BIBLIOTECONOMIA DIGITAL


INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DE CURSOS DE GRADUAÇÃO PRESENCIAL E À DISTÂNCIA: PRIMEIRAS ANÁLISES

No dia 15 de dezembro de 2017 foram disponibilizados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) novos instrumentos de avaliação de cursos de graduação nas modalidades presencial e à distância. Estes instrumentos (Autorização, Reconhecimento e renovação de reconhecimento, Credenciamento e Recredenciamento) passam a valer a partir de março de 2018 e atendem a todos os cursos de ensino superior, dispensando a existência de instrumentos específicos para cursos de direito ou da área da saúde.

O instrumento que está em uso atualmente, publicado em agosto de 2015, apresenta questões duvidosas e controversas, além de exigir cálculos para identificar a quantidade de proporção de exemplares impressos que devem estar disponíveis no acervo. Um dos aspectos que gera dúvida em bibliotecários é se podem ou não serem consideradas edições diferentes das expressas no plano de ensino da disciplina (unidade curricular). Alguns bibliotecários consideram todas as edições, aumentando com isso a quantidade de exemplares disponíveis no acervo. Outros, consideram que, como ocorre alteração do conteúdo entre uma edição e outra, não é correto computar os exemplares de todas as edições presentes no acervo. Eu particularmente concordo com este segundo grupo, afinal, para cada edição é lançado um novo ISBN, sinalizando que é uma obra nova e, portanto, possui conteúdo diferente da edição anterior e, consequentemente, não devem ser computados os exemplares das demais edições no quantitativo disponível no acervo.

No novo instrumento foram mantidos os indicadores que são relacionados às bibliotecas, sendo o 3.6 para bibliografia básica e o 3.7 para bibliografia complementar. O indicador que avalia a coleção de periódicos (3.8) foi removido, passando a tratar agora de laboratórios didáticos de formação básica.

No instrumento de 2015 a bibliografia básica não comporta livros digitais, ponto superado no novo documento. Entretanto, após análise dos quesitos que concernem às bibliotecas, o entendimento alcançado identificou que a avaliação ficou bastante subjetiva, tirando critérios que norteavam de forma clara como a biblioteca deveria se preparar para uma visita de comissão de avaliadores do MEC.

Um dos destaques observados é que não existe mais distinção entre a bibliografia básica e complementar. Os textos são idênticos, sem qualquer modificação entre eles, tanto na autorização como no reconhecimento dos cursos, dando a sensação que foram construídos com base no copia e cola. Assim, a biblioteca deve conter na autorização os títulos que atendam a todo o plano de ensino, e não somente aos primeiros anos do curso.

A bibliografia básica agora pode ser formada por títulos virtuais. Isto é um avanço, mas um ponto, entretanto, chamou a atenção: fala-se somente em acervo licenciado, contratado mediante modelo de negócio (no caso, assinatura), não dando margem de interpretação que o conteúdo de acesso aberto também seja considerado, afinal a comprovação da disponibilidade dos títulos virtuais é feita com o contrato que garante o acesso ininterrupto aos usuários. Este entendimento é preocupante e pode causar distorções, podendo ser interpretado que somente o conteúdo licenciado possui valor. Obras de acesso aberto podem e devem fazer parte de bibliografias de planos de ensino. O fato de ser um conteúdo licenciado não aumenta a qualidade do material utilizado pelos usuários. Este entendimento de considerar somente o conteúdo licenciado é contrário à própria academia, que estimula a produção e consumo de registros e informações que devem estar disponíveis a todos de forma gratuita, contribuindo com a circulação dos resultados de pesquisas e, consequentemente, do conhecimento.

