LITERATURA INFANTOJUVENIL


CONTINUANDO O PAPO DE CAVEIRAS

Coleciono também livros infantis que abordam a morte, até já fiz uma coluna falando deles. Ampliei minha coleção e quero falar de O Baile das caveiras, que não se trata de um livro assustador, ele é até um pouco romântico. Foi escrito por Jonas Ribeiro e ilustrado por Cris Alhadeff. Começa com uma dedicatória ao artista Sidney Magal – “que faz tanta caveira dançar e balançar o esqueleto.” Quero falar também do livro Só um minutinho de Yuyi Morales. Quero falar do Moscas e outras memórias de Eve Ferretti. (Novembro 2017)

SEM QUERER FAZER GALHOFA... QUASE MORRI AO PERCEBER QUE HÁ CINCO MESES INTERROMPI ESSE PAPO DE CAVEIRAS...

Envergonhosamente eu volto a essa conversa para esclarecer que minha demora não se deu por eu estar sorumbática (com sombra na alma). Na verdade, apesar de quase aposentada, não sei dizer não, e vou aceitando uma conversa aqui ou acolá, dando um palpite em um texto, uma exposição. Um pedido de avaliação de trabalho aqui ou ali, uma visita ao médico com minha mãe ou comigo mesma que afinal já tenho cá meu 6.0.

Nesses cinco meses, pouco sai de casa. O lugar mais longe que fui, foi São Paulo, afinal não assistir o show do Chico Buarque ao vivo e a cores me deixaria macambuzia.

Então vamos voltar aos livros que deixei suspenso no ar. O Baile das caveiras de Jonas Ribeiro - não consigo identificar a que faixa de idade o autor endereçou o livro e vou dizer sinceramente que a ilustração, apesar de ser muito criativa me pareceu destinada para um público menor e o texto para um público maior. Em outras palavras há muito texto para um pré-leitor (estou pensando na classificação que os teóricos apresentam, mas que deve ser flexibilizada). Alguns trechos para o leitor iniciante poderiam ser suprimidos ou algumas ilustrações serem menos infantis. Atrevo-me a dizer que essa obra poderia, em uma próxima edição, ser publicada em dois volumes; criaria um suspense bem interessante, um desejo de conviver com o menino, sua avó e a Morte Rainha.

Só um minutinho foi escrito por Yuyi Morales. Então eu peço para você leitor um minutinho de sua atenção, pois vou me alongar ao falar desse livro. Primeiro pelo fascínio que ele causou em mim, segundo porque não terei como abordá-lo sem citar alguns trechos de Ana Maria Machado impresso na última página do livro e terceiro porque terei que fazer um link na minha fala com um filme sensacional lançado no Brasil este ano.

Então como popularmente se diz, vou fazer como o Jack, o estripador (1): vou por partes.

Yuyi Morales escreveu e ilustrou o livro - Só um minutinho. Uma obra fenomenal que não dá para saber o que é mais lindo, o texto ou a ilustração. Ana Maria Machado afirma: “Quando eu vi este livro pela primeira vez numa feira internacional, fiquei encantada. Cismei que queria traduzi-lo para as crianças brasileiras. [...] é uma história bem simples, mas profunda, que trata com delicadeza e humor um tema muito difícil.” 

Yuyi pode parecer nome masculino, mas não é. Yuyi Morales além de autora é a ilustradora dessa obra. Nasceu no México em 07 de novembro de 1968 e é “especialista em dança folclórica brasileira” (simpática, não!)

Ao ler este livro, mesmo sem ter conhecimento da profundidade da celebração do Dia de Finados no México, é perceptível a presença das pimentas vermelhas, uma iguaria mexicana, em várias páginas. Ana Maria Machado foca o olhar “[...] nas tortilhas (panquecas de milho), nos queijos derretidos e na salada de frutas para o aniversário, nas bandeirolas de papel recortado formando desenhos lindos [...]. E eles festejam tudo, até mesmo a morte.”

O texto começa com a chegada do Senhor Esqueleto para buscar a Vovó Carocha e ela pede um minutinho, minutinho este que se transforma em uma estratégia para enganar a morte. Obviamente que não contarei o final, pois nem o melhor narrador de histórias conseguiria reproduzir a beleza dessa obra. Minha interrupção é um convite para você ir ao encontro desse texto lindamente traduzido por Ana Maria Machado.

Na sequência quero falar do filme Viva – a vida é uma festa – uma animação da Disney-Pixar. Na minha avaliação de telespectadora o melhor filme para crianças (será que é apenas para as crianças?) que assisti nos últimos anos. Fui ao cinema porque minha irmã levou meus sobrinhos e disse que eu deveria ir, pois tinha certeza que iria gostar. Não só gostei como amei tudo: texto, imagem, som e a temática.

Obviamente que chegando do cinema fui até a estante e reli Só um minutinho. No livro a abordagem é alegre e divertida. No filme Viva – a vida é uma festa também, mas me impressionei com a leveza em que é tratada a morte ou o mundo espiritual (só para usar a minha linguagem espírita). 

Além disso, destaco que por mais engraçada que seja a narrativa não há um deboche em relação a cultura mexicana, algo que as vezes acontece em alguns filmes, em especial, quando o foco não é a cultura europeia e americana. Resta falar também da criatividade, por exemplo, o molejo das articulações dos esqueletos, os olhos caindo da face, o controle tecnológico do esquecimento dos entes queridos. É de chorar e de rir.

Para encerrar tanta falação, preciso dizer que não sei o que pensar do livro Moscas e outras memórias, autoria de Eve Ferretti e ilustração de Fabíola Werlang. Sua capa atrai pela cor prateada com letra em branco e preto, uma senhora de roupas pretas colocando a cabeça de uma caveira em uma panela. Ratos no chão e um gato magrelo observando. Em cada página tem um texto sinistro, algo insinuado que exige do leitor dedicação e expectativa (com x mesmo, significando espera de que algo aconteça). Algumas páginas se me perguntarem o que o autor quis dizer, vou perguntar para uma criança porque ela é mais perspicaz. 

Mas afinal ele fala de morte ou de caveira? Fala sim, além de aproximação e distanciamento pessoal, fala-se nele de tristes memórias: “Lembro-me ainda de dona Beatriz, minha professora de piano. Era uma senhora magra, comprida e muito carrancuda. Desde que seu marido havia morrido, nunca mais ela abrira as janelas de sua casa.” 

Enfim, o livro me incomoda! Mas esta também é uma função do livro, ou não?

Sugestões de leitura:

FERRETTI, Eve; WERLANG, Fabíola. Moscas e outras memórias. Belo Horizonte: Aletria, 2016.

MORALES, Yuyi. Só um minutinho: um conto de esperteza num livro de contar. São Paulo: FTD, 2006.

RIBEIRO, Jonas. O baile das caveiras. Juiz de Fora: Franco Editora, 2010.

Notas

1 - Jack, o Estripador é o pseudônimo mais conhecido para designar um famoso assassino em série não identificado que atuou na periferia de Whitechapel, distrito de Londres,”(WIKIPÉDIA)


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.