NÃO ESTÁ NO GIBI


O MERCADO PRODUTOR E CONSUMIDOR DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: ALGUNS SUBSÍDIOS PARA O TRABALHO DO PROFISSIONAL DE INFORMAÇÃO - PARTE 2

Dando continuidade aos veículos em que as histórias em quadrinhos são disseminadas, passa-se abaixo a descrever as características de mais alguns deles:

Graphic novels, maxi e minisséries: constituíram a grande coqueluche dos anos 80 nas histórias em quadrinhos, surgidas nos Estados Unidos como uma alternativa para revitalizar o gênero e atrair novos leitores. Na realidade, elas guardam bastante semelhança com os álbuns e edições encadernadas; a grande diferença está na relação mais próxima que têm com o mercado de publicações regulares em gibi, principalmente o modelo norte-americano, no qual pontificam os super-heróis.

A fórmula básica das graphic novels e minisséries resume-se à busca de um tratamento diferenciado para um ou mais personagens familiares aos leitores, explorando-os em edições fechadas (em média, compostas por 3 fascículos) que se diferenciam, muitas vezes em grande medida, do tratamento dado a esses personagens nos meios tradicionais. Isto envolve tanto um maior aprimoramento gráfico, com publicações em formato diverso e papel de melhor qualidade, como temático, envolvendo produções mais elaboradas em termos de roteiro e arte, muitas vezes com a presença de artistas conceituados, especialmente convidados para a elaboração dessa publicação especial. É um esquema editorial apropriado tanto para uma única publicação (a graphic novel) como para uma série limitada (a minissérie, normalmente entre três e seis números, e a maxissérie, que pode ir até 16 revistas). Além disso, essa modalidade de publicação permite atingir todos aqueles leitores que gostariam de ter acesso a materiais de melhor nível, mas não querem se comprometer com a compra regular de um ou mais títulos.

No mercado brasileiro, os editores costumam optar pelo formato americano para essas publicações, o que significa um custo maior para o usuário final (esta, entretanto, não é uma regra fixa, pois algumas delas também são publicadas em formatinho, a um preço mais acessível). As edições mais recentes podem ser encontradas em qualquer banca de jornal, enquanto que edições mais antigas só estão disponíveis em sebos ou livrarias especializadas em quadrinhos, estas últimas conhecidas como Gibiterias, que ainda são em pequeno número e existem, em sua maioria, apenas nas capitais dos Estados. Essas lojas especializadas também costumam possuir uma grande variedade de graphic novels e minisséries importadas dos Estados Unidos, pois um número significativo de aficcionados dos quadrinhos gosta de ter acesso ao material em sua língua original ou não consegue esperar os meses ou anos necessários para que ele seja traduzido e editado no Brasil.

Como exemplos de graphic novels podem ser citados Um contrato com Deus, de Will Eisner (São Paulo : Ed. Brasiliense, 1995), Palestina (São Paulo : Ed. Conrad, 1999), de Joe Sacco, e Do Inferno, de Alan Moore e Eddie Campbell (São Paulo : Ed. Via Lettera, 2000); como exemplos de minissérie, pode-se apontar O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e Lynn Varley (São Paulo : Ed. Abril, 1987. 4 fasc.); Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons (São Paulo : Ed. Abril, 1998-1999. 4 fasc.) e 300 de Esparta, também de Frank Miller e Lynn Varley (São Paulo : Ed. Abril, 1999. 5 fasc.).

Quadrinhos em jornais: os jornais foram o berço das histórias em quadrinhos e uma grande quantidade delas continua a ser publicada neles diária ou semanalmente, numa produção cuja dimensão é difícil até mesmo de avaliar. Muitas produções feitas para veiculação em jornais são posteriormente coletadas em álbuns, o que ajuda bastante na sua disseminação e preservação por parte de unidades de informação (é o caso, por exemplo, dos trabalhos de Bill Watterson, criador do personagem Calvin; de Charles Schulz, autor da série Peanuts e de Jim Davis, idealizador do gato Garfield); muitas outras, no entanto, jamais são lançadas novamente em outra modalidade de publicação, dificultando o trabalho de preservação da memória quadrinhística, pois a imprensa diária é em geral constituída por materiais frágeis que se desfazem com muita facilidade.

Para ter acesso regular aos quadrinhos publicados na imprensa jornalística, sejam as tiras diárias ou as páginas dominicais, muitas vezes não existe outra alternativa a não ser identificar os títulos em que estas aparecem e efetuar uma assinatura ou adquiri-los diariamente em bancas de jornal, uma alternativa muito mais onerosa para a biblioteca. No entanto, estas opções são apropriadas apenas para materiais correntes, não podendo ser utilizadas para a aquisição de material retrospectivo. A preservação de histórias em quadrinhos publicadas em jornais é também bastante problemática, mas uma alternativa viável é recortá-las, cola-las cronologicamente em folhas de papel sulfite e acomodá-las em pastas suspensas ou qualquer outro tipo de receptáculo apropriado.

Mangás: embora, em sua grande maioria, as publicações de mangás pudessem estar incluídas na categoria dos gibis, é importante destacá-los como categoria própria, na medida em que representam um modelo diferenciado de produção quadrinhística. Oriundos do Japão, onde são produzidos em quantidade e variedade assombrosas, atingindo enormes tiragens e sendo lidos por grande porcentagem da população, eles ultrapassaram as fronteiras de seu país e hoje são publicados no mundo inteiro, nos mais variados gêneros e dirigidos para públicos segmentados.