A partir do conceito 2 dos instrumentos fala-se que as bibliografias devem estar adequadas em relação aos conteúdos descritos no PPC (Processo Pedagógico do Curso) e atualizadas, porém sem indicar quais são os critérios para considerar o que é adequado e qual a idade do acervo para que o mesmo seja considerado atualizado. Também é informado que a bibliografia deve ser referendada por relatório de adequação elaborado e assinado pelo NDE (Núcleo Docente Estruturante) da instituição. Fico imaginando se algum coordenador de curso ou professor membro do NDE terá autonomia para não referendar as bibliografias indicadas...

Foram removidos os cálculos de proporção de exemplares impressos disponíveis aos usuários, com a menção que deve ser comprovada a compatibilidade entre a quantidade de exemplares e o número de vagas autorizadas do curso e/ou de outros cursos que utilizem os mesmos títulos. O instrumento não dá orientações sobre quais critérios serão adotados para comprovar esta compatibilidade, deixando o bibliotecário sem subsídios sobre como proceder. Tirou-se assim a necessidade de aplicação de fórmulas que confundiam os bibliotecários. Por outro lado, como proceder para definir a proporção de exemplares adequados? Pode-se assumir que, caso exista uma versão digital do título são dispensadas as cópias impressas?

No caso de presença de títulos virtuais, o instrumento fala em garantir que a biblioteca tenha equipamentos para acesso aos recursos informacionais. O entendimento que se alcança com este critério é que equipamentos são mais importantes que o acervo físico e que este, inclusive, pode ser dispensado caso existam assinaturas de conteúdo licenciado. Este tipo de redação induz que basta ter um computador que o acervo está formado e disponível. Isto fragiliza as bibliotecas e os bibliotecários, afinal, um fornecedor passa a ser mais relevante que um profissional habilitado e qualificado para gerir os acervos e serviços oferecidos pelas bibliotecas.

O indicador que orientava a presença de periódicos na bibliografia dos cursos (3.8 no instrumento de agosto de 2015) foi absorvido pelos conceitos 4 e 5 das bibliografias básica e complementar do novo instrumento. Assim, as bibliotecas precisam ter periódicos (novamente não mencionando se podem ou não ser de acesso aberto), mas eles somente serão considerados a partir do conceito 4, não existindo menção de quantidade de títulos desejados ou sua atualização.

No conceito 5 observamos mais subjetividade, quando afirma que “o acervo é gerenciado de modo a atualizar a quantidade de exemplares e/ou assinaturas de acesso mais demandadas, sendo adotado plano de contingência para a garantia do acesso e do serviço” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2017, p. 39). Como comprovar este gerenciamento? Quais critérios nortearão esta análise?

Os responsáveis pela elaboração dos instrumentos não atentaram que livros digitais não são iguais aos impressos, exigem gestão específica e possuem algumas fragilidades que ainda não foram superadas, sendo algumas delas:

