TRANSFORMAÇÃO DIGITAL E POLÍTICA DE CT&I
O tema que envolve política de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) é um tema caro para a sociedade. A ciência é um gatilho fundamental para a organização da sociedade, e se havia alguma dúvida sobre este aspecto no passado, a Covid-19 colocou a Ciência nesse lugar de relevância para as populações que observam a situação que estamos experimentando com alguma lucidez. A pandemia da Covid 19 colocou em evidência o trabalho rotineiro de pesquisadores que ampliaram sua comunicação para além dos laboratórios. Numa consolidação de espaços que permitem diálogos e compartilhamentos que se ampliaram dos periódicos científicos para os meios televisivos e plataformas digitais.
Entretanto, temos um desafio que é a manutenção da estrutura de ciência e tecnologia, num contexto onde o Estado perde força e as políticas parecem não acompanhar o ritmo das transformações pelo mundo e no próprio Brasil. Neste País, a pesquisa é majoritariamente realizada em instituições públicas, mas que no momento atual, mesmo com toda a demanda colocada pela pandemia, tem tido os maiores cortes orçamentários da história. E mesmo muito embora a Ciência tenha estado em seu momento midiático popular, partes significativas da população parece não associar que a mesma estrutura de serviço público que busca respostas rápidas para tamanho problema é a mesma que tem sofrido danos. A política da atual conjuntura parece esquecer que Ciência, Tecnologia e Inovação são elementos fundantes na manutenção da soberania.
A seguir é possível visualizar o orçamento dedicado ao longo dos anos (de 2000 a 2020) para os principais fundos de apoio à pesquisa científica e tecnológica FNDCT, CNPq e CAPES).
Fonte da Imagem 1: IPEA (2020).
A imagem acima fala por si só, mas não custa nada apontar os dados do jornal Direto da Ciência (2020), onde foi destacado que de todo o montante de R$ 4,9 bilhões destinados ao FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), 87,7% estão congelados e não poderão ser usados. No caso específico do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o valor destinado exclusivamente ao fomento científico encolheu 84,4% em 2020. Isso em plena situação de pandemia, onde o setor científico - por meio de seus cientistas, pesquisadores e infraestrutura - é o mais demandado para responder rapidamente.
Nesse contexto, a política de CT&I deveria defender, sobretudo, a valorização do trabalho de professores, pesquisadores, dos cientistas e ter a compreensão de que se trata de que a efetividade desse fator é determinante para o crescimento econômico e para o desenvolvimento social do Brasil. Além da situação de saúde coletiva que estamos atravessando, merecem destaque os desafios que envolvem a transformação digital. Os enfrentamentos que as estruturas educacionais estão vivendo, tanto a nível global, regional e local, no que tange a transformação digital, exigem um amplo potencial científico e tecnológico que potencializem a inovação. Nesse contexto, a política de ciência e tecnologia precisa considerar que não é possível desenvolver ciência de ponta sem pensar formas que valorize o ensino-aprendizagem nas suas bases e que desperte o espirito investigativo dos estudantes em consonância com a cultura investigativa e digital desde os espaços iniciais.
A transformação digital convoca a política de CT&I a pensar que não é possível focar somente na superação do deficit do ensino de exatas, mas também na valorização e fortalecimento das estruturas pedagógicas que se sustentam nas ciências humanas. O momento pede excelência pedagógica em todas as ciências para suportar a formação de sujeitos que possam atuar de maneira crítica, inovadora e produtiva numa realidade cada vez mais “inevitavelmente” instável.
Fonte da imagem 2: Cdd202 por Pixabay.
É sabido que o principal capital no contexto da transformação digital é a informação e o conhecimento que os sujeitos conseguem de alguma forma transformar em competências e inteligência. Nesse sentido, a transformação digital traz consigo a ‘Biblioteca de Tudo’ e com ela a necessidade de filtro. Segundo Kelly (2017), alguém, ou alguma coisa, precisa fazer escolhas e sussurrá-las no nossos ouvidos para ajudar a tomarmos decisões. Com a transformação digital estamos cada vez mais sujeitos a tomar decisões a partir das escolhas por outrem. E com isso é preciso saber escolher. Dito isso, logo não é possível deixar como estrita responsabilidade do sujeito sua instrumentalização, sua formação, seu desenvolvimento. Conforme alerta Han (2020), o sujeito submisso nunca é consciente de sua submissão.
Assim, a Política de Ciência, Tecnologia e Inovação precisa ter como baluarte elementos que potencializem a emancipação dos sujeitos em contextos sociais variados e que seja capaz de criar alternativas de competitividade que liberte o Pais da secular cultura da exportação de commodities. A transformação digital não condiz com uma estrutura que tem como base a supervalorização de “exportar cacau para comprar chocolate”. A política de CT&I nesse contexto deveria nos convidar a romper com esta estrutura e não ser conivente com ela.
Saiba mais sobre este e outros assuntos de tecnologia digital acessando o LTI Digital (https://ltidigital.ufba.br/ ). Se quiser aprofundar um pouco mais também sugiro que você veja estes textos:
Direto da Ciência. Orçamento de 2020 mostra redução acima de 80% para o fomento científico. ed: Mauricio Tuffani, 2020.
HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2020.
KELLY, K. Inevitável: as 12 forças tecnológicas que mudarão nosso mundo. São Paulo: HSM, 2017.