COTIDIANO INFORMACIONAL


“SERIA DESINFORMAÇÃO, INFORMAÇÃO?”

Dentre os textos que costumo trabalhar nas disciplinas que ministro, há um que gosto muito, cuja autoria é de Fernando Ilharco. Acredito, inclusive, que já o tenha citado nesta coluna em outra oportunidade. Pois bem, neste texto existe uma questão que sempre chamou minha atenção, porém, confesso, que ultimamente ela tem ido além, e despertado também o meu interesse para problemáticas que dela podem decorrer, sobretudo, no que diz respeito à ética no melhor viés capurriano. A tal questão é “seria desinformação, informação?”.

Muito já se abordou sobre a dita “sociedade da informação”. Como se sabe, há autores que criticam a expressão, ao mesmo tempo também que existem aqueles que a defendem. Não quero entrar nesse território agora. Embora se possa conceber múltiplos conceitos para a palavra informação, importa destacar desde já que, para mim, informação é algo relativo, intangível, variável conforme o contexto e o sentido, razão pela qual não possui o mesmo significado e valor para todos. Assim, o que chamamos de “sociedade da informação” tanto pode ser adotado como um adjetivo para um fenômeno social em que há intenso fluxo e troca de informação, como, ainda, pode aludir a existência de espaços apropriados por determinados grupos para promover desinformação.

Um exemplo disso é o chamado fenômeno fake news – intimamente ligado a outro fenômeno que tem sido nomeado atualmente como “pós-verdade” (do inglês: post-truth). Sempre que possível, busco fazer relações entre o conteúdo das aulas com fato cotidianos. Todavia, associar a questão acima aos eventos promovidos pela onda fake news não é algo muito difícil de se fazer, haja vista o modo como temos sido por ela golpeados. Em linhas gerais, fake news diz respeito a um tipo de imprensa que se utiliza da “[...] distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais. As notícias falsas são escritas e publicadas com a intenção de enganar, a fim de obter ganhos financeiros ou políticos, muitas vezes com manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas para chamar a atenção”(1) e ter maior audiência, gerando, com isso, alguma receita com publicidade. 

Obviamente, como inúmeros outros fenômenos, as notícias falsas não se caracterizam como um evento exclusivamente novo, surgido no século XXI, como pode parecer, dada a sua intensidade no cotidiano. Grosso modo, o que faz da fake news uma novidade para nós é a amplitude e a velocidade com a qual as notícias se propagam, especialmente graças ao “conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/ radiodifusão e optoeletrônica” (CASTELLS, 1999), associadas às ditas mídias sociais. 

Fake News são produzidas de forma intencional, há uma racionalidade por trás delas que almeja o embuste. Para isso, recorrem, com frequência, a manchetes chamativas e apelativas, elaboradas com a intenção de atrair um número significativo de leitores, resultando em compartilhamentos e cliques na internet. Os interesses podem variar. Algumas vezes se mostram como sendo de cunho político; em outros casos, há a busca de se obter certo proveito econômico, atuando em confluência com plataformas de propaganda digital.

Diante disso, a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) divulgou um infográfico com oito etapas simples, intitulado “Como identificar notícias falsas” (do inglês: “How to spot fake news”), que visa auxiliar as pessoas – especialmente, os internautas – a verificarem quando uma notícia é falsa. O infográfico foi produzido com base num artigo da FactCheck.org (https://www.factcheck.org/2016/11/how-to-spot-fake-news/) e está disponível em vários idiomas. A FactCheck.org é um projeto da Universidade da Pensilvânia e se coloca como uma entidade “apartidária e sem fins lucrativos que visa reduzir o nível de engano e confusão na política dos EUA” (tradução livre). Sua atuação se dá diretamente na monitoração do que é divulgado pelos políticos dos EUA, seja por meio de propagandas veiculadas na TV, debates, discursos, entrevistas ou mesmo comunicados para a imprensa. 

Na própria página da IFLA é possível fazer o download do infográfico, seja em formato PDF ou JPEG, disponível em diferentes resoluções:

Infográfico sobre como identificar notícias falsas

 

Fonte: https://www.ifla.org/publications/node/11174

Uma notícia importante, que deve servir como alerta para o crescimento de notícias falsas, especialmente no âmbito da internet, foi a divulgação da decisão tomada pela Folha de S. Paulo em fevereiro de 2018 de deixar de publicar conteúdo em sua página no Facebook alegando a ausência de respostas efetivas no combate às notícias falsas. Até aquele momento, o jornal possuía o equivalente a seis milhões de seguidores na rede social criada por Mark Zuckerberg. Segundo a Folha, as mídias sociais têm reforçado “[...] a tendência do usuário a consumir cada vez mais conteúdo com o qual tem afinidade, favorecendo a criação de bolhas de opiniões e convicções e a propagação das fake news” (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/folha-deixa-de-publicar-conteudo-no-facebook.shtml). Junto a isso há também o fato da decisão do Facebook em desenvolver algoritmos que atuem na diminuição da visibilidade do jornalismo profissional nas páginas de seus usuários, passando a privilegiar conteúdos oriundos de interações pessoais em detrimento daqueles gerados por empresas.

Frente a esse cenário, como se define o papel dos bibliotecários e de demais profissionais da área de informação? Que ações podem ser desenvolvidas de modo a barrar o avanço do fenômeno fake news, assegurando, assim, a disponibilização de informações confiáveis à sociedade? Alguns termos relacionados ao conceito de information literacy estão em voga atualmente, tais como competência midiática e competência crítica. Apesar das discordâncias, pode o campo das competências se mostrar como uma solução viável na identificação de notícias falsas? Além disso, cabe também uma atualização do conceito de mediação? A partir dessas questões é possível observar como o papel do bibliotecário e de demais profissionais que lidam com informação se atualiza, revestindo-se cada vez mais de novas atribuições num cenário complexo e de mudanças constantes.

NOTAS

1 - Citação extraída de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Notícia_falsa.


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JEFFERSON VERAS NUNES

Mestre em Sociologia pela UFC, doutor em Ciência da Informação pela UNESP e professor do Departamento de Ciência da Informação da UFC