  1. As bibliotecas licenciam conteúdo com fornecedores específicos e, infelizmente, o Brasil ainda conta com poucos fornecedores (editores, agregadores de conteúdo ou distribuidores) que oferecem títulos no idioma português;
  2. As bibliotecas podem licenciar livros digitais em livrarias virtuais, porém o uso destes recursos será restrito a dispositivos de leitura da biblioteca, não podendo ser disponibilizados em plataformas de leitura, catálogo da biblioteca ou armazenados em repositórios digitais (SERRA; SILVA, 2017);
  3. Nem todos os livros estão disponíveis para licenciamento. Isto é decorrente da baixa oferta para bibliotecas e do receio de disponibilizar títulos, principalmente lançamentos, no formato digital para licenciamento por bibliotecas;
  4. A biblioteca (e muitas vezes o próprio fornecedor) não tem autonomia dos títulos que fazem parte do pacote licenciado. Alterações nos pacotes são recorrentes e fragilizam o desenvolvimento e manutenção da coleção. Títulos podem ser removidos dos pacotes, deixando o plano de ensino desfalcado;
  5. Não existe garantia de médio ou longo prazo na disponibilização do conteúdo digital licenciado. O título pode ser removido da plataforma de leitura ou a biblioteca pode não renovar as contratações;
  6. A quantidade de acessos simultâneos interfere no modelo de negócio contratado. Normalmente os livros digitais são oferecidos às bibliotecas no modelo de acesso PIP (Pretend It’s Print, Finja que é impresso, tradução nossa), ou ainda o One Copy, One Access (Uma Cópia, Um Acesso, tradução nossa). Contratar acessos ilimitados, apesar de ser o sonho de todas as bibliotecas, muitas vezes possui custos inviáveis;
  7. Assinatura é um dos modelos de negócios (SERRA; SILVA, 2016) e, a julgar pelo que é visto no mercado norte-americano, não é o mais utilizado ou vantajoso;
  8. Os usuários ainda apresentam resistência em relação ao digital. E, em decorrência dos altos valores praticados, nem todos os usuários podem investir em dispositivos de leitura;
  9. Com os livros digitais licenciados a biblioteca perde autonomia dos títulos que fazem parte da coleção, muitas vezes nem podendo escolher os títulos que irão compor o pacote contratado;
  10. Como dificilmente um fornecedor terá todos os títulos necessários, as bibliotecas passam a disponibilizar diversas plataformas de leitura, de acordo com o fornecedor que foi contratado. Isto dificulta a experiência do usuário para localizar e acessar os títulos licenciados;
  11. Ao contratar diversos fornecedores, corre-se o risco de licenciar o mesmo título mais de uma vez, afinal as editoras podem disponibilizar seus acervos para diversos agregadores de conteúdo.

Além dos instrumentos de autorização e reconhecimento de cursos, também foram publicados documentos para credenciamento e recredenciamento de IES. Nestes instrumentos os quesitos que avaliam as bibliotecas discorrem sobre a infraestrutura (5.9) e sobre o plano de atualização do acervo (5.10). Em termos de infraestrutura, não é avaliado o acervo, mas as instalações físicas, com destaque para acessibilidade, a presença de posições de estudo individual e em grupo e recursos tecnológicos e serviços. Quais serão os serviços avaliados? Somente a circulação? Ou outras atividades como pesquisa bibliográfica, processamento técnico e demais serviços bibliotecários? No conceito 5 deste indicador consta “fornece condições para atendimento educacional especializado e disponibiliza recursos inovadores” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2017b, p. 28). Como identificar o que é um atendimento educacional especializado? E quais recursos tecnológicos são considerados inovadores? Novamente, aspectos subjetivos que dificultam sua comprovação nas visitas de comissões ou ainda como proceder para obter a nota máxima.

O indicador 5.10 discorre sobre a construção de um plano de atualização do acervo. Este item pode ser compreendido como um avanço, ao permitir que a biblioteca efetivamente desenvolva uma política de atualização de acervos, com embasamento e aval do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional). Isto pode ser um alento para bibliotecas de IES particulares que, muitas vezes, só conseguem recursos para investir em acervo exatamente quando recebe as visitas do MEC. Os bibliotecários precisam definir o orçamento para aquisição de livros impressos e virtuais, preferencialmente licenciados por modelos de negócios variados, que proporcionem economia de recursos e ampliação da oferta de títulos. Entretanto, será que devem ser computados neste quesito os recursos tecnológicos? Afinal, agora a biblioteca também passa a ser avaliada pela quantidade de equipamentos disponibilizados aos usuários. Podemos entender, então, que o orçamento deve reunir o conteúdo e o equipamento mediador? Não fica claro e, assim como os demais indicadores, é passível de interpretação. Do que é formado o acervo? De equipamentos ou de conteúdos? Enxergo aqui a mesma confusão que permeou o início da oferta de livros digitais, onde o dispositivo era confundido com o próprio livro, e não identificado como o hardware que permitiria o acesso ao conteúdo.

