LEITURAS E LEITORES


FALTA

 

O cotidiano mais banal

corrói meus pensamentos nesses tempos:

falta a rua,

o respirar sem máscaras,

usar o elevador sem preocupação,

tocar a maçaneta num gesto irresponsável.

Aproximar das pessoas conhecidas e

das desconhecidas.

Cumprimentar sem precaução.

Ficar ao sol o quanto quiser!

Sentir o vento.

#

Falta o outro e sua narrativa:

Papos banais,

sérios,

papos engraçados,

conversa fiada da boa!

 

#

Nesses tempos,

Fazem-me companhia

O Graciliano e suas Memórias do Cárcere:

estamos juntos na prisão.

Vejo-me, assim como ele,

Restrito à minha cela/casa:

Tempos difíceis o dele.

Mais amenos pra mim?

Talvez, meu implacável Graciliano,

haja semelhança política em nossos tempos...

#

A ausência me lembrou que

Gullar já me traduziu, em outra época:

Uma parte de mim
é todo mundo
...”

Não consigo viver sem o outro ser humano.

 

#

Leminski me traz à lucidez:

o silêncio

se mete a me maltratar

me ditando

abreviaturas de mim

e,

quem sabe,

a mim mesmo me dilatando

#

Quando o isolamento acabar,

assim como a Hilst,

“[...] acenderei luzes na minha porta e falaremos só o necessário.”

E

“...segredarei em teus ouvidos

os meus tormentos...”

#

 

Não fossem vocês,

companheiros de narrativa,

a quarentena seria insuportável.

Evoé Graciliano Ramos!

Evoé Paulo Leminski!

Evoé Hilda Hilst!

 

Obras consultadas:

Graciliano Ramos - Memórias do Cárcere

Ferreira Gullar – poema Traduzir-se

Paulo Leminski – Toda Poesia

Hilda Hilst - Baladas


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.