento no leitor.
A partir dessas quase, digamos assim,
"especificações" para o gênero, bem como do enorme sucesso atingido por seu
molde-mestre, pode-se afirmar, parodiando um famoso locutor
futebolístico, que, de uma certa forma, com o Super-Homem " abriram-se as portas
dos quadrinhos e começou o espetáculo dos super-heróis"...
E eles vieram. Poderosos em seus dotes físicos,
mentais, intelectuais. Espalhafatosos em suas roupas coloridas, capas
esvoaçantes e complementos pitorescos. Extraordinários em suas origens,
identidades secretas, vilões e coadjuvantes. Cheios de vida, otimismo, ideais e
inocência. Aterrissaram - muitos deles literalmente -, no momento certo. Eles
invadiram o mundo dos quadrinhos exatamente no instante em que o mundo
real/ocidental mais precisava de heróis, pois na Europa um conflito bélico
globalizado tomava forma e ameaçava os ideais de democracia capitalista,
defendidos pela grande nação americana e seus aliados europeus.
Grande parte do sucesso e disseminação dos super-heróis, assim, deve-se ao momento histórico em que eles apareceram. Fosse outro o momento, talvez eles tivessem sido encarados apenas como personagens extravagantes que utilizavam a roupa de baixo por cima das normais. O momento histórico os ajudou e com eles iniciou-se uma nova era nos quadrinhos, que teve seus grandes - e alguns diriam, também os melhores -, momentos entre 1939 e 1945.