Os instrumentos de avaliação precisam e devem ser atualizados periodicamente. Não é possível manter sempre os mesmos quesitos para avaliar recursos que são dinâmicos e que acompanham as inovações tecnológicas. A educação tem observado a frequência de recursos até pouco tempo impensáveis como instrumentos de apoio ao ensino e é excelente que a biblioteca esteja neste contexto, participando e experimentando deste movimento. As IES são locais para apropriação de novas tecnologias, visando prover professores, alunos e corpo técnico de recursos que contribuam com o desenvolvimento de atividades pedagógicas. Seguindo a linha do instrumento, podemos entender que uma biblioteca que possui uma impressora 3D é inovadora, mesmo que não tenha livros (em qualquer formato) no seu acervo?

Os novos instrumentos do INEP, entretanto, não proporcionam, aparentemente, subsídios concretos que orientem os bibliotecários sobre como será uma visita de comissão do MEC, sempre tão temida e causadora de angustias. Se anteriormente tínhamos que fazer muitos cálculos, agora o preparo da biblioteca para receber uma visita pode proporcionar insegurança, ao não se ter clareza dos quesitos que serão avaliados. Será que bastará mostrar o contrato com o fornecedor de livros digitais? Ou então a biblioteca com computadores novos, porém sem livros impressos? Será que o MEC espera ter bibliotecas sem livros num futuro próximo, removendo a importância que a biblioteca física representa numa instituição de ensino?

O acervo virtual não dispensa nem substitui o acervo impresso, mas o complementa e proporciona flexibilidade de acesso, além de atender aos quesitos de acessibilidade. Ou será que a biblioteca já não tem mais tanta importância e seu espaço pode até ser substituído por laboratórios com computadores? E o trabalho do bibliotecário? Deixa de ser fundamental, podendo delegar a formação do acervo a fornecedores?

Os bibliotecários precisam estudar e discutir estes novos instrumentos de avaliação de cursos de IES para que possam se adequar a eles, orientar professores, coordenadores de cursos, reitores, alunos e demais membros da comunidade acadêmica e, acima de tudo, devem repensar o seu papel na prestação de serviços de informação e em como prover os recursos necessários à sua comunidade.

Por fim, apenas uma observação: não foi com alegria que constatei que a infraestrutura da biblioteca possui a mesma relevância que os espaços de convivência e de alimentação (item 5.6) ou as instalações sanitárias (item 5.12) no instrumento de credenciamento. O que esperar de um instrumento que enxerga as bibliotecas sob esta perspectiva? Para refletirmos.

REFERÊNCIAS

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Instrumento de avaliação de cursos de graduação presencial e a distância: autorização. 2017. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_cursos_graduacao/instrumentos/2017/curso_autorizacao.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2017.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Instrumento de avaliação de cursos de graduação presencial e a distância: credenciamento. 2017b. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_institucional/instrumentos/2017/IES_credenciamento.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2017.

SERRA, Liliana Giusti; SILVA, José Fernando Modesto da. Empréstimo de dispositivos de leitura em bibliotecas: análise de experiências. In: Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, UFMG, v. 22, n.2, 2017. Disponível em: http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.php/pci/article/view/2701. Acesso em: 18 dez. 2017.

SERRA, Liliana Giusti; SILVA, José Fernando Modesto da. Licensed digital books and the transitory business models. In: 13th CONTECSI International Conference on Information Systems and Technology Management, 2016. Disponível em: org.crossref.xschema._1.Title@bd301c6. p. 878-893. Acesso em: 18 dez. 2017.


   5932 Leituras


Saiba Mais





Próximo Ítem

author image
MUDANÇAS NO CENÁRIO DOS LIVROS DIGITAIS NO BRASIL
Agosto/2019

Ítem Anterior

author image
AFINAL, O QUE É O DRM?
Janeiro/2017



author image
LILIANA GIUSTI SERRA

Postdoctoral Researcher Associate na University of Illinois at Urbana-Champaign (UIUC). Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquisa Filho (UNESP). Mestrado em Ciência da Informação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Profissional da informação dos softwares Sophia Biblioteca, Philos e Sophia Acervo.?