Existem mangás para o público adolescente feminino (os shojo mangás), para os adolescentes masculinos (os shonen mangás), para executivos, etc. No Brasil, eles vêm sendo publicados cada vez com maior diversidade nos últimos anos, existindo editoras que praticamente se especializaram nesse tipo de material. Grande parte dos mangás publicados no país adota o sistema de impressão original japonês, ou seja, as histórias são lidas de maneira inversa àquela que os leitores de histórias em quadrinhos estão acostumados; assim, o leitor brasileiro de mangá deve habituar-se a começar a leitura pelo que normalmente é considerado como a última página da revista, devendo em seguida realizar o processo de leitura da direita para a esquerda, como fazem os japoneses.

Outra característica dos mangás é que muitos deles, embora publicados periodicamente, têm, de antemão, um número fixo de fascículos programado, encerrando-se depois de algum tempo, como se cada um deles fosse uma saga fechada, com começo, meio e fim.

Entre os mangás mais populares no Brasil, podem ser citados Dragon Ball Z, Vagabond e Néon Gênesis Evangelion, publicados pela Editora Conrad, de São Paulo, todos iniciados em 2001, e Samurai X: Rurouni Kenshin (São Paulo, Ed. JBC, início em 2001).

Fanzines: o termo designa, genericamente, revistas feitas por aficionados do gênero, a maioria das vezes colecionadores ou artistas iniciantes. Nesse sentido, a própria palavra escolhida para definir essas publicações já define suas principais características, representando a junção de dois termos: fã e magazine.

Muitos fanzines têm um caráter, digamos assim, analítico, buscando discutir as histórias em quadrinhos e suas particularidades, debater preferências, explorar e enaltecer as características de cada autor ou personagem; outros, além de discutir a produção de quadrinhos, também incluem histórias originais elaboradas pelos responsáveis pela publicação ou por leitores e pessoas especialmente convidadas (em geral, também produtores de revistas semelhantes). Neste último caso, é possível distinguir uma segunda categoria (ou sub-categoria), a de revistas alternativas, designando aquelas publicações periódicas de histórias em quadrinhos produzidas fora do mercado tradicional de gibis.

Em relação à realidade nacional, é importante destacar que o Brasil tem uma larga tradição tanto na publicação de fanzines como de revistas alternativas de histórias em quadrinhos, tradição essa que vem desde a década de 60, quando o advogado piracabano Edson Rontani lançou a primeira publicação no país a enquadrar-se nessa categoria. Assim, o número e variedade dos fanzines representam uma verdadeira legião de títulos que englobam desde aqueles com pretensões enciclopédicas àqueles dedicados a um único personagem. É uma área onde prevalece a ausência de qualquer tipo de norma bibliográfica, impossibilitando a existência daquilo que os profissionais da informação chamam de um controle bibliográfico, por mínimo que este seja. Os fanzines são publicados em formatos os mais diversos, em um nível de qualidade que varia em relação direta com a própria diversidade dos títulos, em enormes ou reduzidíssimas tiragens, com vidas breve ou longas, com paradas bruscas e retomadas aceleradas, sem obedecer a qualquer tipo de periodicidade regular ou seguindo qualquer cronograma para publicação, surgindo e desaparecendo sem qualquer motivo aparente.

É fácil concluir que os fanzines apresentam um nível de organização ainda menor do que aquele da indústria de publicação de gibis, prevalecendo uma verdadeira azáfama criativa, o que possibilita, muitas vezes, o aparecimento e desenvolvimento de grandes artistas, que encontram nesse veículo o ambiente propício para disseminar suas criações e atingir um maior número de leitores. Por outro lado, isto evidencia, também, a importância de disponibilizá-los nos ambientes de informação tradicionais, colaborando, desta forma, para que artistas amadores possam desenvolver seus dotes criativos. Em relação a isso, uma boa fonte para identificação de fanzines de interesse dos usuários de bibliotecas e gibitecas é a publicação Quadrinhos Independentes, editada e distribuída por Edgard Guimarães (Rua. Capitão Gomes, 168, Brasópolis, MG, 37530-000), que bimestralmente divulga informações sobre dezenas de fanzines e revistas alternativas publicados nos diversos estados brasileiros.

Logicamente, além dos tipos de publicações acima relacionados, poderiam ser também mencionados aqueles produtos elaborados para publicação em revistas gerais de informação ou em revistas para públicos especializados; as histórias ou ilustrações elaboradas exclusivamente para uso em publicidade ou propaganda política; os livros didáticos, publicações governamentais e de organismos independentes que as utilizam como instrumentos para a transmissão de mensagens educativas; as publicações que enfocam os quadrinhos como tema principal, abordando aspectos de conteúdo e novidades da área e até mesmo os diversos produtos derivados de histórias em quadrinhos e veiculados em mídias não-impressas, como os desenhos animados e os animês, as séries televisivas e as produções cinematográficas. Todas essas publicações compõem um quadro bastante diversificado de produtos que busca atender a uma demanda ainda não suficientemente delimitada pelos profissionais de informação do país. É importante, nesse sentido, que maiores esforços sejam despendidos por esses profissionais, visando melhor compreender o público leitor de quadrinhos e adequar a oferta de produtos quadrinhísticos às características e exigências de seus usuários. Uma tarefa hercúlea, talvez. Mas não por isso menos necessária.


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WALDOMIRO VERGUEIRO

Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área.