LEITURAS E LEITORES


NA VIDA E NA FITA

Parece senso comum dizer que a vida está corrida e que em conseqüência disso nosso lazer também reflete a correria do dia a dia. Correria no lazer? Explico melhor, às vezes é como se estivéssemos desaprendendo a viver no ócio, mesmo que por minutos ou horas. Sem nos darmos conta, temos sido impingidos a produzir e parece herético não seguir tal "tendência".

Aprender, ler ou apreciar a arte de um modo geral, exige um tempo interno diferente de cada um de nós. Fico pensando se isso não tem sido negado em nossa sociedade atual de modo que fiquemos sem tempo para apreciar a arte, a literatura e, até, para o próprio ser humano.

Mas o que o cinema tem a ver com tudo isso?

Parece que a inquietude, a "correria" do nosso cotidiano alastra-se nas salas de cinema, principalmente quando o filme está terminando. Tenho percebido que no cinema as pessoas, quando pressentem o final do filme, já começam a se arrumar apressadamente para sair, para se levantar... o barulho dos sapatos, o farfalhar das saias, o gesto corporal impele a grande maioria a se levantar, a sair. Mas por que tanta pressa? O filme não era lazer?

Na maioria das vezes os filmes sequer acabaram e o gestual, quase que coletivo, empurra todos a se mexerem, a organizar seus pertences. Não se saboreia o final da história, muito menos os créditos.

Os créditos finais reservam mais do que nomes de atores, de equipe de produção, maquiagem, operadores de áudio, etc. Muitas vezes, complementam a história, como, por exemplo, no Diário de uma Motocicleta, de Walter Sales, onde os créditos finais mostram fotos reais dos amigos aventureiros. Quem saiu antes, perdeu.

Por outro lado, me questiono se o cinema visto por este país não tem sido hegemonicamente de explosões, corridas alucinantes e tiroteios, de modo que as pessoas mal vêem a hora de sair daquele "inferno"? Será que essa fórmula não sensibiliza o espectador?

Vinícius de Moraes*, na década de 40, escreveu uma crônica intitulada O Bom e o Mau Fã, ali o poetinha caracterizava o fã de cinema. Em primeiro lugar:

"Ser bom fã não é só gostar de cinema. (...) É preciso também ir ao cinema".

E continua enumerar atitudes que caracterizam o mau fã de cinema:

"Agora o traço do mau fã é falar no cinema. O indivíduo, ou a indivídua, que fala durante a projeção, merece a forca (...).
Há os que lêem alto os letreiros, e esses são a peste.
Há os sonambúlicos, que murmuram contra o violão, torcem pelo "mocinho", avisam o herói do perigo que o espreita (...)
O fã cuidadoso para desembrulhar balas também é errado. O barulho do papel desembrulhado devagar é muito mais irritante que o desembrulhar rapidamente e acabou a questão." (p.39)
Vivesse Vinícius ainda hoje, talvez poderia acrescentar às características do mau fã mais alguns tópicos como, por exemplo, aquele que nem espera que o filme termine completamente e se levanta atrapalhando o final para os outros, obrigando aos demais perderem a concentração, saborear menos as sutilezas finais, ou as surpresas que o diretor ou ator fez.

Outra característica do mau fã: aquele que não lê os créditos finais dos filmes. Será que não vale a pena ler o nome de homens e mulheres que contribuíram para aqueles minutos de puro encantamento para nós? Além disso, cada dia aparece mais e mais diferentes profissões que auxiliam a construção do filme. Por exemplo, muitas pessoas, em especial os mais jovens, têm oportunidade de descobrir novas profissões, que possibilitam um novo olhar sobre a própria vida.

Mas Vinícius de Moraes e todos aqueles que gostam de cinema quando olham para o cinema com tanto carinho que é como se fosse um pai que cobra de seus filhos não porque quer diminui-los, mas porque almeja que eles se dêem bem, continuem a ser encantadores sempre.

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*O melhor de Vinícius de Moraes. Editora Schwarcz Ltda, 1994.


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ROVILSON JOSÉ DA SILVA

Doutor em Educação/ Mestre em Literatura e Ensino/ Professor do Departamento de Educação da UEL – PR / Vencedor do Prêmio VivaLeitura 2008, com o projeto Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes.