NÃO ESTÁ NO GIBI


O LEITOR DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: DIVERSIDADES E IDIOSSINCRASIAS

Como mostrado nas duas matérias anteriores, o mercado de publicações de quadrinhos compõe um quadro bastante diversificado de produtos que buscam atender a uma demanda ainda não suficientemente delimitada. De uma certa forma, no entanto, a própria diversidade no oferecimento de produtos quadrinhísticos, hoje presente nos mercado produtor, evidencia a heterogeneidade do público consumidor de quadrinhos no país. Assim, para aqueles que atuam na documentação e fornecimento de informação na área, seja em gibitecas, seja em bibliotecas públicas e escolares que possuem acervos de histórias em quadrinhos, seja em acervos especializados de unidades de ensino universitário, é importante ter familiaridade com os diversos tipos de leitores/usuários de quadrinhos que podem encontrar.

Ainda que se possa afirmar ser o público leitor de histórias em quadrinhos majoritariamente composto por jovens - da pré-adolescência ao início da idade adulta (ou seja, entre 11/12 e 25 anos) - também é possível mencionar que outros leitores, talvez em número menos expressivo, cultuam as histórias em quadrinhos de uma forma muito especial. Tanto os primeiros como os últimos representam diferentes categorias de aficionados, muitos deles influentes no mercado produtor, que merecem ser encarados por sua especificidade e pelas características peculiares de demanda que colocam para as instituições de informação.

Resumidamente, pode-se dizer que os usuários de histórias em quadrinhos se distribuem nas seguintes categorias básicas:

Eventuais: são aqueles que usufruem as histórias em quadrinhos da mesma forma como utilizam todas as outras modalidades de leitura, sem qualquer predileção especial por esse meio de comunicação específico, por autores ou títulos, tendendo a se concentrar naqueles de maior popularidade. Não buscam nada além da satisfação momentânea de suas necessidades de leitura sob o ponto de vista do puro entretenimento, sendo guiados muito mais por motivos circunstanciais do que por qualquer ato consciente de escolha; ou seja, esse tipo de leitores lê aquelas histórias em quadrinhos que por acaso lhe cai nas mãos. Com muita probabilidade, os leitores eventuais representam a maior parte do público das histórias em quadrinhos;

Exaustivos: lêem apenas histórias em quadrinhos, mas não fazem qualquer tipo de seleção, consumindo à exaustão tudo o que for produzido na área, muitas vezes em mais de um idioma. Em termos etários, tendem a concentrar-se nas camadas mais jovens da população. É possível, no entanto, supor que o número desses leitores diminui em proporção com o seu envelhecimento: quanto mais velhos ficam, menor a probabilidade da leitura exclusiva de histórias em quadrinhos, já que surgem outros interesses a dividir sua atenção. No entanto, essa regra não é assim tão rígida. Algumas vezes, leitores exaustivos são também grandes colecionadores;

Seletivos: têm predileção apenas por determinados gêneros, personagens ou autores de quadrinhos, lêem tudo o que é publicado em sua área de interesse e buscam fazer a correlação com os outros meios de comunicação de massa. Podem ser pernósticos ou arrogantes em relação àqueles que lêem outros tipos de histórias em quadrinhos, encarando-os como leitores (e leituras) de segunda categoria. Também costumam, algumas vezes, colecionar os materiais ou autores que admiram, ainda que normalmente o façam com alguma moderação;

Fanáticos: mais ou menos semelhantes aos anteriores. No entanto, levam sua predileção a extremos. Não apenas lêem as histórias de seus personagens e títulos prediletos, como, também, procuram saber o máximo possível sobre eles, conhecendo minúcias de produção, características específicas de cada desenhista ou roteirista que esteve ligado a eles, evoluções históricas do protagonista e coadjuvantes, etc. Constantemente, são também ávidos colecionadores de tudo que diga respeito a sua predileção, englobando publicações de todos os tipos e em qualquer veículo, filmes, RPGs, trilhas sonoras, autógrafos e artes originais dos quadrinhistas. Em geral, não falam a respeito de qualquer outro assunto e tendem a defender seus pontos de vista com unhas e dentes, exigindo atenção total daqueles com quem dialogam e parecendo não entender porque suas opiniões não são compartilhadas pelo restante da população. Quando encontram outros com preocupações semelhantes, costumam criar clubes de fãs ou associações;

Estudiosos/pesquisadores: nem sempre são leitores tão ávidos, mas resolveram se debruçar sobre as histórias em quadrinhos para estudar suas características e relações com outros meios de comunicação, com outros aspectos da vida social ou sob o ponto de vista de sua aplicação em determinadas ciências ou atividades. Em geral, são movidos por pura curiosidade intelectual. Muitas vezes, no entanto, a predileção pelo estudo das histórias em quadrinhos ocorre em função de contingências acadêmicas específicas, como a elaboração de uma tese ou trabalho de conclusão de curso de graduação, deixando de existir tão logo elas terminem. Por outro lado, algumas vezes esse estudo inicial pode funcionar como um despertar para esse tipo de publicação, sua leitura persistindo posteriormente, em termos de preferências pessoais, durante toda a vida intelectual do indivíduo, que continua a estudar os quadrinhos muito tempo após o término da atividade acadêmica que originalmente o levou a eles. Ele passa a fazer parte, então, de um grupo mais exigente de leitores, procurando por materiais de maior nível de qualidade, que tenham condições de lhes trazer benefícios intelectuais inquestionáveis;

Fanzineiros: podem englobar tanto aqueles fãs de histórias em quadrinhos que resolvem escrever sobre elas, partilhando suas emoções com outras pessoas, como artistas amadores que elaboram fanzines como uma forma de veicular sua produção artística. Nas coleções especializadas de histórias em quadrinhos, eles podem buscar desde modelos para novas obras a informações sobre os quadrinhos. Os fanzineiros costumam ser muito unidos, organizando-se para a troca de informações e publicações próprias. Eles são, também, um grupo bastante dinâmico e entusiasmado com seu trabalho, podendo colaborar com os bibliotecários na organização de atividades ligadas às histórias em quadrinhos e no oferecimento de cursos na área.

Colecionadores: além de ler histórias em quadrinhos, gostam também de possuir as revistas e álbuns, tendo com eles um elo emocional e criando um acervo particular que responde às características de sua personalidade ou preferências pessoais. Existem aqueles que colecionam apenas um tipo ou gênero de histórias em quadrinhos (como, por exemplo, as revistas de super-heróis ou os quadrinhos Disney), enquanto outros as colecionam de forma indiscriminada, almejando o máximo que possam acumular. Normalmente, os colecionadores são assíduos freqüentadores de sebos e feiras de quadrinhos e podem pagar somas exorbitantes por revistas que permitem completar coleções. Alguns colecionadores também comercializam os quadrinhos. Para os responsáveis por gibitecas e acervos especializados de histórias em quadrinhos, os colecionadores representam (ou exigem) um cuidado especial, na medida em que sua ânsia pela posse dos materiais pode levá-los até mesmo a cometer pequenos delitos, subtraindo revistas e álbuns de histórias em quadrinhos do acervo da instituição bibliotecária.

Este panorama do público leitor, ainda que possa soar de maneira artificial, na medida em que os tipos puros de cada um deles sejam talvez bem menos comuns do que mesclas de dois ou mais, evidencia que o público interessado pelas histórias em quadrinhos não representa um bloco monolítico, como muitas vezes erroneamente alguns bibliotecários costumam imaginar.

Para os profissionais de informação, a compreensão das peculiaridades dos leitores é vital para o estabelecimento de serviços que tenham condições de atendê-los com eficiência, garantindo a conveniente satisfação de suas necessidades de informação. No entanto, esta familiaridade com a comunidade usuária de histórias em quadrinhos precisa estar aliada a um maior conhecimento das diversas alternativas de gênero narrativo que as histórias em quadrinhos costumam abranger, de forma a possibilitar, ao bibliotecário responsável pelo serviço, dialogar em pé de igualdade com o seu público, e, também, constituir um acervo mais adequado a suas necessidades.

Tal como acontece na literatura em geral, também nos quadrinhos cada gênero narrativo tem suas obras de destaque, que funcionam como modelo para as demais; conhecer os principais expoentes de cada um deles é um primeiro passo para aprimoramento de qualquer serviço de informação que tenha as histórias em quadrinhos como seu centro de atuação, possibilitando julgar outras obras do gênero a partir dos parâmetros fixados por essas obras de excelência. É o que passará a ser enfocado, nesta coluna, a partir do próximo mês.


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WALDOMIRO VERGUEIRO

Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área.